Períodos de descanso: intervalos, repouso semanal e em feriados

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1115-1151

Page 1115

I Introdução

O estudo da duração do trabalho, compreendida como o tempo em que o empregado se coloca em disponibilidade perante o empregador, em decorrência do contrato (ou, sob outra perspectiva, o tempo em que o empregador pode dispor da força de trabalho do empregado, em um período delimitado), remete, necessariamente, ao exame dos períodos de descanso.

Efetivamente, a duração diária (jornada) surge, de maneira geral, entrecortada por períodos de descansos mais ou menos curtos em seu interior (intervalos intrajornadas), separando-se das jornadas fronteiriças por distintos e mais extensos períodos de descanso (intervalos interjornadas). Os períodos de descanso comparecem, mais uma vez, na interseção dos módulos semanais de labor, através do que se denomina repouso semanal ou, even-tualmente, através de certos dias excepcionalmente eleitos para descanso pela legislação federal, regional ou local (os feriados). Finalmente, marcam sua presença até no contexto anual da duração do trabalho, mediante a figura das férias anuais remuneradas.

Os períodos de descanso conceituam-se como lapsos temporais regulares, remunerados ou não, situados intra ou intermódulos diários, semanais ou anuais do período de labor, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar, comunitária e política.

Tais períodos de descanso abrangem, como visto, os descansos intrajornadas (usualmente denominados intervalos); os descansos interjornadas (também usualmente denominados intervalos); o descanso semanal (ou repouso semanal); os descansos em feriados; e, por fim, o descanso anual (denominado férias).

Os distintos períodos de descanso têm duração padrão normalmente fixada pela legislação heterônoma estatal. No tocante aos intervalos intrajornadas, fixa a CLT (art. 71) lapso temporal de 1 a 2 horas para jornadas contínuas superiores a 6 horas, e de 15 minutos para jornadas contínuas

Page 1116

situadas entre 4 e 6 horas. No tocante aos intervalos interjornadas (entre um dia e outro de labor), o parâmetro numérico é de 11 horas (art. 66, CLT; art. 5º, Lei n. 5.889/73).

A Lei do Trabalho Rural, curiosamente, preferiu se reportar aos usos e costumes da região do que fixar um parâmetro numérico para o intervalo intrajornada para refeição e descanso no campo (art. 5º, Lei n. 5.889, de 1973). Embora o critério pudesse se justificar quando instituído quarenta anos atrás, tem sido contemporaneamente criticado, em face da dimensão sanitária que se confere aos intervalos nas modernas concepções de administração da saúde e da segurança no ambiente laborativo. Em consequência, decidiu a jurisprudência mais recente adotar o parâmetro numérico universal da CLT, referido no próprio regulamento normativo da Lei do Trabalho Rural, ou seja, intervalo mínimo de 1 hora para jornadas contínuas superiores a 6 horas (ex--OJ n. 381 da SDI-1 do TST; Súmula 437, I, TST).

Ao lado dessa duração padrão dos intervalos intra e interjornadas, existem inúmeros intervalos especiais fixados pelo Direito do Trabalho, seja em decorrência do exercício pelo empregado de certas funções específicas (por exemplo, art. 72, CLT), seja em decorrência da prestação de trabalho em circunstâncias especiais ou gravosas (ilustrativamente, arts. 253 e 298, CLT).

A duração padrão do descanso semanal, por sua vez, é de 24 horas (art. 67, CLT; Lei n. 605, de 1949). Na mesma fronteira situa-se o descanso em feriado, embora este se fixe em dia e não em horas (art. 70, CLT; Lei n. 605/49; Lei n. 9.093, de 1995). Finalmente, no tocante ao descanso anual, a duração padrão legalmente fixada é de 30 dias (art. 130, CLT).

O presente Capítulo estudará três modalidades muito próximas de períodos trabalhistas de descanso: os intervalos intra e interjornadas, o repouso semanal remunerado e os dias de feriados.

II Intervalos trabalhistas: análise jurídica
1. Relevância dos Intervalos Trabalhistas

A relevância dos intervalos tem crescido ao longo da evolução do Direito do Trabalho. A intensificação de suas relações com matérias relativas à profilaxia dos riscos ambientais do trabalho tem aumentado a sua importância nesse ramo jurídico especializado. Esse status influi também, de modo significativo, no debate acerca da imperatividade ou não das normas que os regulamentam no âmbito do contrato empregatício.

A) Intervalos e Saúde no Trabalho — Intervalos e jornada são assuntos correlatos, já que compõem aquilo que a teoria justrabalhista chama de

Page 1117

duração do trabalho, envolvendo o tempo de efetiva disponibilidade ou não do trabalhador às circunstâncias derivadas do contrato de trabalho e de seu cumprimento. É evidente que se combinam as extensões da jornada e respectivos intervalos, de modo a estabelecer o efetivo período de disponibilidade do trabalhador em face de seu contratante.

Intervalos e jornada, hoje, não se enquadram, porém, como problemas estritamente econômicos, relativos ao montante de força de trabalho que o obreiro transfere ao empregador em face do contrato pactuado. É que os avanços das pesquisas acerca da saúde e segurança no cenário empregatício têm ensinado que a extensão do contato do empregado com certas atividades ou ambientes laborativos é elemento decisivo à configuração do potencial efeito insalubre ou perigoso desses ambientes ou atividades. Tais reflexões têm levado à noção de que a redução da jornada em certas atividades ou ambientes, ou a fixação de adequados intervalos no seu interior, constituem medidas profiláticas importantes no contexto da moderna medicina laboral. Noutras palavras, as normas jurídicas concernentes à jornada e intervalos não são, hoje, tendencialmente, dispositivos estritamente econômicos, já que podem alcançar, em certos casos, o caráter determinante de regras de medicina e segurança do trabalho, portanto, normas de saúde pública.

Por essa razão é que a Constituição, sabiamente, arrolou, como já estudado, no rol dos direitos dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII). Pela mesma razão é que, como visto, a ação administrativa estatal, por intermédio de normas de saúde pública e de medicina e segurança do trabalho que venham reduzir o tempo lícito de exposição do trabalhador a certos ambientes ou atividades não é inválida — nem ilegal, nem inconstitucional. Ao contrário, é francamente autorizada (e mesmo determinada) pela Constituição, mediante inúmeros dispositivos que se harmonizam organicamente. Recordem-se, por exemplo, o mencionado art. 7º, XXII, que se refere ao direito à redução dos riscos do trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança; o art. 194, caput, que menciona a seguridade social como um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde...”; o art. 196, que coloca a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...”; o art. 197, que qualifica como de “relevância pública as ações e serviços de saúde...”; cite-se, finalmente, o art. 200, II, que informa competir ao sistema único de saúde “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”.

Isso significa que as normas jurídicas concernentes a intervalos intrajornadas também têm caráter de normas de saúde pública, não podendo, em princípio, ser suplantadas pela ação privada dos indivíduos e grupos

Page 1118

sociais. É que, afora os princípios gerais trabalhistas da imperatividade das normas desse ramo jurídico especializado e da vedação a transações lesivas, tais regras de saúde pública estão imantadas de especial obrigatoriedade, por determinação expressa oriunda da Constituição da República. De fato, todos os preceitos constitucionais acima citados colocam como valor intransponível o constante aperfeiçoamento das condições de saúde e segurança laborais, assegurando até mesmo um direito subjetivo à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Por essa razão, regras jurídicas que, em vez de reduzirem esse risco, alargam-no ou o aprofundam, mostram-se francamente inválidas, ainda que subscritas pela vontade coletiva dos agentes econômicos e profissionais envolventes à relação de emprego.1

B) Transação e Flexibilização dos Intervalos: possibilidades e limites — As normas jurídicas estatais que regem a estrutura e dinâmica dos intervalos trabalhistas também são, de maneira geral, no Direito brasileiro, normas imperativas. O caráter de obrigatoriedade próprio às regras do Direito do Trabalho também é aqui especialmente enfatizado.

Por isso, todos os princípios e regras associados ou decorrentes de tal imperatividade também incidem, soberanamente, neste campo. Assim, a renúncia, pelo trabalhador, no âmbito da relação de emprego, a alguma vantagem ou situação resultante de normas respeitantes a intervalos é absolutamente inválida.

A transação meramente bilateral, sem substrato em negociação coletiva, também se submete ao mesmo conjunto indissolúvel de princípios e regras. Desse modo, como critério geral, será inválida a transação bilateral que provoque prejuízo ao trabalhador. Ilustrativamente, redução de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT