A Pluralidade Midiática como Forma de Fortalecimento da Democracia

AutorMalu Maria de Lourdes Mendes Pereira
Páginas98-109

Page 98

1. Introdução

A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais mais importantes para o fortalecimento e manutenção da democracia. Nas Américas e, em especial, na América Latina, o referido direito tem sido frequentemente violado1.

A aprovação da Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014, o chamado Marco Civil da Internet, aponta para a aproximação de uma discussão maior que provavelmente ocorrerá no Brasil nos próximos anos: a Regulação da Mídia2. Os operadores do Direito não poderão se furtar ao debate, por isso, a importância da presente investigação.

O estudo ora apresentado tem por objetivo ressaltar a importância deste direito fundamental para a democracia, mas não da forma unidimensional como ele é compreendido por alguns autores. Para tanto, será necessário realizar uma releitura do direito à liberdade de expressão ressaltando sua faceta pluralista, que orienta no sentido de que seja permitido dar efetiva voz aos diversos setores sociais.

Este artigo foi dividido em duas grandes partes. A primeira pretendeu abordar o direito à liber-dade de expressão enfocando seu papel em um contexto democrático e ressaltando a importância da pluralidade midiática a fim de permitir o equilíbrio neste ramo entre setores econômicos, Ente Estatal e sociedade. A segunda parte apresentou o estudo de caso do grupo Clarín da Argentina, enfocou-se sua importância econômica, política e descreveu-se a impugnação realizada pelo grupo contra a Ley n. 26.522, a Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual. Tal estudo é importante para que se possa ter um parâmetro comparativo entre Argentina e Brasil a fim de se aproveitar o positivo do ocorrido naquele país e evitar o que foi negativo, objetivando, assim, elevar o nível dos debates quando o tema for colocado em questão por aqui.

Page 99

Por fim, tentou-se projetar o cenário ideal a fim de que se possa construir o melhor mercado midiático possível em que predominem os interesses coletivos e não de um grupo econômico ou de um Estado que não represente verdadeiramente os interesses da sociedade.

2. Desenvolvimento
2.1. A Liberdade de Expressão e a Importância para a Democracia

A liberdade de expressão é um dos instrumentos que permitem o equilíbrio e o controle do poder3. Seu conceito foi desenvolvido no século XIX e o que se pretendeu foi assegurar uma eficaz formação e informação dos cidadãos que seriam os novos titulares do poder no Estado Moderno.

Pues los institutos de la libertad de prensa, expresión, pensamiento y prohibición de censura previa, se originan a fin de proteger y consolidar a los nacientes procesos democráticos en el siglo XIX. El objetivo era asegurar una eficaz formación e información de los ciudadanos, nuevos soberanos en la titularidad del poder político en las constituciones de los estados modernos nacientes.4

O referido direito fundamental possui duas dimensões. A dimensão individual determina que ninguém poderá ser proibido de expressar seu pensamento, já a dimensão coletiva diz que é direito de todos receber qualquer informação e conhecer a expressão do pensamento alheio5.

Na Constituição brasileira de 1988, o direito fundamental à liberdade de expressão é expressamente previsto no art. 5º, incisos IV e IX, e no art. 220 caput e § 2º. Já o constituinte argentino reconhece o direito à liberdade de expressão nos arts. 146 e 327 da Ley Fundamental8.

En su dimensión individual, la libertad de expresión no se agota en el reconocimiento teórico del derecho a hablar o escribir, sino que comprende además, inseparablemente, el derecho a utilizar cualquier medio apropiado para difundir el pensamiento y hacerlo llegar al mayor número de destinatarios. La dimensión social implica un derecho colectivo a conocer el pensamiento ajeno. Ambas dimensiones poseen igual importancia y deben ser garantizadas plenamente en forma simultánea para dar total efectividad al derecho a la libertad de pensamiento y de expresión en los términos previstos en el artículo 13 de la CADH.9

A liberdade de imprensa é um desdobramento da liberdade de expressão10 e o art. 4311 da Constituição argentina, assim como ocorre na brasileira,

Page 100

garante o sigilo da fonte como forma de garantir a liberdade dos meios de comunicação12.

A maior ameaça à liberdade de expressão sempre foi a censura prévia, notadamente a censura estatal. Ao longo da história temos acompanhado diversos episódios em que os governos tentam limitar a informação e a variedade de opiniões disponíveis para o público13. Isso é feito tanto por limitação direta de conteúdo como por meio indireto realizado pela retirada de licenças de radiodifusão dos meios que criticam diretamente a figura estatal, ou seja, censura indireta.

Na América Latina, a política de premiação dos amigos e punição dos inimigos pode ser constatada ao longo da história14. Até mesmo no caso ora em estudo, envolvendo o grupo Clarín, pudemos perceber que a ditadura militar o favoreceu, com o aumento de seu poderio econômico, durante os anos em que esteve à frente do governo argentino e, em troca, os ditadores que se seguiram receberam apoio do conglomerado.

Não se pode deixar de mencionar que a censura estatal não é a única que deforma e afeta a liberdade de expressão. O autor americano Owen M. Fiss nos apresenta o conceito de censura empresarial (managerial censorship) que é aquela promovida pelos meios de comunicação que cedem a pressões econômicas, e não pressões por parte do governo, e não cobrem corretamente assuntos de importância pública15.

La amenaza de la censura estatal es muy conocida por parte de los que se dedican a estudiar los medios de comunicación. Aun así, se ha prestado poca atención a lo que yo llamaré la "censura empresarial" (managerial censorship). La censura empresarial tiene lugar cuando los editores, los directores o los dueños de un diario, o de un canal de televisión o de una estación de radio, en respuesta a presiones económicas y no a las del gobierno, no cubren los asuntos de importancia pública de una manera completa y equilibrada y de esa manera incumplen sus responsabilidades democráticas.16

Este tipo de censura é tão ou até mesmo mais nefasto para a democracia do que a censura estatal. A motivação destes grupos midiáticos é apenas o lucro e não se importam minimamente com o compromisso que todo meio de comunicação deve ter com a democracia, ou seja, o fornecimento de informações imparciais e provenientes de diferentes fontes17.

Muitas vezes, para conter a censura empresarial, o governo deve atuar por meio de leis que regulamentem o setor. Tal atuação permite o aumento da capacidade dos cidadãos para exercer a autodeterminação coletiva18. Owen Fiss afirma, e nós no aliamos a este pensamento, que o Ente Estatal tem um papel crucial na robustez e na pluralidade do debate público tanto na postura ativa como na omissiva19.

En el contexto da censura estatal, el Estado es el enemigo de la libertad. Sin embargo, cuando enfrentamos la censura empresarial, acudimos el estado, caso como lo hacemos en relación con el sistema de educación formal, como amigo de la libertad.20

Vale lembrar que a liberdade de expressão é um direito fundamental e, como tal, não é absoluto. Pode sofrer certos tipos de limitação em função de seu melhor exercício21. A limitação estatal que defendemos deve objetivar os interesses coletivos com vistas ao fortalecimento da democracia por meio do desenvolvimento intelectual de toda a sociedade. Sobre este assunto, nos aprofundaremos melhor mais adiante.

Page 101

2.2. A Pluralidade Midiática como Forma de Fortalecimento da Democracia

Citando as palavras de Zaffaronni os meios audiovisuais são formadores de cultura e da criação de valores, acrescenta Damián Loretti22. Isso porque são instrumentos de educação informal23.

A democracia é a forma de governo que delega maior poder de governo aos cidadãos individuais. Por meio da filosofia, "um homem, um voto", o sufrágio universal proclama a igualdade moral entre os cidadãos24. Entretanto, vimos, por vezes, ao longo da história, a tentativa de retirar tal poder das classes menos favorecidas economicamente usando a justificativa de que a falta de instrução não lhes permitiria tomar a decisão mais acertada para seu próprio futuro. Para evitar tal situação injusta e permitir o acesso de todos ao sistema democrático é que hoje existe a obrigatoriedade da educação formal, pelo menos primária e secundária. O objetivo é dar condições de que todos votem conscientemente25.

No entanto, o sistema democrático não é formado apenas por sua estrutura de educação formal. A educação informal, aquela que não é fornecida pelas escolas formais, também é muito importante. Um dos principais agentes promotores da educação informal são os meios de comunicação26.

El sistema de educación informal tiene muchos componentes - películas, libros, re-vistas de opinión, propaganda gráfica - pero el componente principal lo constituyen los medios de comunicación masiva - los diarios, la radio y la televisión - los ciudadanos dependen de los medios de comunicación para recibir información concerniente a la política y al mundo. Hoy en día en los Estados Unidos damos por sentada la existencia de los medios, y dedicamos mucha atención a las tecnologías de la comunicación recientemente introducidas por las computadoras y por internet.27

Apesar de ter ocorrido o aumento da influência da Internet não se pode negar que os meios de comunicação tradicionais ainda são extremamente importantes na educação informal, uma vez que eles não exigem uma postura ativa do receptor da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT