O planejamento do serviço público de saneamento básico na Lei n. 11.445/2007 e no decreto n. 7.217/2010

AutorJosé Roberto Pimenta Oliveira
Páginas537-582
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O PLANEJAMENTO DO SERVIÇO
PÚBLICO DE SANEAMENTO BÁSICO
JOSÉ ROBERTO PIMENTA OLIVEIRA
Sumário: Introdução. 1. Planejamento e sua trajetória. 2.
Planejamento na Constituição de 1988. 3. Planejamento como
espécie categorial de processo administrativo. 4. O plano como
norma jurídica. 5. O planejamento na Lei n.11.445/2007. 6. Os
planos de saneamento básico. 7. A Discricionariedade no
planejamento. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como foco a análise do planejamento como
elemento normativo do exercício da função administrativa atinente à
prestação de serviços de saneamento básico no ordenamento brasileiro,
tal como se depreende da Constituição Federal e da legislação nacional
em vigor, com destaque especial para a Lei n. 11.445/2007, que esta-
belece diretrizes nacionais para o setor.
Como pressuposto da análise, torna-se necessário compreender a
temática do planejamento e do plano, sob a ótica jurídica. A técnica do
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planejamento foi edificada e sucessivamente aperfeiçoada no contexto
do intervencionismo estatal do Século XX, mas ainda hoje a sua com-
preensão normativa não está consolidada, no campo do Direito Admi-
nistrativo, exatamente na seara que trata da forma como o Estado se
movimenta para alcançar e concretizar os fins de interesse público pre-
conizados pela Constituição.
Cumpre, assim, em primeira linha, delinear como se realiza a
formalização jurídica da função administrativa de planejamento, com
atenção voltada às limitações aplicáveis ao processo de formação da
vontade estatal, bem como à compostura jurídica da norma resultante
deste processo. À exposição destas premissas conceituais segue a abor-
dagem da existência e demarcação dos elementos e pressupostos de
validade dos planos de saneamento básico, conforme normatização em
vigor.
O saneamento básico constitui serviço público essencial à promo-
ção e realização da dignidade da pessoa humana. O regular planejamen-
to da sua prestação aos usuários, à sociedade brasileira, é missão de um
Estado Democrático, constitucionalmente atrelado a erradicar a pobre-
za, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem comum.
É urgente a necessidade de dar plena efetividade ao dever estatal
na área de saneamento básico. Restringindo-se a dois segmentos rele-
vantes do setor, tem-se que, conforme a Pesquisa Nacional de Sanea-
mento Básico do IBGE, realizada no ano de 2000,1 a existência de rede
de abastecimento e distribuição de água cobria 97,9% dos Municípios
Brasileiros (do total de 5.507). A maior parte dos municípios sem
abastecimento está localizada nas Regiões Norte e Nordeste. A rede
de distribuição de água, conforme a PNSB, atingia apenas 63,9% do
total de domicílios recenseados pelo Censo 2000, havendo enorme
desequilíbrio regional. A pesquisa constatou a enorme deficiência no
serviço de esgotamento sanitário: existia apenas em 52,2% dos muni-
cípios brasileiros.
1 PESQUISA NACIONAL DE SANEAMENTO BÁSICO. Disponível em http://
www.ibge.gov.br. Acesso em 04.01.2010.
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1. PLANEJAMENTO E SUA TRAJETÓRIA
O planejamento das ações humanas é uma exigência que histori-
camente se constrói ao longo da edificação da sociedade moderna, a
partir do Século XVIII. Designativo da ação ou efeito de planejar, o
planejamento foi sendo identificado como uma técnica de administração,
quando se delibera pelo atingimento racional de determinados objetivos,
frente a determinada realidade. Planeja-se porque se pretende, com
racionalidade, transformar certa realidade em função dos fins assinalados.
O planejamento da ação humana é uma via para, na tentativa de superar
o imprevisível ou o desconhecido, levar o homem à realização de de-
terminado propósito, atendendo a certa utilidade.
Como técnica de administração, não é sem razão que a ideia de
planejamento, desde então, colocar-se-ia no centro das atenções da
atividade privada, mormente no campo empresarial. A forma racional
de alocação e organização de fatores de produção é essencial à atividade
capitalista de acumulação de riquezas, porque constitui expediente po-
tencializador de administração de custos e de riscos, e de garantia ou
reforço de lucros. Acabou por representar uma das características essen-
ciais à forma racional de gestão privada. Ao longo dos séculos XIX e
XX, o planejamento na atividade privada se aperfeiçoou e avançou como
técnica indispensável à atividade econômica empresarial.
A Modernidade foi gestada com base nas ideias de racionalidade
e progresso material, inerentes ao modo de estruturação das relações
sociais definitivamente instaurado após as Revoluções Burguesas do
Século XVIII. Naturalmente, enquanto ordenação da forma organiza-
tória da atuação humana em certo domínio, o planejamento avulta na
prática e na teoria para atender a este ideário.
As exigências de planejamento se deslocaram para a esfera públi-
ca quando se passou a exigir uma atuação ativa do Estado no domínio
econômico-social. Em termos de paradigmas, o planejamento estava
ausente na atividade administrativa do Estado Liberal, porque tinha
reduzido aparelho administrativo, os objetivos estatais giravam em tor-
no da defesa dos direitos de vida, liberdade, propriedade e segurança

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