Perspectives and contributions from the black woman organizations and black feminists against racism and sexism in the Brazilian society/Perspectivas e contribuicoes das organizacoes de mulheres negras e feministas negras contra o racismo e o sexismo na sociedade brasileira.

AutorFigueiredo, Angela

Introducao

No dia 14 de marco de 2018 fomos surpreendid@s com a noticia do assassinato da vereadora Marielle Franco--do PSOL do Rio de Janeiro--e de seu motorista, Anderson Gomes. O crime ocorreu exatamente apos uma reuniao entre Marielle e um grupo de mulheres negras, enquanto estavamos participando do 13o Forum Social Mundial, em Salvador. Lembro-me de que ficamos tod@s abatid@s, literalmente desnortead@s.

No dia anterior, estavamos participando de uma atividade promovida pela Rede de Mulheres Negras, cujo objetivo principal era promover um julgamento, colocando o Estado Brasileiro no banco dos reus, para condena-lo pelos inumeros crimes cometidos contra a populacao negra. Neste mesmo dia, outra acao promovida pela Articulacao de Organizacoes de Mulheres Negras Brasileiras--AMNB, com o apoio do Comite Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, promoveu o Forum Permanente de Mulheres Negras: Avaliacao dos 30 anos do Encontro Nacional de Mulheres Negras. Na quinta-feira, dia 15, suspendemos todas as atividades para nos solidarizarmos com as familias e protestarmos contra o assassinato de Marielle Franco. Durante a tarde, saimos em marcha mais uma vez, e com palavras de ordem, denunciavamos o genocidio contra a populacao negra e os alarmantes numeros de mulheres assassinadas, vitimas do feminicidio.

Marielle morreu porque foi vitima do racismo? Do Feminicidio? Por que era ativista dos direitos das populacoes negras, ou porque defendia a garantia dos direitos humanos? Certamente, a execucao dela nao se enquadra em nenhum desses motivos isoladamente, mas no conjunto ou na interseccao formada por eles. O crime contra Marielle tem como objetivo politico enviar uma mensagem com vistas a silenciar o atuante e combativo movimento de mulheres negras em todo o pais, isso porque "quando as mulheres negras se movem, toda a estrutura politica e social se movimenta na sociedade" (1), exatamente porque, estando na base, o movimento das mulheres negras desestrutura/desestabiliza as rigidas e consolidadas relacoes desiguais de poder do sistema capitalista. O assassinato de Marielle Franco e uma tentativa de matar a luta e a esperanca em cada uma de nos, e de reinstaurar as relacoes rigidas e desiguais de poder na sociedade brasileira.

Na ultima visita de Angela Davis a Bahia, na ocasiao da conferencia proferida em 25 de julho de 2017, Angela afirmou que "quando a vida das mulheres negras importar, teremos a certeza de que todas as vidas importam" (2). Esta citacao revela o modo como as mulheres negras, estando na base da piramide social, vivenciam o descaso do poder publico com as populacoes negras e pobres, que vao desde o acesso a agua, saude, moradia, educacao e trabalho, ao tempo em que aponta para a permanencia de um sistema estruturado em bases patriarcais, no qual a socializacao de genero ainda atribui as mulheres a responsabilidade pela manutencao da familia e o cuidado com a prole. A sobrecarga de responsabilidades associada ao racismo e as representacoes estereotipadas sobre o corpo feminino negro tem causado inumeros prejuizos as mulheres negras, que tem buscado estrategias coletivas como um modo de enfrentamento as desigualdades.

As estrategias utilizadas pelos grupos negros mudam ao longo do tempo, por isso alguns autores e autoras tem estabelecido uma distincao entre as diferentes formas de organizacoes coletivas negras. Domingues (2007) define o movimento negro a partir da sua articulacao mais contemporanea, atraves da

[...] luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminacoes raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, politico, social e cultural. Para o movimento negro, a "raca", e, por conseguinte, a identidade de racial, e utilizada nao so como elemento de mobilizacao, mas tambem de mediacao das reivindicacoes politicas. Em outras palavras, para o movimento negro, a "raca" e o fator determinante de organizacao dos negros em torno de um projeto comum de acao. (DOMINGUES, 2007, p. 102).

E critica o que considera uma divisao demasiadamente ampla, oferecida por Joel Rufino:

[...] todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as acoes, de qualquer tempo (ai compreendidas mesmo aquelas que visavam a autodefesa fisica e cultural do negro), fundadas e promovidas por pretos e negros [...]. Entidades religiosas (como terreiros de candomble, por exemplo), assistenciais (como as confrarias coloniais), recreativas (como "clubes de negros"), artisticas (como os inumeros grupos de danca, capoeira, teatro, poesia), culturais (como os diversos "centros de pesquisa") e politicas (como o Movimento Negro Unificado); e acoes de mobilizacao politica, de protesto antidiscriminatorio, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artisticos, literarios e 'folcloricos'--toda essa complexa dinamica, ostensiva ou encoberta, extemporanea ou cotidiana, constitui movimento negro. (RUFINO, apud DOMINGUES, ibid., p. 102).

O autor divide as acoes do movimento em tres periodos. O primeiro, que vai de 1889-1937, esta fase inicial e considerada pelas acoes imediatamente criadas apos a proclamacao da Republica pelos ex-escravos e libertos--gremios, clubes ou associacoes e outros--e das publicacoes voltadas para tratar das questoes negras, conhecida como imprensa negra, onde se destaca o combate ao "preconceito de cor, uma das organizacoes mais destacada deste periodo foi a Frente Negra Brasileira (FNB)". O autor observa que as mulheres "eram mais assiduas na luta em favor do negro, de forma que na Frente [Negra] a maior parte eram mulheres. Era um contingente muito grande, eram elas que faziam todo movimento" (DOMINGUES, 2007, p. 106). O segundo periodo, de 1945-1964, e marcado pela criacao da Uniao dos Homens de Cor (UHC), em Porto Alegre, e em 1944, o Teatro experimental do Negro (TEN)--de acordo com o depoimento coletado pelo autor, era significativa a presenca das mulheres negras no TEN. Um terceiro momento, que vai de 1978-2000, tem destaque a criacao do Movimento Negro Unificado (MNU). Do ponto de vista do contexto politico, o MNU foi influenciado tanto pela luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, quanto pelos movimentos de libertacao dos paises africanos. Muitos dos ativistas negros que contribuiram para a formacao do MNU foram influenciados pela critica marxista ao capitalismo, destacando o modo como o racismo serve a este sistema.

Resumidamente, diriamos que as principais contribuicoes do MNU foram: a desmistificacao da mesticagem, considerada como uma ideologia alienadora e, consequentemente, a critica a democracia racial brasileira, como ideologia e como conceito interpretativo sobre o Brasil; A substituicao do dia de 13 de Maio pelo dia 20 de Novembro, como o dia Nacional da Consciencia Negra; O combate aos estereotipos raciais; A demanda pela introducao da Historia da Africa e do Negro no Brasil nos curriculos escolares; A assuncao de religioes de matrizes africanas; A ressignificacao do termo negro para autoclassificacao da cor no Brasil--a popularizacao do termo esta intimamente relacionada as questoes de afirmacao da identidade negra; E a criacao de uma area especifica de direito e relacoes raciais. (DOMINGUES, 2007; CARNEIRO, 2003).

Entre os anos 1970 e 1980 havia uma divisao entre as organizacoes negras. Aquelas que se organizam mais em funcao da cultura e que veem estas praticas como uma forma de resistencia eram identificadas como organizacoes culturais em oposicao as organizacoes politicas, aquelas que tinham como eixo o combate a discriminacao e do racismo existente em varios setores da sociedade. Felizmente a compreensao hoje e muito mais ampla, pois entendemos que cultura, estetica e politica e parte integrante da luta contra a discriminacao e desigualdades de genero e racial.

Vale destacar a fundacao do bloco afro Ile Aye, que surgiu em 1974, em Salvador- Ba. A importancia do Ile esta principalmente relacionada a proposicao de uma maior aproximacao historica, estetica e politica com os paises africanos, notadamente, aqueles de lingua portuguesa. Alem disso, o Ile propos uma verdadeira revolucao estetica, ao transformar os cabelos crespos, antes alisados, em simbolo de afirmacao identitaria negra.

Santos (2007) observa que

[...] o revigoramento dos Movimentos Sociais Negros, por meio do surgimento do MNU em 1978, bem como com o processo de redemocratizacao do pais nos anos oitenta do seculo passado, surgem condicoes sociais para o florescimento de uma geracao de intelectuais negros oriundos tambem dos Movimentos Sociais Negros. (ibid., p. 230).

Alem da atuacao dos movimentos negros e do aumento e da divulgacao de dados de pesquisas sobre o tema, Silverio (2002) acrescenta dois fatores importantes: o surgimento de varios conselhos estaduais e municipais e o reconhecimento da discriminacao racial e do racismo, com a implantacao do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), por meio de decreto.

Eu acrescento uma quarta fase, iniciada em 2002 ate os dias atuais, 30 anos apos a constituicao de 1988. O ano de 2002 e quando duas universidades publicas estaduais, a Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), implementam acoes afirmativas, atraves da reserva de vagas para alunos negros, oriundos de camadas populares, o que possibilitou a ampliacao do numero de estudantes negros nas universidades e, consequentemente, uma maior e melhor oportunidade para insercao no mercado de trabalho. Alem disso, o debate sobre as desigualdades raciais foi ampliado para diferentes setores da sociedade, deixando de estar presente somente no discurso de ativistas, ainda que nao tenha sido assumido por nenhum partido politico que atue especificamente em prol da populacao negra. Eu diria que o proprio conceito de ativismo foi ampliando. Assim como constatamos, de forma crescente, o alargamento do debate sobre o feminismo negro e sobre o...

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