O sentido de perspectiva no El Espectador de Ortega y Gasset

AutorJosé Mauricio de Carvalho - Vanessa da Costa Bessa
CargoProfessor do Departamento de Filosofia da UFSJ - Bolsista do PIBIC/FAPEMIG
Páginas399-415
Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, Volume 44, Número 2, p. 399-415, Outubro de 2010
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* Sense of perspective in El Espectador by Ortega y Gasset
1 Professor do Departamento de Filosofia da UFSJ. Endereço para correspondências: Departamento
de Filosofia da UFSJ, Praça Dom Helvécio, 74, Fábricas, São João del-Rei, MG, 36310-160
(mauricio@ufsj.edu.br).
2 Bolsista do PIBIC/FAPEMIG.
O sentido de perspectiva no El Espectador
de Ortega y Gasset*
José Mauricio de Carvalho1
Vanessa da Costa Bessa2
Universidade Federal de São João del-Rei
O presente artigo mostra como
o filósofo espanhol José Ortega y Gas-
set estabelece a perspectiva do sujei-
to como forma de acesso à verdade.
São examinados os vários aspectos da
questão elaborada inicialmente como
problema ontognoseológico, através do
qual o filósofo espera superar a redu-
ção da realidade à matéria ou espírito.
Indica-se, ainda, que o problema tam-
bém possui, no raciovitalismo orte-
guiano, implicações morais pela fide-
lidade que proclama a um fundo pes-
soal insubornável. A fidelidade a este
fundo íntimo não significa obediência
aos desejos, já que a ação humana de-
manda análise racional e respeito aos
valores nucleares da sociedade.
Palavras-chave: Perspectiva – Sen-
tido – Filosofia – Raciovitalismo –
Ortega y Gasset
In this article we study how the
Spanish philosopher José Ortega y
Gasset establishes the perspective of
the subject as a mean of access to the
truth. We examine various aspects of
the issue initially elaborated as an on-
tological problem, whereby the philo-
sopher hopes to overcome the reduc-
tion of reality to the matter or spirit. It
is also indicated that the problem has,
in Orteguian rationvitalism, moral im-
plications by the fidelity that proclaims
an incorruptible personal background.
The fidelity to this close fund doesn’t
mean obedience to the wishes/desires,
because it demands rational analysis
and respect for the core values of the
society.
Keywords: Perspective – Sense –
Philosophy – Rationvitalism – Ortega
y Gasset
Considerações iniciais
A noção de perspectiva representa na filosofia orteguiana o reconhecimento
de que é o olhar do indivíduo o único modo de se chegar à realidade. Esta
forma de acesso ao fundo do real foi estabelecida no ensaio Verdad y Perspectiva
(1916) (El Espectador I). Conhecer a realidade é um problema essencial da filosofia.
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Revista de Ciências
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Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, Volume 44, Número 2, p. 399-415, Outubro de 2010
Com a noção de perspectiva Ortega y Gasset3 procura entender o real sem
reduzi-lo ao que dizia o materialismo marxista ou positivista ou ainda o idealis-
mo hegeliano, conforme ele explica nas Meditaciones del Quijote. Este era o
desafio do início do século XX e possuía relação não com as realizações da
ciência, mas com o que ela se propunha no desvendamento da vida humana e
com os pressupostos que difundia, a saber: a verdade científica é uma cópia da
realidade da natureza, a ciência fornece o único método válido para o estudo da
realidade, inclusive os problemas morais, políticos ou sociais.
Em Verdad y Perspectiva Ortega y Gasset afirma que cada homem tem
uma missão sobre a verdade, e que esta verdade é não só cognitiva, mas pessoal.
O assunto será desenvolvido em diversos ensaios de El Espectado4: Ideas
sobre Pio Baroja, El origen deportivo del Estado, De Madrid a Astúrias o
los dos paisajes, Elogio del Murciélago, Temas de viaje, La interpretaci-
ón bélica de la história, Hegel y América, Divagación ante el retrato de la
marquesa de Santillana.
Nos textos mencionados acima, Ortega y Gasset trata de questões nucle-
ares de seu pensamento5. O modo como a perspectiva é tratada em El Espec-
tador é o problema deste artigo. El Espectador é um conjunto de sete volumes
com ensaios e artigos elaborados durante um período bastante longo entre os
anos de 1916 e 1934 e que estão no volume II das Obras Completas do autor.
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3 José Ortega y Gasset, escritor e filósofo espanhol, nasceu e morreu em Madrid, respectivamente nos
anos de 1883 e 1955. Começou seus estudos no Colégio Jesuíta próximo à Málaga (Andaluzia). Mais
tarde estudou nas Universidades de Marburgo, Leipzig e Berlin (Alemanha). Voltando à pátria em
1914 tornou-se professor na Universidade de Madrid. Em 1923 fundou a conhecida Revista do
Ocidente. Em 1931 teve breve experiência política, elegendo-se deputado da República. Com a
explosão da Guerra Civil em 1936 é obrigado a deixar a cátedra e refugiar-se no exterior. Reside
muito tempo longe de seu país em vários países: França, Holanda, Portugal e Alemanha, voltando
à Espanha em 1948. No mesmo ano funda com Julián Marías o Instituto de Humanidades. Suas
obras mais importantes são: Meditações do Quixote, A Desumanização da Arte, A rebelião das
Massas e O Homem e a Gente. Ortega y Gasset desenvolveu uma filosofia da vida, partindo de fonte
diversa da empregada por Unamuno. Ele foi discípulo de Herman Cohen. “Notam-se nele, além da
escola neokantiana, as influências do historicismo de Dilthey, do relativismo de Simmel, do intui-
cionismo de Bergson e do vitalismo em geral” (SCIACCA, 1968, v. III, p. 199).
4 El Espectador é o nome dado a sete livros escritos entre 1916 e 1934, que estão reunidos no volume 2º
das Obras Completas de José Ortega y Gasset publicada pela Alianza Editorial de Madrid. Os ensaios
reunidos em El Espectador constituem um marco da passagem da fase inicial para a etapa decisiva do
pensamento orteguiano. Momento decisivo é aquele em que o filósofo apresenta de forma amadurecida
e própria os aspectos nucleares de sua meditação filosófica. Essa fase decisiva inicia-se com a publicação
de Meditações do Quixote onde o filósofo define a vida em circunstância como a realidade radical a ser
examinada como problema nuclear do filosofar. É essa problemática que está presente em El Espectador.
5 Ortega y Gasset tratou dos problemas nucleares da filosofia contemporânea. O desafio da
filosofia nos anos em que foram escritos os ensaios de El Espectador era mostrar os limites
da ciência moderna. Construída sob as referências do positivismo, que tinha por modelo a
Física, ela era destituída de preocupação humanista. Esse modelo de ciência dava pouca atenção
ao valor e à responsabilidade pessoal de construir um sentido para a vida. Aqueles dias viveram
uma crise ampla também porque a 1ª. Guerra Mundial destruiu a visão bem acabada de
modernidade representada pela belle époque e lançou a humanidade ocidental na incerteza.

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