Petição Inicial: Narrativas, Realidade e Consequências

AutorFábio Rodrigues Gomes
Páginas143-157
PETIÇÃO INICIAL: NARRATIVAS, REALIDADE E CONSEQUÊNCIAS
Fábio Rodrigues Gomes(1)
(1) Juiz Titular da 41ª VT/RJ, Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ, Professor Adjunto de Direito Processual do Trabalho e Prática
Jurídica da UERJ e Coordenador Pedagógico da EJUTRA.
(2) Cf., por todos, SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 503-505.
(3) Por exemplo, o art. 321 do CPC que impõe ao juiz de direito o dever de conceder prazo para emendar a inicial e, não satisfeito, o de-
ver de indicar com precisão o que deve ser corrigido ou complementado (criando a carinhosa figura da “babá processual”). Mais à frente
retornarei a este ponto.
(4) A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5. ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1998.
(5) POPPER, Karl. Os dois problemas fundamentais da teoria do conhecimento. Trad. Antonio Ianni Segatto. 1. ed. São Paulo: Ed. Unesp, 2013.
(6) “Lawyers are storytellers” (tradução livre). Cf. MEYER. Philip N. Storytelling for lawyers. New York: Oxford University Press, 2014, p. 3.
Nota do autor: como se trata de um e-book, a numeração das páginas não corresponde exatamente ao similar em papel.
1. Introdução
Petição inicial, peça de ingresso ou peça exordial. Es-
tes são alguns dos nomes dados ao primeiro de muitos
outros atos sequenciais que constituirão o processo(2). Tra-
ta-se do “exórdio” ou do início do discurso jurídico. É a
partir deste começo, deste ato de comunicação originário,
que se estabelece a demanda, retira-se o Poder Judiciário
da sua inércia institucional e deflagra-se a movimentação de
todo o maquinário estatal em busca de uma solução para o
problema que lhe é apresentado. Afinal de contas, se não
foi possível a composição autônoma dos interesses em con-
flito e os meios alternativos não foram utilizados ou, se o
foram, não se mostraram suficientes, só resta aos litigantes
recorrerem ao processo judicial, a fim de darem um ponto
final ao imbróglio antes de se voltarem para as vias de fato.
No processo comum, a verbalização das pretensões
em juízo vinha cercada de cuidados formais, mas estas exi-
gências foram bastante abrandadas com o novo Código de
Processo Civil e as suas generosas brechas para que o erro,
o lapso ou a má redação pudessem ser corrigidos nos mes-
mos autos(3). Entretanto, na esfera processual trabalhista,
parece que as coisas caminharam no sentido contrário.
De fato, a combinação de alguns fragmentos do novo
CPC com a Lei n. 13.467/2017 transformaram o proces-
so do trabalho de maneira paradigmática. Parafraseando
Thomas Kuhn, na medida em que as anomalias criadas
pelas clássicas teorias vão se acumulando e diante de sua
incapacidade de lidar com fenômenos ocorridos nas suas
entranhas, aduba-se o terreno para o surgimento das
mais variadas crises e de novas ideias para resolvê-las(4). Es-
tas revoluções científicas não acontecem vagarosamente, a
passo de tartaruga. Elas vêm num rompante, influenciadas
pelos contextos sociais, históricos e psicológicos do obser-
vador e levam de uma só vez toda a velha estrutura teóri-
ca carcomida, a qual apenas aparentemente se mantinha
de pé. E foi precisamente isto o que se deu com o direito
processual do trabalho.
Novos conceitos, novos procedimentos e novas cren-
ças permeiam um renovado processo do trabalho. As re-
sistências a esta ruptura são previsíveis, e é bom que assim
o sejam, pois nem sempre a novidade é para melhor. É
importante questioná-la, criticá-la e, principalmente, testá-
-la na prática e monitorar as suas consequências. Sem isso,
torna-se impossível o falseamento de suas hipóteses ou a
contraposição racional de suas novas premissas, restando
ao amante da velha teoria o choro e o ranger de dentes tí-
picos da emoção à flor da pela, instintiva, mas desprovida
de uma mínima dose de razão(5).
Portanto, será neste contexto de virada de página es-
trutural, conceitual e sentimental do processo do trabalho
que falarei um pouco sobre a petição inicial. Como ela era
antes e como ela deve ser interpretada depois do advento
das mudanças implantadas pelo novo CPC, devidamente
turbinadas pela Reforma Trabalhista.
E nada é mais apropriado do que analisar este refres-
cado marco teórico pelo seu ato de início, pela forma de
ingresso de sua primeira manifestação discursiva, pela au-
tópsia de sua exordial.
2. Era Uma Vez: O Storytelling no Processo
do Trabalho
2.1. “Advogados são contadores de histórias”(6). Esta é
uma das realidades da vida processual que raros teóricos
Livro Paulo Renato.indb 143 10/10/2018 11:03:00

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