Perspectiva constitucional dos meios privados de resolução de conflitos

AutorClarindo Epaminondas de Sá Neto, George Lucas Souza Diógenes, José Albenes Bezerra Junior
CargoDoutor em Direito, Política e Sociedade (UFSC)/Mestrando em Direito, Democracia e Conlitos Socioeconômicos pela Universidade Federal Rural do Semiárido/Doutor em Direito pela Universidade de Brasília
Páginas251-284
Recebido em: 30/10/2020
Revisado em: 23/11/2020
Aprovado em: 30/11/2020
http://doi.org/10.5007/2177-7055.2020v41n86p251
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Perspectiva Constitucional dos Meios Privados de
Resolução de Conflitos
Constitutional Perspective on the Private Dispute Resolution Methods
Clarindo Epaminondas de Sá Neto1
George Lucas Souza Diógenes2
José Albenes Bezerra Júnior2
1Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
2Universidade Federal Rural do Semiárido, Mossoró, RN, Brasil
Resumo: O objetivo deste art igo é delimitar a
posição que os métodos privados de resolução
de conflito ocupam no ordenamento constitu-
cional brasileiro. Mais especificamente, o que
se busca é aferir se esses métodos podem ser
abrigados sob o sistema protetivo das cláusu-
las pétreas, considerando que os seus usos se
relacionam com o acesso à justiça interpretado
no inciso XXXV, artigo 5º da Constituição de
1998, o qual, na qualidade de garantia indivi-
dual fundamental, é resguardado pelo artigo 60,
parágrafo 4º, inciso IV. Assim, o caminho per-
corrido aqui será identificar se e em que medi-
da o uso dos métodos privados de resolução de
conflitos se insere no núcleo daquela garantia.
Tal relação será exposta com recurso à análise
filosófica do tema sob a perspectiva do Con-
tratualismo e a temas da teoria geral do direito
relativos ao poder soberano e à jurisdição, por
meio do método hipotético-dedutivo e de revi-
são de literatura e análise documental.
Palavras-chave: Acesso à Justiça. Cláusula
Pétrea. Contratualismo. Direito Constitucional.
Resolução Privada de Conflitos.
Abstract: The objective of this article consists
in the delimitation of the place occupied by the
private dispute resolution methods within the
frame of the Brazilian constitutional order. More
specifically, the main goal is to determinate
if those methods can fall under the protective
system of the eternal clauses, considering that
their practices are associated with the access to
justice, which, as a legal guarantee, is declared by
the fifth article, XXXV, of the current Brazilian
Constitution. The same Constitution, according
to the 60th article, IV, protects that guarantee as
an eternal clause. Thus, we investigate if and to
what extent the use of private dispute resolution
methods can be found inserted in the core of
the legal guarantee of access to justice. Such
relation will be mainly explained with the help
of the philosophical themes provided by the
Contractualism and also by legal theory themes
concerning sovereign power and jurisdiction. In
order to achieve this goal, this article employs
the hypothetical-deductive method assisted by
literature review and documental analysis.
Keywords: Access to Justice. Constitutional
Law. Contractualism. Eternity Clause. Private
Resolution of Conflicts.
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Perspectiva Constitucional dos Meios Privados de Resolução de Conflitos
1 Introdução
As dificuldades que percorrem corredores e salas dos tribunais e
dos fóruns do País coroam o amontoado de adversidades experimenta-
das pelo povo brasileiro. Os conflitos, potencializados na sortida face-
tagem das relações humanas recepcionáveis pelo direito, apresentam-se
submissos em colunas de papéis que tentam sustentar um edifício pesado
ou como desembrulhados de códigos binários em telas vítreas nas quais
transparece a reprodução de cópias.
No entorno, debates constitucionais, administrativos e processuais
avançam sugestões com o propósito de sanar a morosidade e a baixa qua-
lidade que acometem a prestação jurisdicional e que pervertem ou, no mí-
nimo, fazem desacreditar o significado do acesso à justiça.
Alguns dos resultados dessas discussões tomam corpo recentemente
com as modificações legislativas e as orientações e as diretrizes de órgãos
autorizados quanto à administração de controvérsias entre os particula-
res e mesmo entre estes e o Poder Público no contexto da crise numérica
de processos. Esses eventos fazem brotar novas perspectivas acerca do
acesso à justiça com base nos meios privados de solução de conflitos, de
modo que aquilo que então era subestimado e até constituía razão a sus-
citar inconstitucionalidade é agora posto sob os auspícios de muitos que
neles acreditam ver emprego adequado para dar efetividade ao projeto
constitucional.
Se, no entanto, esses meios ampliam sua esfera de aplicabilidade,
é incerto inicialmente se a sua eficácia está a depender do arranjo con-
juntural a que se fez menção logo nas primeiras linhas e se sua promoção
é mero fruto dos reveses do Judiciário e da conseguinte adoção de uma
nova política. Como também é incerto se, por mais que sejam colhidos
resultados positivos com os novos rumos, esse progresso tardio virá a en-
contrar eventual retrocesso em sua jornada.
É por isso e em vista da evidência expressa nas incontáveis possibilida-
des de mutação no ordenamento jurídico que nos pomos face ao problema de
investigar se os meios privados de resolução de conflitos gozam de alguma
proteção no ordenamento jurídico brasileiro face à atividade legiferante.
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Clarindo Epaminondas de Sá Neto, George Lucas Souza Diógenes, José Albenes Bezerra Júnior
Para satisfazer a pergunta, é utilizado o método hipotético-dedutivo
com auxílio de pesquisa bibliográfica e material documental, abordando
desde a contemplação filosófica sobre os fundamentos desses meios nos
quadros do próprio desenvolvimento humano em sociedade até os estudos
sobre o núcleo do direito de acesso à justiça no ordenamento pátrio.
A importância de tentar responder a essa questão está na contribui-
ção ao esclarecimento das atitudes e dos modelos que insistem no tra-
tamento insuficiente dos conflitos; na afirmação da independência dos
meios privados de resolução de conflitos do contexto de fracasso das ins-
tituições jurídicas e políticas, ao mesmo tempo em que examina o efeito
positivo sobre estas; e, principalmente, na compatibilização entre o mode-
lo de poder e a maior autonomia aos jurisdicionados.
2 A Sociabilidade Humana e os Fundamentos do Poder Soberano
De princípio, quando se considera o tema que orienta este trabalho,
salta um problema que, inicialmente, parece pertencer à mera ordem de no-
menclatura e estilística. Quando muito, aparenta apenas estar associado à
ênfase atribuída por um ou outro autor a fim de acrescer a importância do
seu objeto de estudo. Fala-se, com isso, da questão de designar os meios
privados de resolução de conflitos de “alternativos” ou “originários”.
Isso justifica parcialmente a razão de se adotar aqui o termo “priva-
do” em vez de aderir àquelas outras terminologias. Também não se poderia
substitui-las pelo emprego da sua nomeação como “consensuais”, uma vez
que, dentro da classificação correntemente aplicada, vias de alto relevo res-
tariam excluídas com tal opção, como é o caso da arbitragem. As demais
explicações referentes à nomenclatura enunciada no título desta inquirição
e ao longo de suas páginas serão oferecidas em outros momentos.
Contudo, o que é necessário ter sob atenção é que o que figurava
então como questão de órbita significativamente estreita oculta uma dis-
cussão de abrangência superior. A razão para essa afirmação reside no
fato de que optar pela alternatividade ou pela originariedade do objeto
pressupõe obrigatoriamente os debates da resolução de conflitos dentro da
perspectiva de formação e desenvolvimento do governo (e a instauração

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