Plano de demissão voluntária

AutorRicardo Pereira de Freitas Guimarães e Henrique Garbellini Carnio
Páginas162-167

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1. Introdução

A reforma trabalhista, num de seus pontos, pretende resolver um assunto sob o qual durante um bom tempo pairou dissonância doutrinária e jurisprudencial, a saber, a quitação plena dos direitos decorrentes da relação empregatícia firmada em plano de demissão voluntária ou incentivada.

A previsão está contida no art. 477-B que prevê dois requisitos para sua concretização e dispõe sobre a sua possibilidade de ocorrer em dispensas individuais, plúrimas ou coletivas.

Em suma, o sentido de previsão parece ter sido o de resolver as várias discussões quanto aos PDV’s, PDI’s e dispensas coletivas, dando força ao pactuado entre as partes que, caso não desejem a quitação da relação de trabalho, deverão estipular cláusula expressa. Há também uma tentativa de se buscar segurança jurídica — tão almejada e não tanto concretizada pelas reformas legislativas atuais pelas quais temos passado e que tem como exemplo principal o CPC3 — dos negócios jurídicos firmados, com destaque para o distrato e a abertura para a reflexão sobre uma metodologia jurídica que trate do âmbito coletivo na justiça do trabalho, já que as negociações coletivas passam a dispor, pelo texto da lei, de particularidades com maior potencial de normatividade, algo que implica em questões de amplo espectro social e econômico.4

Esse movimento de crença no amadurecimento do respeito a direitos e deveres nas relações empregatícias, imbuído na reforma trabalhista, e que aponta para um dos motivos “nobres” da força dada ao negociado sobre o legislado, precisa ser acompanhada de algo que já deveria há muito figurar com mais efetividade na teoria e prática do direito do trabalho5 que é sua conformação constitucional por meio da interpretação conforme a Constituição.

Assim, a conformação constitucional da aplicação do negociado sobre o legislado dever ser feita sob a perspectiva do art. 7º, XXVI da CF que estabelece o reconhecimento dos acordos e das convenções coletivas de trabalho. Extra-polar essa dimensão é tomar o caminho de um retrocesso em que a segurança jurídica iria sucumbir.

O que se quer dizer com isso é que não se pode desautorizar a vigência da legislação que entrará em vigor sob o pretexto de fazer valer o negociado sobre o legislado. Tanto é verdade que mesmo em se tratando de direito relativo à previsão em cláusula convencional quando sob o pretexto de flexibilizar a legislação trabalhista, importe em supressão de direito assegurado aos trabalhadores por força de expressa disposição legal, este infringe, de maneira clara e inequívoca, o princípio protetor que norteia toda e qualquer relação de emprego, não podendo ter a sua validade reconhecida.

Em nosso país, a articulação entre o legislado e o negociado leva-nos a questionar a respeito da legitimidade dos negociadores e qual seria o direito de oposição individual do trabalhador.

Já é tempo de se verificar a importância gravitacional da Constituição e da interpretação conforme as relações trabalhistas. Deve-se buscar pelo sentido da efetividade normativa e lidar com a questão do negociado e legislado no âmbito exclusivo das negociações coletivas, por força da própria Constituição Federal, comungando esforços de delimitação do espaço de negociação coletiva, preservando primordialmente as normas constitucionais e nessa seara um dos principais campos de atenção é o da dispensa coletiva.

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2. O instituto

O plano de demissão voluntária (PDV) é um instituto jurídico que pode ser utilizado por empresas estatais6 ou privadas que tem como objetivo o enxugamento do quadro de empregados, visando otimização de custos, racionalização na gestão de pessoas e criação de uma possível atratividade negocial para a empresa.

Em regra, o PDV é estruturado — e muito aderido — em momentos de instabilidade financeira empresarial e recessão econômica, como no caso do Brasil, no qual, nos últimos três anos, muitas empresas aderiram ao instituto, como já havia acontecido na década de 1990, quando o plano realmente ganhou força em nosso país.

A perspectiva diferenciada que os PDV’s trazem é a de o empregador, ao invés de fazer uso da sua prerrogativa de dispensar o trabalhador, criar estímulos econômicos para que o próprio empregado faça o pedido de extinção do contrato de trabalho através de aderência ao plano.

Com a reforma trabalhista, há previsão dos efeitos de quitação total dos direitos decorrentes da relação empregatícia, entretanto, não há uma legislação específica que determine sua estruturação.

O plano deve assegurar todas as verbas rescisórias decorrentes da cessação do contrato de trabalho, sendo acrescentados ainda no contrato de PDV, na maior parte dos casos, benefícios legais adicionais como, por exemplo, assistência médica para o empregado e seus dependentes durante determinado período, pagamento adicional de salários mínimo ou nominal por cada ano trabalhado na empresa, complementação do plano de previdência privada, dentre outros.

Daí decorre o cenário de que valerá o que as partes acordarem na formulação do plano, de modo que ocorram vantagens para ambas as partes, não simples renúncia. Em relação ao empregador, as vantagens imediatas são economia em folha de pagamento e um quadro de funcionários mais enxuto em momentos de dificuldade financeira com uma melhor previsibilidade de seu custo rescisório, ante uma concreta redução no número de reclamações trabalhista e pagamentos de indenização na justiça. Já para o empregado é a efetividade do recebimento correto de seus haveres rescisórios com o usual adicional de al-guns benefícios legais e/ou convencionados.

A formulação, então, do Plano de Demissão Voluntária deve ter como premissa uma estruturação básica com justificativa das razões que levaram o empregador a propor e disponibilizar o PDV aos empregados. Por ser um instituto sinalagmático, deve conter concessões bilaterais, sem nunca, obviamente, contemplar qualquer tipo de discriminação, além da fundamental participação sindical na estruturação do PDV, em outras palavras, a proposta deve ser construída em conjunto por ambas as partes e com participação do sindicato.

O PDV representa uma forma de cessação do contrato de trabalho por mútuo consentimento. Assim, por mais que se afirme que seria um estímulo à demissão, fato é que esta sempre tem como cerne a voluntariedade, uma vez que o empregador tem o poder potestativo de, a qualquer tempo, pôr fim ao contrato de trabalho por prazo indeterminado e o empregado também tem a liberalidade de fazer seu pedido de demissão no mesmo sentido.

Assim, a proposta de pagamento de quantia específica e concessão de benefícios ao empregado para “estimula-lo” para sair da empresa constitui-se numa faculdade do empregador que deve ser construída em conjunto com o(s) empregado(s) e com participação do sindicato.

Antes da edição da Lei n. 13.467/17, havia divergência jurisprudencial quanto ao alcance da quitação conferida pelo empregado mediante sua adesão ao PDV — como será abordado no tópico seguinte —, já com a previsão do art. 477-B da CLT ficou claro que a quitação mediante adesão do empregado ao PDV alcança todas as verbas devidas em decorrência da execução e extinção do contrato de trabalho. Assim é a previsão do PDV na reforma trabalhista:

Art. 477-B. Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

Como se nota no texto legal, o PDV (i) abrangerá a dispensa individual, plúrima ou coletiva, (ii) deverá ter previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ou seja, obrigatoriamente deverá ter a participação do sindicato, (iii) a quitação será plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia e (iv) a possibilidade de exceção em relação à quitação plena somente será observado se houver disposição das partes sobre no plano.

Trata-se do que a doutrina denomina de eficácia liberatória geral e cuja previsão aparece literalmente na CLT no parágrafo único do art. 625-E — mantido pela reforma — quando trata o texto das comissões de conciliação prévia, o qual prevê que o termo de conciliação é título executivo extrajudicial e possui eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.

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O entendimento adveio, nesse caso, do posicionamento do TST sobre o alcance de que o termo de conciliação firmado entre empregado e patrão perante uma comissão de conciliação prévia é no sentido de reconhecer que esse documento tem eficácia liberatória geral, desde que não haja ressalvas. Nesse sentido, como no caso do PDV...

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