Planejamento tributário no direito brasileiro

AutorPaulo Ayres Barreto
Ocupação do AutorProfessor Associado ao Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Universidade de São Paulo
Páginas155-248
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CAPÍTULO VIII
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NO DIREITO
BRASILEIRO
Planejamento tributário ou elisão tributária são expres-
sões que remetem, nas manifestações da doutrina brasileira,
às mais variadas significações. Nesse aspecto, os operadores
do Direito, no Brasil, enfrentam as mesmas dificuldades iden-
tificadas em outros ordenamentos jurídicos, conforme pude-
mos observar em capítulo anterior.
Faz-se menção à “elisão tributária” usualmente em opo-
sição à “evasão fiscal”, tendo em consideração a licitude da
conduta – o que caracterizaria a conduta meramente elisiva –
ou sua ilicitude, hipótese na qual estaríamos diante de prática
evasiva. Todavia, sequer essa dicotomia é objeto de consenso,
como iremos demonstrar.
Cuidaremos, neste capítulo, de apontar esse problema
semântico e, bem assim, de demonstrar, em breve escorço
histórico, a positivação do tema em nosso ordenamento jurí-
dico para, em seguida, enfrentarmos as questões relativas à
simulação, dissimulação, fraude à lei, abusos de direito e de
forma, ato anormal de gestão e propósito negocial, com foco
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PAULO AYRES BARRETO
no Direito Tributário, com o escopo de identificar os limites
existentes à elisão.
8.1 Acepções da expressão elisão tributária: o proble-
ma semântico
Elisão tributária é expressão utilizada em diferentes
acepções. O mesmo problema ocorre com o seu equivalente
significativo planejamento tributário. Na expressão elisão tri-
butária, o termo inicial já é objeto de controvérsia. Fala-se em
elisão tributária e elusão tributária. Elisão vem de elidir, que
significa retirar, excluir, suprimir.344 Elusão deriva de eludir,
que tem o sentido de evitar (algo) de modo astucioso, com des-
treza ou com artifício.345 Percebe-se, pois, que tanto as ideias
de “supressão, exclusão”, quanto a de “evitação, com destre-
za ou artifício”, permitem uma aproximação com a realidade
que se pretende descrever com a expressão elisão (ou elusão)
tributária.
Brandão Machado defende que “elusão (avoidance) é a
palavra portuguesa adequada para traduzir a ideia de desvio,
fuga, evitação, e que corresponde aos vocábulos, também de
origem latina, que ocorrem nas línguas românicas (francês:
élusion; italiano: elusione; espanhol: elusión)”.346
É de se notar que a menção a “desvio”, “fuga” e mesmo
a “evitação com artifício” denota uma visão negativa do ato,
permeando a ilegalidade, o que, em nosso entendimento, não
ocorreria no campo específico da elisão tributária. A par dis-
so, entre nós, elisão tributária é a expressão mais aceita pela
344.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de
Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p. 1111.
345. Ibidem, p. 1113.
346. MACHADO, Brandão. Nota do tradutor. In: LENZ, Raoul. Elusão fiscal e a
apreciação econômica dos fatos. In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli; MACHADO,
Brandão; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Princípios tributários no direi-
to brasileiro e comparado. Estudos jurídicos em homenagem a Gilberto de Ulhôa Can-
to. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 586.
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PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
LIMITES NORMATIVOS
doutrina, numa visão em que as noções de supressão, exclu-
são – de forma genérica – ou de atuação preventiva de for-
ma a evitar a subsunção tributária, com o escopo de reduzir
o tributo que seria devido ou postergar sua incidência – de
forma mais técnica – decorrem sempre de atos lícitos. Por tais
razões, optamos por adotá-la.347
Como já tivemos a oportunidade de mencionar, sequer a
dicotomia elisão (no campo da licitude) e evasão (na esfera dos
atos ou fatos ilícitos) é integralmente acatada pela doutrina.
Fala-se em “fraude fiscal e evasão lícita”348 ou “elisão lícita e
ilícita”349 ou, ainda, “elisão eficaz (lícita) e ineficaz (ilícita)”.350
Rubens Gomes de Sousa, após dizer que fraude fiscal é
toda ação ou omissão destinada a evitar ou retardar o paga-
mento de um tributo devido, ou a pagar tributo menor que o
devido”,351 aduzia que a evasão também era caracterizada por
uma ação ou omissão de mesma natureza. A diferença é que
a “fraude fiscal constitui infração da lei e, portanto, é punível,
ao passo que a evasão não constitui infração da lei e, portanto,
não é punível”.352
O saudoso professor sequer fazia menção à expressão eli-
são tributária, e sim à evasão fiscal, enquadrando-a no campo
das condutas lícitas. Usava, assim, esta última expressão para
qualificar a situação que hodiernamente é designada por eli-
são tributária.
347.
Sampaio Dória adota também o termo elisão, ressaltando, contudo, tratar-se de
“[...] expressão peregrina que preenche, canhestramente, o vácuo deixado pela defi-
ciência eufônica de substantivos derivados do verbo evitar (salvo evitação ou evita-
mento fiscal...)”. DORIA, Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Lael, 1971. p. 26.
348. Cf. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. 2. ed. Rio de
Janeiro: Financeiras, 1954. p. 99.
349. Cf. HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais
do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 45.
350. Cf. PEREIRA, César Guimarães. Elisão tributária e função administrativa. São
Paulo: Dialética, 2001. p. 213 e ss.
351. SOUSA, Rubens Gomes de. Op. cit., p. 99.
352. Ibidem, p. 99.

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