A pobreza como privação de capacitações (capabilites): referências sobre a necessidade de políticas públicas no Brasil em tempos de grave crise

AutorNeuro José Zambam, Dionis Janner Leal
Páginas167-185
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A POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACITAÇÕES (CAPABILITES): REFERÊNCIAS SOBRE
A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL EM TEMPOS DE GRAVE CRISE
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 2, p. 167-185, jul./dez. 2020.
rights, summarizes this prerogative. Integrated assistance policies demand coordinated and
collective action, whether from public entities or social institutions. The denial of basic rights
creates exclusions and impedes people’s elementary development. This study, whose approach
methodology is deductive, aims to address poverty as a deprivation of capacities (capabilites) in
Amartya Sen and to base the necessary action of the State through public policies to guarantee
basic social rights in facing periods of severe crisis.
Keywords: Capabilities. Minimum State. Eciency. Poverty.
INTRODUÇÃO
As condições de vida dos cidadãos em determinada localidade ou região não podem
ser analisadas apenas tendo como referência estatísticas ociais ou critérios econômicos,
como renda per capita, ace sso a bens ou Produto Inter no Bruto. Esses dados são normalmente
disponibilizados por organismos independentes ou públicos, como o Instituto Brasileiro de
Ge ogr aa e Es tat ísti ca (I BGE), o In stit uto de Pe squ isa Econôm ica Apl ica da (IPE A), ass oci açõ es
empre sariais e outros. Especic amente a pobreza, ness a dinâmica, poder ia ser compreendida
apenas como a ausência de bem-estar ou falta de condições de acesso aos mercados.
Este artigo tem como objetivo geral abordar a pobreza como privação das capacitações
(capabilities) conforme a compreensão herdada de Amartya Sen, alternativa às análises
dependentes de acesso a bens essenciais ou métricas de desenvolvimento econômico que, no
decorrer do tempo e conforme o aumento da produção, ofereceriam melhores condições de
vida às pessoas. Os objetivos especícos são: a) fundamentar a compreensão de capacitações
(capabilities); b) apresentar a efetivação dos direitos sociais conforme a CF/88 (art. 3°, III)
como alternativa para a estruturação de políticas de combate à pobreza; c) apresentar a
necessidade de atuação coletiva, efetiva e eciente do Estado por meio de políticas públicas
bem organizadas para o enfrentamento de adversidades em tempos de crise, a exemplo da
Pandemia Covid-19.
A metodologia de abordagem é dedutiva e opta pela compreensão de capacitações
(capabilities) de Amartya Sen como referencial de análise e fundamentação dos argumentos
construídos no decorrer do estudo, especicamente a visão de pobreza e a atuação do Estado
por meio de políticas públicas e outros instrumentos. Este estudo dialoga com a CF/88,
especialmente com o compromisso dos entes públicos, de forma cooperativa, para atuarem
em vista do bem comum e da diminuição das desigualdades.
A escolha de Sen como principal referência deve-se ao reconhecimento das suas
inúmeras pesquis as empíricas e ampla mente conhecidas relacionadas às desigualdades
sociais e econômicas, às políticas de desenvolvimento e à alargada compreensão sobre as
características da atuação do poder público e seu impacto signicativo na vida concreta
das pessoas, especialmente, a recuperação da identidade pessoal, a integração social e as
consequentes condições de interferir na transformação das relações sociais.
A Pandemia Covid-19, que vitima milhões de pessoas no atual período, demonstra a
tragédia das desigualdades, seja nas condições de acesso aos meios básicos de tratamento de
saúde até nas diculdades de cumprir os protocolos mínimos orientados pelos prossionais
e pelos governos. Essas diculdades ocorrem dev ido às graves desigualdades, que impedem
as pessoas de permanecerem em suas residências por alguns dias. Com igual preocupação,
destacam-se as diculdades de entendimento da gravidade das ameaças dessa doença pelas
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Neuro José Zambam • Dionis Janner Leal
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 2, p. 167-185, jul./dez. 2020.
pessoas com parca formação ou deciência na sua formação, incluindo, neste rol, líderes,
profissionais e governantes.
Arma-se que a pobreza está entre as graves injustiças que assolam a humanidade
e podem ser evitadas. Para isso, é essencial a cooperação de todos, especialmente a ação
preventiva dos entes públicos por meio de políticas públicas bem organizadas, de alcance
universal, amplamente conhecidas, o que permite participação efetiva dos cidadãos e o
consequente controle social (accountabilit y). Em períodos de crises graves, como este em
curso, a responsabilidade dos governantes e das instituições públicas é mais evidente e
neces sária. A at uação do merc ado, por suas carac terísticas, confor me entendimento de Sen, é
insuficiente e incapaz de contribuir eficazmente para o combate à pobreza; logo, precisa ser
orientado e regulamentado. As políticas públicas e os direitos sociais, por sua vez, têm forte
potencial de reversão de graves crises e superação da pobreza em vista do bem comum. Para
tal, demanda-se que o Estado aja como impulsionador e catalisador de pessoas, instituições,
legislações e programas de longo prazo em vista do bem de todos. A negligência, timidez ou
não atua ção do Es tado desag rega o te cido so cial, ampl ia o fosso da s desiguald ades e a pob reza
na forma de negação da ampliação das capacitações (capabilities).
1 DIREITOS SOCIAIS COMO INSTRUMENTOS DE COMBATE À POBREZA
Os direitos sociais arrolados na Constituição da República Federativa do Brasil
têm como objetivo garantir direitos aos cidadãos, como saúde, educação, lazer, trabalho
e assistência aos desamparados, para que tenham meios sucientes de sobrevivência na
sociedade.
Os titulares dos direitos sociais são as pessoas naturais3, cujos destinatários – sejam
pessoas físicas, jurídicas ou entes não personalizados – são aqueles perante os quais os
titulares poderão ex igir sua promoção ou proteção (SARLET, 2016, p. 48).
Os direitos humanos, a par tir de uma perspectiva ética, dispensam codicação ou
processo legislativo para sua existência, apesar da utilização maciça dessa via pelos países a
par tir do Sécu lo XX (SE N, 2010 b, p. 347). Tai s direitos englobam os di reitos soc iais concebi dos
como meios para satisfazer as necessidades humanas básicas, positivadas, no caso, pela
Constituição da República brasileira. São, pois, os direitos sociais e econômicos categorias
dos direitos humanos (SEN, 2010b, p. 359).
No ordenamento jurídico brasileiro, “a legalidade e a isonomia não foram concebidas
para deleite da Administração [...] mas, precisamente, para proteger as pessoas contra os
malefícios que lhes adviriam se inexistissem tais limitações” (MELLO, 2009, p. 46).
Nesse sentido, tem-se que, a partir da existência desses direitos, devem todas as
pessoas, em especial o Estado, protegê-los e promovê-los a m de atingir seu objetivo, que é
a dignidade humana.
O Brasil também assumiu um compromisso para a erradicação da pobreza para além
de sua carta política, com sua participação junto à Organização das Nações Unidas (ONU).
Entre os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), destaca-se o do combate à
pobreza (ODS1), em que o Brasil tem como meta nacional “garantir recursos para implementar
programas e políticas para erradicar a pobreza extrema e combater pobreza” (IPEA, 2019, p.
18).
3 Ingo Sarlet discorre sobre a titularidade dos direitos fundamentais em contraponto à expressão destinatários desses direitos.
Considerando que os direitos sociais são espécies do gênero direitos fundamentais (SARLET, 2008, online), adequamos a expressão
titulares de direitos fundamentais para o presente artigo.

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