Pierre Bourdieu, Edmond Goblot e a educação burguesa

AutorJuarez L. de Carvalho Filho
CargoDoutor em Sciences Sociales et Économiques pelo Institut Catholique de Paris
Páginas180-199
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n31p180
180 180 – 199
Pierre Bourdieu, Edmond Goblot
e a educação burguesa
Juarez L. de Carvalho Filho1
Resumo
Este artigo propõe uma discussão sobre duas obras clássicas da sociologia contemporânea:
A Barreira e o Nível: estudo sociológico sobre a burguesia francesa moderna (1925), de Edmond
Goblot (1858-1935) e A Distinção: crítica social do julgamento (1979), de Pierre Bourdieu (1930-
2002), que contribuíram na França na elaboração de um quadro analítico para uma sociologia
disposicional da burguesia e de uma sociologia da educação e da cultura, nos estudos da classe
dirigente e o poder. Goblot coloca, antes de Bourdieu, os fundamentos de uma sociológica da
distinção social. Se distanciando da concepção materialista de classes sociais, inaugura uma
perspectiva cultural descrevendo etnograf‌icamente os costumes da burguesia francesa. Bourdieu
nessa perspectiva, mas de maneira mais sof‌isticada do ponto de vista do método, da análise
sociológica e mobilizando campos próximos das ciências sociais (psicanálise, linguística, analise
de correspondência...) rompe com os substancialismos de classe e a naturalização do habitus e
os estilos de vida socialmente distintos. A lógica social da distinção não está nos critérios quanti-
tativos (patrimônio), mas nas propriedades qualitativas (capital cultural, simbólico...) partilhadas
por aqueles que são membros de um mesmo grupo social. Este artigo objetiva, além de identif‌icar
as af‌inidades destes dois trabalhos, demonstrar suas contribuições para a sociologia da educação
e da cultura, notadamente para as pesquisas sobre as escolas da classe dirigente no Brasil.
Palavras-chave: Classe social. Distinção. Habitus. Sociologia da burguesia. Sociologia da educação.
1 Introdução
O presente artigo propõe um paralelo entre duas obras doravante clássicas
da sociologia contemporânea que contribuíram para lançar as bases episte-
mológicas de uma sociologia disposicional da burguesia, da educação e da
cultura, a saber: A Barreira e o Nível: estudo sociológico sobre a burguesia francesa
moderna (1925), de Edmond Goblot (1858-1935) e A Distinção: crítica social
do julgamento (1979), de Pierre Bourdieu (1930-2002).
Em A Barreira e o Nível, Goblot coloca, antes de Bourdieu, os funda-
mentos de uma teoria sociológica da distinção social. Se distanciando de uma
1 Doutor em Sciences Sociales et Économiques pelo Institut Catholique de Paris. Professor adjunto III da Univer-
sidade Federal do Maranhão e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 14 - Nº 31 - Set./Dez. de 2015
181180 – 199
análise materialista das classes sociais, uma tônica da época, ele lança luzes
numa perspectiva cultural descrevendo de modo etnográco os costumes da
burguesia francesa moderna, mundo que ele conhece do interior, onde ele
mesmo se inscreve socialmente. Contemporâneo de Henri Bergson e de Émile
Durkheim na École normale supérieure, Edmond Goblot, lósofo da Lógi-
ca, não desfruta do mesmo prestígio intelectual dos seus contemporâneos,
porém, tornou-se um autor de referência no campo da Lógica e de Filosoa
das Ciências. A Barreira e o Nível inuenciou fortemente os contemporâ-
neos do seu autor. Hoje, Goblot é considerado um precursor dos trabalhos de
Bourdieu sobre a distinção (LALLEMENT, 2015, p. 282). A Distinção gura
como uma obra carrefour da sociologia de Bourdieu, segundo Fréderic Le-
baron, considerado “O Capital de Pierre Bourdieu”. Para Lebaron, o sucesso
d’A Distinção (resultado de um conjunto de pesquisas dele e de seu grupo de
trabalho, obra mais lida, mais citada) se deve ao fato de ter suscitado “efeito
de revelação próximo da psicanálise, uma espécie de “retorno ao recalque so-
cial”. Para Lebaron A Distinção aparece como uma obra carrefour, no sentido
de que ela articula ao mesmo tempo de maneira original a objetividade de
regularidades estatísticas, representações com o auxílio do método de analise
de dados, observação “qualitativa” e, mais precisamente “discursiva” e “icono-
gráca” da onipresença dos determinantes sociais, a sócio-análise dos sistemas
de classicação e, enm, a “crítica” sociológica daquilo que Bourdieu chamou
de postura escolástica (LEBARON, 2012, p. 155-156). Muito evidentemente
reside nestes elementos a originalidade d’A Distinção em relação à Barreira
e o Nível de Goblot. Enquanto a obra de Goblot se caracteriza mais como
um estudo descritivo de estilo etnográco, a de Bourdieu se apresenta com
um estudo analítico dos mais sosticados, mobilizando ferramentas teóricas e
epistemológicas e propondo uma unidade das ciências sociais (antropologia,
psicanálise, linguística, estatística). É comum se armar que Bourdieu teria
se negado a citar Goblot. Esta armação não procede, uma vez que Bourdieu
não somente tinha conhecimento da obra de Goblot, como o cita em um dos
primeiros textos sobre a noção de classe social: Condition de classe et position
de classe (2005, p. 9).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT