Poder constituinte

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas43-70
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PODER CONSTITUINTE
2.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
No Capítulo 1, vimos que a constituição pode ser def‌inida, ao menos em seu sentido
jurídico, que é o que nos interessa mais especif‌icamente nesta obra, como a norma jurídica
fundamental, a lei suprema do Estado, que contém, em seu corpo, as regras essenciais de
formação e organização daquele ente estatal, da qual todas as demais normas (infraconsti-
tucionais) extraem sua validade.
Neste Capítulo, por sua vez, estudaremos o poder que produz a constituição, que institui
uma nova ordem jurídica estatal. Este poder, já o adiantamos, é o denominado poder consti-
tuinte. Analisaremos aqui, dentre outros temas, sua origem, sua natureza, sua titularidade,
seu exercício e formas de expressão, suas diversas espécies e suas características e limites.
Analisaremos também, em sua parte f‌inal, um tema que, muito embora não seja pro-
priamente relativo ao poder constituinte, guarda com este tema inequívoca relação. Trata-se
da análise da repercussão da edição de um novo texto constitucional, por vontade do poder
constituinte, sobre a vigência das normas infraconstitucionais (e até mesmo constitucionais)
editadas ainda sob o amparo da constituição anterior. Estudaremos, naquele momento, os
fenômenos da recepção, da repristinação, bem como da desconstitucionalização.
2.2 PODER CONSTITUINTE: ORIGEM DA IDEIA
Os doutrinadores costumam apontar que a ideia de um poder constituinte, responsá-
vel pela criação de uma nova constituição, e diverso, portanto, dos poderes que estabelece
(os denominados poderes constituídos), foi manifestada pela primeira vez num panf‌leto
produzido à época da Revolução Francesa, denominado Qu’est-ce que le tiers État? (que é o
terceiro Estado?), de autoria de Emmanuel Joseph Sieyès.
Naquele panf‌leto, sustentou-se que a formação da sociedade política poderia ser sepa-
rada em 3 (três) estágios distintos: no primeiro estágio, os indivíduos viviam isolados; no
segundo, ao seu turno, deliberavam sobre assuntos de interesse comum em reuniões, numa
espécie de democracia direta; no terceiro, por f‌im, as deliberações passaram a ser delegadas
a representantes da coletividade.
Sieyès defendeu a ideia de que, para a representação das aspirações da sociedade, na-
quela terceira fase da evolução política e social, tornou-se indispensável a criação de uma
constituição, um documento escrito, que f‌ixasse a estruturação de órgãos estatais, permi-
tindo, dessa forma, a viabilização daquela representação social. Concebeu-se, portanto, a
distinção entre poder constituinte e poderes constituídos.
Concebeu-se, igualmente, a ideia da constituição como o documento que faz surgir um
novo Estado, que cria uma nova ordem jurídica estatal. A partir daí, portanto, surgiu a ideia
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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da constituição escrita, um documento formal e solene, instituidor de um novo Estado, e com
normas formalmente distintas das demais que compõem o ordenamento jurídico estatal.
Por ser o poder que inaugura a nova ordem jurídica, com a edição de uma nova consti-
tuição, Sieyès atribuiu ao poder constituinte a característica de não sofrer quaisquer limites,
senão as do direito natural. Quem sofre limitações, estes sim, são os poderes e órgãos criados
por aquele, e que, por isso, são denominados de poderes constituídos.
PODER CONSTITUINTE E SUAS DIVERSAS ESPÉCIES
2.3 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
O poder constituinte, como verif‌icamos da ideia que o concebeu, é aquele poder inaugural,
distinto dos poderes por ele constituídos, e que cria uma nova ordem estatal, por meio de uma
constituição escrita, um documento que estabelece a organização do novo Estado. Vê-se, portanto,
que a ideia de poder constituinte está estreitamente relacionada à concepção das constituições escritas.
Por ser o poder inaugural, ou seja, aquele que cria um novo Estado, estabelecendo
uma nova ordem jurídica estatal, o poder constituinte também é conhecido como poder
constituinte originário. Também é costumeiramente denominado de poder constituinte de
primeiro grau, ou, ainda, genuíno, para distingui-lo do poder constituinte derivado.
Já o poder constituinte derivado, também chamado de poder constituinte de segundo
grau ou secundário, e que será tratado melhor daqui a pouco, é o poder que, amparado na
própria vontade do poder constituinte originário, permite que o texto constitucional sofra
revisões em determinadas hipóteses, ou que as entidades autônomas de um Estado do tipo
federal instituam suas próprias constituições.
Doutrinariamente, há quem subdivida o poder constituinte originário em 2 (duas)
subespécies, denominando-o histórico quando se refere àquele poder que efetivamente
cria, pela primeira vez, um Estado; e revolucionário, quando faz menção ao poder que
se manifesta todas as vezes em que, posteriormente à primeira instituição do Estado,
edita-se uma nova constituição, com integral ruptura da ordem jurídica anterior.
Consideramos, contudo, que referida subdivisão não tem razão de ser, uma vez que,
seja na edição de uma primeira constituição, seja na edição de novas constituições, sempre
estaremos diante do mesmo poder constituinte originário, com seu caráter ilimitado, distinto
dos poderes por ele constituídos, e que cria um novo ente estatal.
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