Poder Constituinte

AutorEduardo dos Santos
Páginas57-92
CAPÍTULO III
PODER CONSTITUINTE
1. CONCEITO E ORIGEM
O Poder Constituinte consiste no poder jurídico-político de elaborar, criar e instituir
a Constituição de um determinado Estado, bem como alterar, reformar e complementar
Sua origem, enquanto “poder”, bem como as discussões jurídicas acerca de sua exis-
tência e natureza, em que pese encontrem raízes remotas na Antiguidade Clássica, estão
diretamente ligadas ao surgimento das Constituições escritas, especialmente a partir do
movimento constitucionalista do século XVIII, destacando-se as lições de Emmanuel Sieyès,1
que, em sua obra O que é o Terceiro Estado?, distinguiu o Poder Constituinte de seus po-
deres constituídos, sendo o Poder Constituinte ilimitado, autônomo, incondicionado e
permanente, enquanto os poderes constituídos seriam limitados e condicionados, vez que
se subordinam à Constituição.
2. ESPÉCIES
O Poder Constituinte pode ser dividido em razão de suas funções. Assim, temos: a)
Poder Constituinte Originário, aquele que elabora, cria e institui a Constituição, dando
origem a uma nova ordem jurídica constitucional; b) Poder Constituinte Derivado, aquele
constituído pela Constituição e que se destina a alterá-la, reformá-la e complementá-la.
Ocorre que o Poder Constituinte Derivado, também, pode ser dividido em razão de
suas funções, havendo: b.1) Poder Constituinte Derivado de Reforma, aquele que se destina
a promover alterações (reformas e revisões) no texto constitucional; b.2.) Poder Constituinte
Derivado Decorrente, aquele que visa complementar a ordem constitucional.
Além disso, o Poder Constituinte Derivado de Reforma, no constitucionalismo brasilei-
ro, possui uma divisão, sendo: b.1.1.) Poder Constituinte Derivado de Reforma Reformador
(ou simplesmente Poder Constituinte Reformador), aquele que se destina a realizar alte-
rações específ‌icas e pontuais do texto constitucional; b.1.2.) Poder Constituinte Derivado
de Reforma Revisor (ou simplesmente Poder Constituinte Revisor), aquele que se destina
a realizar alterações gerais ou globais do texto constitucional.
1. SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?). 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001.
EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 57EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 57 25/02/2021 18:16:1025/02/2021 18:16:10
DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO • EDUARDO DOS SANTOS
58
3. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
O Poder Constituinte Originário consiste no poder de criar a Constituição, isto é, poder
que dá origem a uma Constituição, constituindo uma nova ordem constitucional e, consequen-
temente, desconstituindo a anterior.
Trata-se de um poder a ser exercido em um momento social extraordinário no qual
se observa uma ruptura jurídico-política, surgindo, assim, por meio de uma revolução, um
golpe de estado ou mesmo de um consenso jurídico-político, que ensejará o f‌im da ordem
constitucional anterior e o surgimento de uma nova ordem constitucional.2
3.1 Natureza
Há na doutrina constitucionalista três correntes teóricas que buscam explicar a natureza
jurídica do Poder Constituinte Originário:
1) PODER DE DIREITO: a primeira corrente teórica, defendida pela Escola Jusnaturalista,
af‌irma que o Poder Constituinte Originário é um poder de direito, vez que o Poder
Constituinte é anterior ao Estado, já que existe justamente para instituí-lo e organizá-lo,
de modo que a noção de direito já existiria antes mesmo do Estado ser instituído, assim
o “poder criador” é um poder de direito anterior ao próprio Estado, fundamentando-se
em um direito natural anterior e superior a qualquer direito positivo.3
2) PODER DE FATO: a segunda corrente teórica, defendida pela Escola Juspositivis-
ta, af‌irma que o Poder Constituinte Originário é um Poder de Fato, pois, para os
seus defensores, não há direito antes da instituição do Estado. Assim, se o Poder
Constituinte institui o Estado e o Estado é quem cria o direito, não é possível que
o Poder Constituinte tenha uma natureza normativa (de direito), já que não há
direito antes de existir o Estado. Deste modo, o Poder Constituinte possui natureza
política, consistindo em um poder de fato, que funda a si próprio e é resultado das
forças sociais que o estabelecem.4
3) NATUREZA HÍBRIDA: a terceira corrente teórica, defende que o Poder Constituinte
Originário possui natureza híbrida, tendo feições políticas e jurídicas, sendo que
na ruptura seria um poder de fato, por outro lado, na desconstituição da ordem
anterior e na constituição da nova ordem constitucional seria um poder de direito.
2. FERNANDES, Bernardo G. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 122.
3. MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 6.ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 115.
4. Ibidem, idem.
EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 58EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 58 25/02/2021 18:16:1125/02/2021 18:16:11
59
CAPíTulo III • PoDEr CoNSTITuINTE
3.2 Titularidade
A titularidade do Poder Constituinte Originário diz respeito a quem é legitimamente
detentor do poder de desconstituir a ordem anterior e constituir a nova ordem constitu-
cional, instituindo e organizado o Estado. Em relação à titularidade do Poder Constituinte
Originário há duas há duas visões, uma clássica e uma moderna.
Numa compreensão clássica, o Poder Constituinte Originário pertence à nação (con-
ceito sociológico). Essa visão é defendida por Emmanuel Sieyès,5 a partir do entendimento
de que haveria uma identif‌icação entre o povo e seus representantes e estes se reuniriam em
Assembleia Constituinte para criar o texto constitucional dentro dos valores dominantes
daquele povo, sob pena de não reconhecimento dos trabalhos dessa Assembleia como exer-
cício do Poder Constituinte Originário.
O conceito de nação reside na ideia de uma uniformidade de valores culturais, lin-
guísticos, econômicos, políticos, jurídicos, éticos, religiosos etc. compartilhados por um
determinado povo, o que faz com que a legitimidade do exercício do Poder Constituinte
Originário, na compreensão clássica, esteja atrelada ao acolhimento desses valores domi-
nantes pela Constituição.
Numa compreensão moderna, o Poder Constituinte Originário deixa de pertencer à
nação e passa a pertencer ao povo (conceito jurídico). Essa visão identif‌ica como titular do
poder constituinte todo o povo (e não apenas parte dele), independentemente das diferenças
culturais, sociais, religiosas, econômicas, políticas, jurídicas etc. que possam haver entres
os diversos grupos da sociedade, devendo a Constituição representar os valores de todo o
povo e não apenas dos grupos dominantes e majoritários.6
Assim, a legitimidade do Poder Constituinte Originário reside numa normatização
pluralista e tolerante que crie uma Constituição que respeite as diferenças existentes no seio
da sociedade, sem suprimir direitos das minorias, vez que o Poder Constituinte Originário
pertence ao povo todo e não apenas a uma parcela dele, ainda que se trate de uma parcela
majoritária.
3.3 Formas de expressão/exercício
Uma vez identif‌icada a titularidade do Poder Constituinte Originário, é preciso en-
tender como pode se dar o seu exercício, já que o exercício do poder pode se dar pelo povo,
por seus representantes ou mesmo por um corpo distinto que sequer represente o povo.
Assim, diz-se que o Poder Constituinte Originário pode ter um i) exercício democrático ou
um ii) exercício autocrático.
5. SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?). 4.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001.
6. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo. Poder Constituinte e Patriotismo Constitucional. Belo Horizonte: Editora PUC Minas,
2006.
EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 59EBOOK DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO_MIOLO.indb 59 25/02/2021 18:16:1125/02/2021 18:16:11

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT