Pioneirismo feminino na faculdade de direito do recife: as primeiras bacharelas em direito do Brasil

AutorHumberto João Carneiro Filho, Manoela Antunes Chagas de Souza, Elizabeth da Silva Guimarães
CargoProfessor do Departamento de Teoria Geral do Direito e Direito Privado. Coordenador do Projeto Memória Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife/Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Pernambuco (CAC/UFPE). Extensionista do Projeto Memória Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife/Graduanda em Direito pela Faculdade de ...
Páginas145-167
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Re cife
Vol.93 N.02 - Anno CXXX
CARNEIRO FILHO, Hu mberto Jo ão; CHA GAS DE SOU ZA , Manoela An tunes ; GUIMARÃES, Eli zabeth da Silva.
PIONEIRISMO FEMININ O NA FACUL DADE DE DIREITO DO RECIFE: AS PRIMEIRA S BACHARE LAS EM DIREITO DO
BRASIL. R evista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2 448-2307, v. 93, n.2, p. 145-167 Out. 2021. ISSN 244 8-
2307 . Dispo nível em: htt ps://periodicos .ufpe.br/revistas/ ACADEMICA/art icle/view/24 9541>
145
PIONEIRISMO FEMININO NA FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE:
AS PRIMEIRAS BACHARELAS EM DIREITO DO BRASIL
FEMALE PIONEERING AT THE FACULTY OF LAW OF RECIFE: THE FIRST
WOMEN TO GRADUATE IN LAW IN BRAZIL
Humberto João Carneiro Filho1
Manoela Antunes Chagas de Souza2
Elizabeth da Silva Guimarães3
RESUMO
Este artigo propõe um resgate histórico da presença feminina no ensino superior brasileiro,
com ênfase nas primeiras bacharelas da Faculdade de Direito do Recife. Analisa a contribuição de
Tobias Barreto d e Menezes na defesa da emancipação feminina através da educação, quando foi
parlamentar na Assembleia Provincial de Pernambuco. Ainda, busca conhecer as trajetórias
estudantil e profissional d as primeiras mulheres formadas na Faculdad e de Direito do Recife e
identificar possíveis contribuições suas no contexto social da época em que viveram. Para t anto,
adota como metodologia a pesquisa exploratória a partir d a revisão do trabalho historiográfico de
Gláucio Veiga, com o cotejo d o acervo disponível no Arquivo da Faculdade de Direito do Recife
e no acervo hemerográfico da época. Verifica que conquanto as quatro discentes pioneiras no
ensino jurídico brasileiro serem destacadas por seus méritos acadêmicos, não se efetivaram no
exercício da profissão, dentre outras razões, pela resistência d a sociedade d a época em admitir
mulheres em ambientes de atuação profissional. Ainda assim, e de alguma forma em resposta a
isto, algumas delas se fizeram ouvir através da imprensa da época, em defesa da maior participação
das mulheres na vida política, social e cultural.
Palavras-chaves: Educação da mulher. Ensino Superior. Direito. Escola do Recife.
ABSTRACT
This article presents a historical review of the female representation in Brazilian higher
education, with an emphasis on the trajectory of the f irst women to obtain a law degree at the
Faculty of Law of Recife. It analyzes the contribution of Tobias Barreto de Menezes in defense of
the women’s emancipation through ed ucation when he was a parliamentarian in the Provincial
Assembly of Pernambuco. It also seeks to know the educational and professional t rajectories of
the first women graduated at the Faculty of Law of Recife and to identify possible contributions
of their own in the social context of the time in which they lived. Therefore, it adopts an exploratory
research as a methodology based on the review of the historiographic work of Gláucio Veiga,
through the collection available in the Archives of the Faculty of Law of Recife and in the
hemerographic collection of the time. It verifies that while the four pioneer students in Brazilian
legal education are highlighted for their academic merits, they were not effective in the profession,
among other reasons, due to the resistance of the society of the time in admitting women in
professional environments. Still, and somehow in response to this, some of them made themselves
1 Professor d o Departam ento de Teoria Geral d o Direito e Direito Priva do. Coordena dor do Projeto Me mória
Acadê mica da Faculda de de Direito d o Recife.
2 Gradua da em Biblioteconom ia pela Universidade Fed eral de Pernam buco (CAC/UFPE). Exten sionista do Projeto
Memó ria Acadêm ica da Faculda de de Direito do Recife.
3 Gradua nda em Direito pela Facu lda de de Direito do Recife d a Universidade Federa l de Pernam buco (FDR/UFPE).
Extension ista do Projet o Memória Acadêm ica da Faculda de de Direito d o Recife.
Recebimento em 09/02/2021
Aceito em 09/09/2021
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Re cife
Vol.93 N.02 - Anno CXXX
CARNEIRO FILHO, Hu mberto Jo ão; CHA GAS DE SOU ZA , Manoela An tunes ; GUIMARÃES, Eli zabeth da Silva.
PIONEIRISMO FEMININ O NA FACUL DADE DE DIREITO DO RECIFE: AS PRIMEIRA S BACHARE LAS EM DIREITO DO
BRASIL. R evista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2 448-2307, v. 93, n.2, p. 145-167 Out. 2021. ISSN 244 8-
2307 . Dispo nível em: htt ps://periodicos .ufpe.br/revistas/ ACADEMICA/art icle/view/24 9541>
146
heard through the press of the time, in defense of the greater participation of women in political,
social and cultural life.
Keywords: Women Education. Higher Education. Law. School of Recife.
1 INTRODUÇÃO
As aspirações brasileiras para fundação de um estabelecimento de ensino superior no Brasil
remontam aos tempos coloniais (BEVILÁQUA, 2012). Diversamente da experiência na América
Espanhola que possuía numerosas instituições de formação superior desde 1538 o Brasil apenas
contou com os seus primeiros cursos superiores a partir de 1808, no contexto das iniciativas de
promoção cultural empreendidas por Dom João IV, transferida que fora a sede do pod er
metropolitano para o Rio de Janeiro. Isto denota que não parecia interessante a Portugal estimular
o desenvolvimento do ensino superior em terras brasileiras (CUNHA, 2007; CARVALHO, 2008).
Os cursos de ciências sociais e de ensino jurídico não foram contemplados no processo de
mudança cultural empreendido no início do século XIX. Toda a gama d e profissionais e
intelectuais com formação jurídica continuava a advir da Europa em especial de Portugal ,
assumindo ativa participação na vida política brasileira mesmo após a independência ocorrida em
1822, como frisado por Carvalho (2008), ao destacar que até 1850 a maioria dos membros d a elite
brasileira ainda se compunha de pessoas formadas na Universidade de Coimbra.
Tal cenário, no entanto, tornou-se insustentável em um Brasil pós-independência, no qual
a ereção de uma escola de direito formalmente autônoma daquela portuguesa e centrada no
ordenamento jurídico pátrio corresponderia à imperiosa necessidade do país de estruturar sua
própria elite administrativa, conhecedora das especificidades jurídicas e burocráticas atinentes ao
estado recém-emancipado, embora substancialmente não tão distante dos paradigmas europeus.
Assim, na Assembleia Geral Constituinte e Legislativa de 1823, após a instauração do
Império no Brasil, surgiram debates a respeito da criação das primeiras universidades. Em 19 de
agosto de 1823, foi apresentado um projeto e aprovado com emenda de Araújo Lima, visando ao
estabelecimento de duas universidades: uma em São Paulo e outra em Olinda, e nelas os cursos
jurídicos. Tal iniciativa, entretanto, não prosperou em razão da dissolução da Assembleia
Constituinte por Dom Pedro I em novembro de 1823.
Em 9 de janeiro de 1825, porém, foi publicado um decreto que criava provisoriamente um
curso jurídico com sede na Corte do Rio de Janeiro, com estatutos forjados pelo Visconde de
Cachoeira e inspirados nos então vigentes na Universidade de Coimbra, frutos das reformas
pombalinas dos estudos universitários4.
Conquanto houvesse um grande empenho para instalar tal curso, a d ecisão de ond e seria
definitivamente alojado só foi tomada em 5 de julho de 1826, quando na discussão da matéria pelo
corpo legislativo prevaleceu a ideia de se criarem não um, mas dois cursos jurídicos: um ao Norte,
na cidad e de Olinda, e outro ao Sul, em São Paulo (BEVILÁQUA, 2012). Finalmente em 1827,
após votação e aprovação da proposta pela Assembleia Geral, o Imperador D. Ped ro I sancionou
em 11 de agosto a lei que criou “os dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na cidade de S.
Paulo e outro na de Olinda (BRASIL, 1827).
Ambas as faculdades são até hoje reconhecidas não apenas pelas contribuições ao d ireito
nacional nos seus mais de 190 anos de existência, mas t ambém por constituírem-se verdadeiros
símbolos culturais da história do Brasil. A Faculdad e de Direito do Recife (FDR) na origem
4 Para uma a preciação pa norâmica destes esta tutos na História do Direito português, cf. Co sta (2019, p. 40 9-416). É
de se destac ar, ainda , quanto aos reflexos das reformas pom balina s na universidade portuguesa, dent re outros trabalhos
recentes, a coletânea de ensaios: Araúj o (2014).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT