Plano de Demissão Voluntária: Análise da Decisão Proferida no Recurso Extraordinário n. 590.415/SC e do Art. 477-B da Lei n. 13.467/2017

AutorLuíza Holanda Vilhena e Valena Jacob
Páginas213-232

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1. Introdução

O Direito do Trabalho surgiu como reação às Revoluções Francesa e Industrial e à crescente exploração desumana do trabalho.

Este ramo jurídico tem como finalidade a proteção ao trabalho e ao trabalhador, assegurando condições dignas de labor. Possui como maior característica a proteção do empregado, que ocorre por meio da regulamentação imperativa das condições mínimas da relação de emprego e de medidas sociais adotadas e implementadas pelo governo e sociedade.

O Direito do Trabalho conferiu ao Estado um papel paternalista e intervencionista, com o intuito de impedir o prevalecimento dos interesses de apenas uma das partes envolvidas na relação de emprego. Entretanto, a economia brasileira vem sofrendo, nos últimos anos, com crises financeiras, reestruturação econômica produtiva e privatizações, impondo-lhe a necessidade de produzir mais, com menor custo e melhor qualidade para disputar o mercado globalizado.

Como consequência dessa transmutação econômica e o consequente enfraquecimento da política interna, surgiu a necessidade de adoção de medidas que harmonizem os interesses empresariais com as necessidades profissionais, justificando a flexibilização de determinados preceitos rígidos e a criação de regras alternativas para justificar a manutenção da atividade econômica, garantindo a continuidade dos empregos.

Nesse contexto, surgiu o plano de demissão voluntária, como proposta das empresas privadas e estatais para redução do quadro de funcionários, visando a otimização dos custos e racionalização na gestão de pessoas.

Ocorre que, no plano concreto, muitos PDVs possuem a chamada cláusula de eficácia liberatória geral, ou seja, a adesão do trabalhador ao plano implica plena quitação de todas as verbas referentes ao contrato de trabalho, não podendo este nada mais reclamar, nem pleitear a qualquer título.

Esse tipo de cláusula levou a doutrina e jurisprudência a debaterem acerca da extensão e das consequências da adesão ao PDV. Até maio de 2015, tal cláusula era considerada nula pelo TST, conforme OJ n. 270 da SDI-I, por entender que os direitos trabalhistas são indisponíveis e irrenunciáveis, portanto, a quitação somente libera o empregador das parcelas especificadas no recibo, conforme determina o art. 477, § 2º, da CLT.

No entanto, em 30 de abril de 2015, o STF, no julgamento do RE n. 590.415, por unanimidade, decidiu que a adesão ao PDV enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado. Dessa forma, de acordo com o entendimento do STF, aquele que aderir ao plano, aprovado em acordo coletivo, não terá direito de reclamar, posteriormente na Justiça, eventuais benefícios trabalhistas não pagos durante o contrato.

Recentemente, o presidente Michel Temer sancionou a Lei n. 13.467, que alterou diversos dispositivos da CLT e incluiu o art. 477-B que dispõe que a adesão

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ao plano implicará plena e irrevogável quitação aos direitos decorrentes da relação empregatícia. Ou seja, tornou lei o que o STF decidiu.

O presente trabalho tem por finalidade analisar as implicações da decisão do STF e a inclusão do art. 477-B na CLT, que rompeu com o entendimento consolidado do TST à luz dos institutos da transação e renúncia de direitos trabalhistas.

2. Plano de demissão voluntária (PDV) ou plano de demissão incentivada (PDI): aspectos concetuais e legais

O Brasil, no decorrer dos últimos anos, tem enfrentado fortes instabilidades econômica e política, resultando no recuo do crescimento de diversos setores da economia, elevação da inflação e taxas de juros, diminuição da demanda de produtos e/ou serviços, entre outras consequências. As empresas brasileiras vivem um momento de inconstância, e para “sobreviverem” adotam medidas para manter o lucro e a competitivi-dade, a custo da degradação e precarização do trabalho humano1.

Antigas estratégias organizacionais voltaram a ser utilizadas nesse momento de crise. Entre elas, enquadrando-se especificamente no âmbito das numerosas demissões e reduções de postos de trabalho, encontramos os planos de demissão voluntária (PDVs), também chamados de planos de demissão incentivada (PDIs).

Os planos de demissão voluntária surgiram com o objetivo de facilitar o processo demissional de um grande contingente de trabalhadores, promovendo a redução do quadro funcional da empresa e, consequentemente, a redução de custos com a contratação e manutenção de funcionários2. Esses planos visam fomentar pedidos de demissão mediante pagamento de indenização baseada no tempo de serviço do trabalhador, ou seja, em troca do pedido de dispensa voluntária do obreiro, este é compensado monetariamente, segundo o período de labor já prestado ao empregador3.

No presente tópico, discorreremos de forma geral sobre os PDVs, analisando os conceitos e características trazidos pela doutrina e jurisprudência do TST. Também será analisada a cláusula de eficácia liberatória geral, constante na grande maioria dos planos de demissões, a qual resultou a partir do julgamento do RE n. 590.415 de 2015, e da aprovação da Lei n. 13.467 de 2017, na alteração da jurisprudencial do TST.

2.1. Conceito e características

Os planos de demissão voluntária ou planos de demissão incentivada passaram a ser amplamente utilizados durante a década de 1990 e 2000, quando ocorreram as principais alterações na economia nacional, visando a sua modernização, através dos processos de fusão e aquisições, reestruturações societárias ou organizacionais e privatizações que seguiram à abertura econômica dos anos 904.

Os PDVs surgiram no Brasil por volta de 1986 para as categorias profissionais que iniciavam o processo de automação (metalúrgicos das montadoras e bancários), delineando-se como uma nova forma de ruptura contratual trabalhista5.

Corroborando este entendimento, Stamatopoulos6, afirma que “os Programas de Desligamento Voluntário surgiram, num primeiro momento, como forma de minimizar os efeitos das dispensas em massa ocorridas principalmente na região do ABC 85, na segunda metade dos anos 80”. Acrescenta ainda que o termo “voluntariado” surge como uma limitação às dispensas coletivas, in verbis:

Por meio de negociação coletivas, o Sindicato dos Metalúrgicos praticamente impôs aos empresários a condição de que estes, quando houvesse necessi-dade de demitir “em massa”, privilegiassem os empregados que desejassem se desligar, em primeiro lugar. Daí, a palavra “voluntariado” começou a ser utilizada com certa frequência.

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Os planos sofrem influência do processo de reconvenção industrial, que consiste em um mecanismo de renovação e reestruturação de vários setores da economia, fazendo com que os trabalhadores necessitem se adaptar às novas exigências de mercado, tornando-se mais competitivos, o que, consequentemente, implicará na dispensa de muitos trabalhadores, inclusive aqueles com idade avançada, portanto, próximos à jubilação. As privatizações, que se inserem no mesmo processo de renovação do sistema produtivo capitalista, provocam, também, a extinção de vários postos de trabalho7.

Se em um momento inicial a diminuição do quadro funcional foi utilizada como um mecanismo de adaptação às mudanças da economia dos anos 80, com o passar do tempo percebeu-se que, mais que conjunturais, as demissões passaram a figurar no dia a dia das organizações, como ferramentas estruturais e permanentes. Cada vez mais, as empresas realizam cortes definitivos, com caráter preventivo, independentemente de sua situação econô-mica8. Inclusive, passando a incluir não só a mão de obra direta (operacional), mas também a indireta, composta por executivos, técnicos e pessoal administrativo9.

O PDV, conforme entendimento defendido por Leite10, é uma iniciativa patronal, a qual o próprio Estado vem aderindo, para promover o enxugamento dos seus quadros, buscando consoante a diretriz econômica hoje prevalecente, o máximo de produção, com o mínimo de despesas. Bem por isso, sobrelevam-se as razões de mercado em detrimento das próprias condições de trabalho, impondo-se novas formas à regência da relação capital-trabalho.

Em contrapartida, Nascimento11 aduz que os planos são uma oportunidade de direitos mais amplos aos empregados que desejam ser dispensados do emprego, conforme abaixo transcrito:

Programa de dispensa voluntária é uma forma de extinção do contrato que nasceu como decorrência da prática de empresas que, tendo como finalidade reduzir o quadro do pessoal, quer por motivos de ordem econômica, quer tendo em vista razões de reorganização, oferecem uma oportunidade para aqueles que quiserem ser dispensados do emprego, possibilitando-lhes direitos mais amplos do que os previstos em lei, mediante o pagamento, além dos valores devidos por lei, de uma indenização.

Os incentivos às demissões para Carrion12 ocorrem nas grandes empresas, que por adotarem atuações de relações públicas com a sociedade ou com seus empregados, preferem esse instrumento ao demitir indiscriminadamente. Os procedimentos e as cláusulas são diversificados e podem ser interpretados como a manifestação dos novos tempos do direito do trabalho, desde que não se evidencie a...

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