A permeabilidade dos setores público e privado no sistema neoliberal

AutorRafael Velloso Stankevecz
CargoJuiz de Direito do TJPR
Páginas249-264
249
Revista Judiciária do Paraná – Ano XVI – n. 21 – Maio 2021
A permeabilidade dos setores público e privado no
sistema neoliberal
Rafael Velloso Stankevecz1
Juiz de Direito do TJPR
Resumo: Neste artigo procurou-se demonstrar as fases
pelas quais o Estado passou no decorrer dos séculos, indo
do absolutismo monárquico ao Estado liberal, depois para
Estado do bem-estar social, até chegar ao neoliberalismo, com
o resgate de princípios do capitalismo liberal e marcado pela
privatização não apenas das empresas estatais, mas também
dos serviços sociais. Como consequência, o acesso a esses
serviços acaba sendo atribuído ao mérito e ao desempenho,
aumentando as desigualdades sociais. Além disso, passou a
haver uma permeabilidade entre o setor público e privado,
em uma confusão de interesses. Portanto, propõe-se um
debate sobre o tema para contribuir com o surgimento de um
modelo econômico que estabeleça limites mais rígidos entre
o público e o privado, equilibrando-se os ideais neoliberais e
social-democratas previstos na Constituição brasileira.
Introdução
D     , o papel do Estado
frente ao capitalismo sofreu mudanças consideráveis, impactando na
economia. No decorrer da Idade Média, prevaleceu na Europa o abso-
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lutismo, com o poder concentrado na mão de um único governante,
com poderes plenos para criar leis, impostos e até para agir em assuntos
religiosos. Isso porque se acreditava que o poder do governante tinha
origem divina, consagrando-se, na história, a frase l´Etat c´est moi (o
Estado sou eu), atribuída a Luís XIV, monarca francês.
A história, seguindo seu curso, presenciou a Revolução Industrial
(a partir de 1760) e a Revolução Francesa (1789-1799), que deram cau-
sa ao surgimento do Estado liberal ou ab-
senteísta. Houve, assim uma revolução da
burguesia objetivando a redução do poder
do monarca, além do reconhecimento de
direitos fundamentais do cidadão. A eco-
nomia passou a ser autorregulável, sem
interferência do Estado, o qual garantia
apenas a liberdade e a propriedade privada.
Esta forma de atuação do Estado frente
à economia perdurou até a primeira guerra
mundial (1914-1918) e culminou em mui-
tas desigualdades sociais geradas pelo pró-
prio capitalismo liberal e pela passividade
do Estado. Por isso, após a grande guerra
instalou-se o Estado social, no qual os di-
reitos sociais (direitos fundamentais de se-
gunda dimensão) passaram a ser também garantidos. A Constituição
Mexicana (1917) e a Alemã (1919) foram pioneiras nesse novo mo-
delo de constitucionalismo. No Brasil, o reexo somente ocorreu na
Constituição de 1934.
O neoliberalismo, como ideologia, surgiu apenas na década de
1940, como reação ao intervencionismo do Estado e às crises econô-
micas, sobretudo a grande crise de 1929. Porém, somente após 1970 é
que realmente o neoliberalismo se instalou, coincidindo com o início da
decadência do socialismo e também como reação às novas crises econô-
micas. Houve, assim, o resgate de alguns valores do capitalismo liberal.
Esta mudança de modelo econômico, como se percebe, guarda re-
lação com a forma de atuação do Estado. Para tal percepção, é necessá-
A prevalência do
interesse público
na economia e
no capitalismo
só é alcançada,
democraticamente,
através da
intervenção do
Estado, para uma
melhor distribuição
de renda e para
a realização da
justiça social

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