Petição Inicial

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas401-479

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32 Petição inicial
32. 1 Breves considerações

Toda pretensão a uma tutela jurisdicional deve ser manifestada conforme dispõe o diploma normativo regulador. Inúmeras razões justificam estabelecer uma forma especial; entre elas, podemos citar a segurança jurídica.

Surge, neste momento, a necessidade de aclarar o significado de duas expressões: petição inicial e demanda. A palavra demanda tem raízes latinas (demandare), representando o ato pelo qual se entrega a um órgão ou pessoa a solução ou esclarecimento de um direito. Já petição inicial é o instrumento apto a inaugurar esse conhecimento, ou seja, o instrumento legítimo para levar determinados interesses à apreciação do Estado-Juiz. Inicial é adjetivo empregado à palavra petição, a fim de designar uma espécie de petição, qual seja, aquela que inicia a atividade jurisdicional (provoca a Justiça). Durante o ‘iter’ processual podem surgir inúmeras petições, inclusive outras iniciais (ação cautelar, p. ex.).

O ordenamento jurídico define os requisitos da petição que inaugura a atividade jurisdicional, tal como a forma de exteriorização e conteúdo. A demanda por ato de improbidade administrativa não é diferente, encontrando-se formalmente regulada pela legislação processual. A petição que busca inaugurar a atividade jurisdicional com base em ato de improbidade administrativa deve obedecer aos requisitos estabelecidos no Código de Processo Civil e na própria Lei de Improbidade Administrativa. Possui, portanto, requisitos gerais e especiais. Isso significa que não basta analisar a petição inicial à luz do Código de Processo Civil, mas imprescindível fazê-lo levando em conta também a Lei nº 8.429/92.

São requisitos gerais (CPC, arts. 319 e 320):

- Forma escrita. As sanções previstas na LIA só podem ser buscadas pela forma escrita (datilografado ou manuscrito).

- Firma do legitimado ad causam. A petição inicial deve ser assinada. Indicação do juízo ao qual é dirigida. No cabeçalho da inicial deverá constar a autoridade judiciária a quem, segundo as regras de competência, cumpre apreciar a demanda.

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- Qualificação das partes. Deve identificar claramente quem é o autor, descrevendo o seu nome, registro no cadastro de pessoas físicas e no registro geral de identidade, profissão, estado civil e domicílio. Enfim, deverá individualizá-lo dentre todas as outras pessoas. O mesmo com relação ao réu.

- Fato e fundamento jurídico. Deverá o autor descrever na inicial a situação de fato que originou a sua pretensão buscada. É a narrativa dos fatos (fatos jurídicos)485. Posteriormente, será necessário demonstrar que o ordenamento jurídico tutela essa pretensão.

- Pedido. É preciso, no pedido, o autor especificar o provimento jurisdicional que ele espera com relação ao bem da vida pretendido. O pedido delimitará, também, a atividade jurisdicional.

- Valor da causa. Toda ação tem um valor (CPC, arts. 291 e 292). Não sendo possível conhecê-lo no momento da formalização da petição inicial, deverá o autor indicar um valor estimado.

- Indicar os meios de prova. Deverá constar na inicial quais provas o autor utilizará para comprovar os fatos alegados.

- Requerimento de citação. Atualmente o novo CPC não prevê esse elemento com requisito essencial. Contudo, é importante constar o requerimento de citação identificando a forma como ela se dará, em especial quando, justificadamente, não puder seguir a regra geral (CPC, art. 246 e art. 247, V).

- Documentos indispensáveis. São documentos que a lei exige como forma de inaugurar a tutela jurisdicional e os necessários para a solução do litígio. Não estando na posse do autor, este deverá solicitar que o requerido ou terceiros os exibam (CPC, art. 396).

São requisitos especiais (LIA, art. 17):

- Intimação obrigatória. Sendo proposta pelo Ministério Público, deverá constar, obrigatoriamente, pedido de intimação da entidade prejudicada pelo ilícito (LIA, art. 17 § 3º). Porém, sendo proposta pela pessoa jurídica interessada, deverá conter pedido de intimação do Ministério Público para intervir como fiscal da lei, sob pena de nulidade (LIA, art. 17 § 4º).

- Demonstração de indícios. Diferentemente do que a regra do CPC determina, a LIA exige, não aqueles documentos obrigatórios mencionados pelo diploma processual em seu art. 320, mas documentos ou justificação sobre a existência do ato de improbidade administrativa. Não sendo isso possível, deve o autor apresentar razões fundamentadas da impossibilidade dessa apresentação, sob pena de inépcia da inicial (LIA, art. 17 § 6º).

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- Pedido de notificação. Além do pedido de citação, a inicial deverá trazer pedido anterior de notificação do requerido para que se instaure a fase preliminar prevista no § 7º do art. 17 da LIA.

- Indicação da entidade lesada. É obrigatória a indicação, já na inicial, da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito e que se favorecerá com a sentença (no caso de perda de bens, valores e ressarcimento). Muito embora o art. 18 da LIA seja cogente ao determinar que isso ocorra, deve o autor requerer, expressamente, o ressarcimento e a perda dos bens ou valores, indicando a pessoa jurídica beneficiária da decisão.

- Pedido de tutela antecipada. O autor não pode requerer antecipação dos efeitos das sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos (LIA, art. 20). Vale dizer, não pode requerer o afastamento permanente do agente público ou sem prazo certo para seu regresso, bem como requerer a incidência antecipada de eventual inelegibilidade. Essa é uma vedação expressa. Contudo, defendemos que nenhuma sanção punitiva pode ser antecipada, sob pena de ferir o princípio da presunção de inocência. Não estamos diante de um requisito formal-especial da petição inicial, mas de uma regra especial. A existência ou não do pedido não tornará a inicial inepta. Entretanto, achamos por bem fazer a advertência neste momento.

32. 2 Endereçamento: a competência

O correto endereçamento é de suma importância ao se provocar a atividade jurisdicional. Isso porque a Constituição Federal assegura que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (CF, art. 5º, LIII). E autoridade competente não é aquela que a parte escolhe, mas aquela que o Estado estabelece como tal. A Constituição também veda a criação de juízo ou tribunal de exceção. Ou seja, é impossível criar um juízo ou tribunal para analisar questão específica, pois eles já devem estar previstos pela ordem jurídica, abstratamente, como competentes. Não haverá juiz especial ou extraordinário para determinada causa, muito menos se admitirá a atribuição de competência posteriormente ao fato desencadeador do conflito. Exige, nosso sistema constitucional, que a competência seja prevista abstratamente, de maneira impessoal, isto é, objetiva e, consequentemente, imparcial. É um dever imposto ao poder constituído para preservar o juiz natural.

A demanda só pode ser apreciada pelo sujeito investido de jurisdição. No entanto, embora investido de jurisdição, pode ser que a sua competência seja afastada em razão da especialidade da matéria, da pessoa envolvida ou do pedido formulado. Dizemos então competência ratione materiae, ratione personae e ratione petitum. Nas palavras de Moacyr Amaral Santos, “um juiz é competente quando, no âmbito de suas atribuições, tem poderes jurisdicionais sobre determinada causa”486.

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A competência é delineada pela Constituição Federal e pelas leis ordinárias, complementares e de organização judiciária. Destacamos algumas competências para análise.

32.2. 1 Competência em razão da matéria: atos de improbidade administrativa

Não existe previsão expressa, em nossa Constituição Federal, com relação à distribuição de competência em razão de atos de improbidade administrativa. Contudo, algumas conclusões podem ser extraídas do Texto Maior.

A Constituição Federal...

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