Períodos de descanso: intervalos, repouso semanal e em feriados

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1140-1177
CAPÍTULO XXIV
PERÍODOS DE DESCANSO:
INTERVALOS, REPOUSO SEMANAL E EM FERIADOS
I. INTRODUÇÃO
O estudo da duração do trabalho, compreendida como o tempo em que
o empregado se coloca em disponibilidade perante o empregador, em decor-
rência do contrato (ou, sob outra perspectiva, o tempo em que o empregador
pode dispor da força de trabalho do empregado, em um período delimitado),
remete, necessariamente, ao exame dos períodos de descanso.
Efetivamente, a duração diária (jornada) surge, de maneira geral, en-
trecortada por períodos de descansos mais ou menos curtos em seu interior
(intervalos intrajornadas), separando-se das jornadas fronteiriças por dis-
tintos e mais extensos períodos de descanso (intervalos interjornadas). Os
períodos de descanso comparecem, mais uma vez, na interseção dos módulos
semanais de labor, através do que se denomina repouso semanal ou, even-
tualmente, através de certos dias excepcionalmente eleitos para descanso
pela legislação federal, regional ou local (os feriados). Finalmente, marcam
sua presença até no contexto anual da duração do trabalho, mediante a gura
das férias anuais remuneradas.
Os períodos de descanso conceituam-se como lapsos temporais regu-
lares, remunerados ou não, situados intra ou intermódulos diários, semanais
ou anuais do período de labor, em que o empregado pode sustar a prestação
de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de
recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar,
comunitária e política.
Tais períodos de descanso abrangem, como visto, os descansos intra-
jornadas (usualmente denominados intervalos); os descansos interjornadas
(também usualmente denominados intervalos); o descanso semanal (ou re-
pouso semanal); os descansos em feriados; e, por m, o descanso anual
(denominado férias).
Os distintos períodos de descanso têm duração padrão normalmente
xada pela legislação heterônoma estatal. No tocante aos intervalos intra-
jornadas, xa a CLT (art. 71) lapso temporal de 1 a 2 horas para jornadas
contínuas superiores a 6 horas, e de 15 minutos para jornadas contínuas
1141C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
situadas entre 4 e 6 horas. No tocante aos intervalos interjornadas (entre um
dia e outro de labor), o parâmetro numérico é de 11 horas (art. 66, CLT; art. 5º,
Lei n. 5.889/73).
A Lei do Trabalho Rural, curiosamente, preferiu se reportar aos usos e
costumes da região do que xar um parâmetro numérico para o intervalo in-
trajornada para refeição e descanso no campo (art. 5º, Lei n. 5.889, de 1973).
Embora o critério pudesse se justi car quando instituído quarenta anos atrás,
tem sido contemporaneamente criticado, em face da dimensão sanitária que
se confere aos intervalos nas modernas concepções de administração da
saúde e da segurança no ambiente laborativo. Em consequência, decidiu a
jurisprudência mais recente adotar o parâmetro numérico universal da CLT,
referido no próprio regulamento normativo da Lei do Trabalho Rural, ou seja,
intervalo mínimo de 1 hora para jornadas contínuas superiores a 6 horas (ex-
-OJ n. 381 da SDI-1 do TST; Súmula 437, I, TST).
Ao lado dessa duração padrão dos intervalos intra e interjornadas,
existem inúmeros intervalos especiais xados pelo Direito do Trabalho,
seja em decorrência do exercício pelo empregado de certas funções
especí cas (por exemplo, art. 72, CLT), seja em decorrência da prestação
de trabalho em circunstâncias especiais ou gravosas (ilustrativamente,
arts. 253 e 298, CLT).
A duração padrão do descanso semanal, por sua vez, é de 24 horas
(art. 67, CLT; Lei n. 605, de 1949). Na mesma fronteira situa-se o descanso
em feriado, embora este se xe em dia e não em horas (art. 70, CLT; Lei
n. 605/49; Lei n. 9.093, de 1995). Finalmente, no tocante ao descanso anual,
a duração padrão legalmente xada é de 30 dias (art. 130, CLT).
O presente Capítulo estudará três modalidades muito próximas de perío-
dos trabalhistas de descanso: os intervalos intra e interjornadas, o repouso
semanal remunerado e os dias de feriados.
II. INTERVALOS TRABALHISTAS: ANÁLISE JURÍDICA
1. Relevância dos Intervalos Trabalhistas
A relevância dos intervalos tem crescido ao longo da evolução do Direito
do Trabalho. A intensi cação de suas relações com matérias relativas à
pro laxia dos riscos ambientais do trabalho tem aumentado a sua importância
nesse ramo jurídico especializado. Esse status in ui também, de modo
signi cativo, no debate acerca da imperatividade ou não das normas que os
regulamentam no âmbito do contrato empregatício.
A) Intervalos e Saúde no Trabalho — Intervalos e jornada são assuntos
correlatos, já que compõem aquilo que a teoria justrabalhista chama de
1142 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
duração do trabalho, envolvendo o tempo de efetiva disponibilidade ou não
do trabalhador às circunstâncias derivadas do contrato de trabalho e de
seu cumprimento. É evidente que se combinam as extensões da jornada
e respectivos intervalos, de modo a estabelecer o efetivo período de
disponibilidade do trabalhador em face de seu contratante.
Intervalos e jornada, hoje, não se enquadram, porém, como problemas
estritamente econômicos, relativos ao montante de força de trabalho que o
obreiro transfere ao empregador em face do contrato pactuado. É que os
avanços das pesquisas acerca da saúde e segurança no cenário empregatício
têm ensinado que a extensão do contato do empregado com certas atividades
ou ambientes laborativos é elemento decisivo à con guração do potencial
efeito insalubre ou perigoso desses ambientes ou atividades. Tais re exões
têm levado à noção de que a redução da jornada em certas atividades ou
ambientes, ou a xação de adequados intervalos no seu interior, constituem
medidas pro láticas importantes no contexto da moderna medicina laboral.
Noutras palavras, as normas jurídicas concernentes à jornada e intervalos
não são, hoje, tendencialmente, dispositivos estritamente econômicos, já
que podem alcançar, em certos casos, o caráter determinante de regras de
medicina e segurança do trabalho, portanto, normas de saúde pública.
Por essa razão é que a Constituição, sabiamente, arrolou, como já
estudado, no rol dos direitos dos trabalhadores a “redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”
(art. 7º, XXII). Pela mesma razão é que, como visto, a ação administrativa
estatal, por intermédio de normas de saúde pública e de medicina e se-
gurança do trabalho que venham reduzir o tempo lícito de exposição do
trabalhador a certos ambientes ou atividades não é inválida — nem ilegal,
nem inconstitucional. Ao contrário, é francamente autorizada (e mesmo
determinada) pela Constituição, mediante inúmeros dispositivos que se
harmonizam organicamente. Recordem-se, por exemplo, o mencionado
art. 7º, XXII, que se refere ao direito à redução dos riscos do trabalho por
meio de normas de saúde, higiene e segurança; o art. 194, caput, que
menciona a seguridade social como um “conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde...”; o art. 196, que coloca a saúde como “direito
de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econô-
micas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...”; o
art. 197, que quali ca como de “relevância pública as ações e serviços de
saúde...”; cite-se, nalmente, o art. 200, II, que informa competir ao sistema
único de saúde “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica,
bem como as de saúde do trabalhador”.
Isso signi ca que as normas jurídicas concernentes a intervalos
intrajornadas também têm caráter de normas de saúde pública, não podendo,
em princípio, ser suplantadas pela ação privada dos indivíduos e grupos

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT