A Politização da pesquisa como garantia de efetividade do Direito

AutorJosé Eduardo Elias Romão
CargoMestrando em Direito e Estado pela Faculdade de Direito da UnB e Subcoordenador do Projeto Pólos Reprodutores de Cidadania da Faculdade de Direito da UFMG.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e os pés

E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la

E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Fernando Pessoa

1. Introdução

Pensar uma pesquisa, tanto quanto uma flor, é também vê-la e cheirá-la. Sobretudo, se se trata de pensar uma pesquisa tendo em vista a produção de conhecimento vinculada à efetividade do Direito.

Esse é o argumento central do ensaio que aqui se apresenta à reflexão crítica de todos os interessados no exercício da pesquisa social aplicada; sem qualquer pretensão de oferecer fundamentos ou sentidos àqueles que pretendem adentrar pelos caminhos (in)certos da pesquisa científica. Pretende-se tão somente, com estas linhas, destacar - e acentuar - a responsabilidade política do pesquisador que se propõe a produzir conhecimento socialmente relevante, isto é, conhecimento dotado de historicidade e destinado tanto à regulação como, principalmente, à emancipação dos sujeitos em sociedade.

Vale aclarar, assim de imediato, que a definição de politização que está no cerne deste trabalho recebe, nas palavras de Boaventura SANTOS, a seguinte descrição: trata-se do estabelecimento coletivo de formas práticas de transformar o poder em relações de autoridade partilhada1.

Portanto, politização da pesquisa em Direito - a que se refere o título deste trabalho - significa tanto o estabelecimento de processos descentralizados de produção de conhecimento pelos quais os sujeitos de direitos possam participar em condições de discutir a relevância do "saber jurídico produzido" quanto a socialização, democraticamente organizada, do poder de conhecer.2

Assim, com a licença do Poeta, pode-se afirmar que pensar uma pesquisa é vê-la e cheirá-la. Urge pensar, produzir conhecimento, com contornos de realidade, de materialidade; mais até, em se tratando de Direito, é necessário que as pesquisas tenham a ambição de virem a se tornar parâmetros de realização normativa e quiçá de políticas públicas de concreção dos direitos humanos.

Vê-la e cheirá-la, é, ao mesmo tempo, fazer da busca do conhecimento científico um caminho repleto de significações sociais e políticas, capazes de oferecer conteúdo e consistência a determinadas ações transformadoras, a atitudes pessoais. Pois, há tempos está afastado o engodo da neutralidade científica; antes mesmo de Karl MARX expressamente anunciá-lo, a lei ateniense não permitia que um cidadão permanecesse neutro, punindo com a perda da cidadania aqueles que não quisessem tomar posição diante das disputas travadas.

Mas, para que o presente trabalho não se constitua (apenas) num manifesto pela politização da produção científica do Direito e nem se restrinja a palavras de ordem lançadas contra a ditadura da dogmática jurídico-tacanha, passa-se abaixo a tecer considerações sobre a procedência do argumento introduzido bem como sobre a re-significação das expressões que o caracterizam.

2. Considerações Significantes

Qualquer ensaio que se preste à defesa da articulação entre Ciência e Política, ou esmo da indissociabilidade entre uma e outra, deve desenvolver-se, ao menos em princípio, na interlocução com Max WEBER. Pois foi esse o autor que mais propriamente postulou a incompatibilidade entre certa vocação para ciência e determinada vocação para a política: no início de seu célebre discurso3 pronunciado na Universidade de Munique, em 1918, WEBER adverte que "esta conferência irá necessariamente decepcionar, sob vários aspectos. Esperais, naturalmente, que eu tome uma posição em relação aos problemas concretos do mundo. (...) hoje, todas as questões relacionadas com a diretriz e o conteúdo que devemos dar à nossa atividade política devem ser eliminadas (...)"4.

Embora o presente trabalho tenha por finalidade demonstrar a necessidade da politização da pesquisa como garantia de efetividade do Direito, não será necessário lançá-lo em oposição a WEBER. Por dois motivos: primeiro porque tal empreitada exigiria uma argumentação muito mais extensa e consistente do que esta; e segundo, o tempo que separa as considerações de WEBER destas outras, que se vai alinhavando, é suficientemente grande para tornar qualquer debate impraticável.

Aliás, interessa aqui salientar esse segundo motivo ou essa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT