Petrobras: monopólio estatal e política concorrencial

AutorGilberto Bercovici
Páginas195-213
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PETROBRAS: MONOPÓLIO ESTATAL
E POLÍTICA CONCORRENCIAL*
1. A FORMAÇÃO DO MERCADO DE COMBUSTÍVEIS
NO BRASIL
A atenção para os recursos minerais brasileiros vai ser obtida apenas
com a Primeira Guerra Mundial, seja pelos problemas de abastecimento
e consequente elevação dos preços, especialmente de carvão, aço e com-
bustíveis, durante o conflito, seja pelo receio de que as riquezas do país
pudessem ser alvo da cobiça de nações ou grupos econômicos estrangei-
ros, muitos dos quais, inclusive, começavam a se instalar no país.
A comercialização dos combustíveis no Brasil, no entanto, era
controlada por cinco subsidiárias de grandes companhias estrangeiras
(Standard Oil de New Jersey, Anglo-American vinculada à Royal Dutch
Shell, Atlantic Refining Company, Texas Company e Caloric Company).1 O
* Este texto foi publicado na Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico, Vol. 5, 2014,
pp. 135-148 e no livro de DREXL, Josef & BAGNOLI Vicente, (orgs.). State-Initiated
Restraints of Competition. Cheltenham/Northampton: Edward Elgar, 2015. pp. 40-54.
1 As famosas “Sete Irmãs” do petróleo são: Standard Oil of New Jersey (depois Exxon),
Royal Dutch-Shell, Anglo-Iranian Oil Company (depois British Petroleum), Texaco, Socony-
Mobil Oil, Gulf Oil, SOCAL Standard Oil of California. As empresas Gulf, SOCAL e
Texaco se fundiram para criar a Chevron. Às vezes, inclui-se uma oitava irmã: a Compagnie
Française des Pétroles (CFP). Sobre as origens das “Sete Irmãs”, das quais três são oriundas
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GILBERTO BERCOVICI
combustível era importado das refinarias norte-americanas e inglesas,
situadas no Golfo do México ou em Aruba, nas Antilhas Holandesas.
Os elevados preços e as vantagens tarifárias e cambiais obtidas pelas dis-
tribuidoras geraram vários conflitos na década de 1930.2
O peso do petróleo e derivados sobre a pauta de importações
brasileira, em tempos tumultuados que antecediam a eclosão de mais
uma guerra mundial, adquire grande importância. Tratar de petróleo
não dizia respeito apenas ao equilíbrio da balança comercial, mas também
à dependência nacional em relação ao suprimento de produtos básicos
para o processo de industrialização, para o sistema de transportes e co-
municações e para a própria defesa do país. É neste contexto que os
militares passam, também, a se preocupar com a questão petrolífera,
chamando a atenção para a importância estratégica do petróleo e para a
vulnerabilidade em que se encontrava o Brasil, totalmente dependente
do fornecimento externo de combustíveis.3
O Decreto-Lei n. 395, de 29 de abril de 1938, declarou de utili-
dade pública o abastecimento nacional de petróleo, o que incluía a
produção, importação, exportação, o transporte (inclusive a construção
de oleodutos), a distribuição e o comércio do petróleo e derivados, bem
como a refinação do petróleo, qualquer que fosse a sua procedência
(artigo 1º). A União teria a competência exclusiva para atuar neste setor
(artigo 2º), cujo órgão responsável pela política petrolífera seria o Conse-
lho Nacional do Petróleo (CNP), vinculado diretamente à Presidência
da antiga Standard Oil, fundada em 1870 por John D. Rockfeller, Vide SAMPSON,
Anthony. The Seven Sisters: The Great Oil Companies and the World They Shaped.
New York: Bantam Books, 1976. pp. 21-69.
2 WIRTH, John D. A Política do Desenvolvimento na Era de Vargas. Rio de Janeiro: Fun-
dação Getúlio Vargas, 1973. pp. 116-118 e MARTINS, Luciano. Pouvoir et Développement
Économique: Formation et Évolution des Structures Politiques au Brésil. Paris: Éditions
Anthropos, 1976. pp. 284-285.
3 COHN, Gabriel. Petróleo e Nacionalismo. São Paulo: Difel, 1968. pp. 41-44 e 46-48;
WIRTH, John D. A Política do Desenvolvimento na Era de Vargas. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1973. pp. 115-116 e 123-125 e WIRTH, John D. “Setting
the Brazilian Agenda, 1936-1953” In: WIRTH, John D. (org.). Latin American Oil
Companies and the Politics of Energy. Lincoln/London: University of Nebraska Press,
1985. pp. 110-113.

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