Poder judiciário
Autor | Eduardo dos Santos |
Páginas | 633-687 |
CAPÍTULO XIX
PODER JUDICIÁRIO
1. INTRODUÇÃO
A leitura moderna do poder judiciário relaciona-se, especialmente, ao movimento polí-
tico e jurídico de limitação dos poderes dos reis e o, consequente, fim do absolutismo. Como
se sabe, durante a Idade Média, os reis exerciam um poder absoluto, concentrando todos
os poderes do Estado em suas mãos. Esse sistema vem a ser rompido, de forma relevante,
num primeiro momento, na Inglaterra, no final do séc. XVII, com a Revolução Gloriosa e
a consagração da Carta de Direitos (Bill of Rights) e o Act of Setlement, submetendo o rei ao
parlamento inglês e estabelecendo a ideia de que todo governo deve ser limitado, inadmi-
tindo-se a ideia de um poder absoluto ou soberano.
Para além de inspirar filósofos, como Montesquieu, esse movimento inspirou verdadei-
ras revoluções que vieram um século depois a consagrar a doutrina da separação de poderes
nas Constituições dos Estados Unidos da América do Norte e da França pós-revolução.
Deste modo, o estabelecimento moderno do poder judiciário liga-se à separação de poderes,
bem como à limitação dos poderes do Estado e ao surgimento dos Estados Democráticos, a
partir da ótica do constitucionalismo moderno.
Ocorre que, o poder judiciário, mesmo na Idade Moderna, sempre esteve sujeito a inti-
midações, influências e arbitrariedades que comprometiam sua independência, autonomia
e imparcialidade, sendo que a história moderna do poder judiciário está atrelada à evolução
dos modelos processuais da modernidade, que se divide, pelo menos, em cinco fases: a) pré-
-liberalismo processual; b) liberalismo processual; c) socialismo processual; d) neoliberalismo
processual; e e) processualismo democrático.1
Nessa perspectiva evolutiva é importante registrar que foi apenas com o processua-
lismo democrático, firmado sobre as bases do humanismo ético e do Estado Constitucional
Democrático de Direito do constitucionalismo contemporâneo (ou constitucionalismo do
pós-Guerra ou neoconstitucionalismo), que o Poder Judiciário teve sua independência, au-
tonomia, imparcialidade e impessoalidade asseguradas, efetivamente, de forma normativa
e prática, sobretudo com o advento das Constituições do pós-Guerra.2
Nesse cenário, no âmbito do constitucionalismo brasileiro, somente com a Consti-
tuição de 1988 o Poder Judiciário e a atividade jurisdicional receberam um tratamento de
real e efetiva independência, autonomia, imparcialidade e impessoalidade, assegurando
um autêntico processo democrático constitucionalmente estabelecido, dando origem a
um modelo constitucional de processo. Nesse contexto, a Constituição de 1988 assegurou
ao Poder Judiciário garantias institucionais3 e funcionais, sedimentando uma estrutura de
jurisdição livre de pressões, intimidações, ameaças e influências espúrias, garantindo-lhe
uma atuação autônoma, independente, imparcial e impessoal.
1. DOS SANTOS, Eduardo. Princípios Processuais Constitucionais. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 17.
2. Ibidem, p. 43 e ss.
3. As garantias institucionais do Poder Judiciário, até então, eram desconhecidas de nossos modelos constitucionais
anteriores. MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 1061.
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Para além disso, partindo da leitura contemporânea do princípio da separação dos po-
deres, especialmente considerando que à luz do paradigma do constitucionalismo moderno
um poder deve fiscalizar e controlar o outro (doutrina dos freios e contrapesos), o poder
judiciário possui competências típicas da função executiva e, também, atípicas.
Como função típica, o poder judiciário exerce a jurisdição (ou atividade jurisdicio-
nal), cabendo-lhe, de forma imparcial e definitiva, pôr fim aos conflitos, interpretando e
aplicando o direito criado pelo legislador aos casos concretos que lhes são submetidos.
Assim, o poder judiciário assegura a paz social e evita a justiça privada (ou justiça com as
próprias mãos), inadmissível em sociedades minimamente civilizadas. Ademais, à luz do
processualismo constitucional democrático, pode-se destacar as seguintes características
da atividade jurisdicional:
• Secundariedade: em regra, o cumprimenta das obrigações jurídicas deve ser volun-
tário, contudo, não o sendo, ou havendo conflitos, faz-se necessária a tutela jurisdi-
cional do Estado, de forma secundária.
• Imparcialidade: os órgãos e membros do Poder Judiciário devem ter atuação inde-
pendente, autônoma, imparcial e impessoal.
• Substitutividade: a decisão proferida pelo Estado-juiz substitui a vontade individual
de cada uma das partes litigantes.
• Inércia: em regra, o Poder Judiciário deve ser provocado, não podendo agir de ofício.
• Definitividade: a decisão judicial após fazer coisa julgada e não cabendo ação resci-
sória, não pode mais ser discutida, firmando-se como definitiva.
• Unidade: em que pese o poder judiciário atue por diferentes órgãos, a jurisdição é una.
• Respeito ao modelo constitucional de processo: o judiciário deve observar as normas
processuais fundamentais asseguradas pela Constituição que formam um verdadeiro
modelo único de processo que não pode ser ignorado pela vontade do julgador, de-
vendo-se entender o processo como um procedimento em contraditório das partes
envolvidas, exigindo-se que o julgador paute suas decisões no direito vigente e nos
argumentos das partes, decidindo conforme a ordem jurídica e não conforme seus
valores pessoais (ou sua “consciência”).
Por outro lado, o poder judiciário, também, exerce funções atípicas, isto é, funções que
tipicamente são atribuídas a outros poderes. Assim, por exemplo, no exercício da função
legislativa, cabe aos Tribunais elaborar seu regimento interno (art. 96, I, “a”), já no exercício
da função executivo-administrativa, cabe aos Tribunais organizar suas secretarias e serviços
auxiliares (art. 96, I, “b”).
2. ORGANIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
Conforme prevê o art. 92, da Constituição brasileira de 1988, são órgãos do Poder
Judiciário:
• o Supremo Tribunal Federal;
• o Conselho Nacional de Justiça;
• o Superior Tribunal de Justiça;
• o Tribunal Superior do Trabalho;
• os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
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• os Tribunais e Juízes do Trabalho;
• os Tribunais e Juízes Eleitorais;
• os Tribunais e Juízes Militares;
• os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
Os órgãos do Poder Judiciário exercem as atribuições jurisdicionais (jurisdição) do
Estado, com exceção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que se trata de órgão admi-
nistrativo do Poder Judiciário, isto é, trata-se de órgão que compõe o Poder Judiciário, mas
que não exerce jurisdição, competindo-lhe apenas atribuições de natureza administrativa.
2.1 Estrutura orgânica
Uma vez identificados os órgãos do Poder Judiciário, é importante estruturamos como
eles se organizam, de modo que é possível sistematizar sua estrutura orgânica, à luz da
Constituição de 1988, da seguinte maneira:
A partir dessa sistematização, é possível identificarmos que o Poder Judiciário possui
a seguinte estrutura orgânica:
Justiça Federal, composta pelos Tribunais Regionais Federais e pelos juízes federais;
Justiça Estadual, composta pelos Tribunais de Justiça e pelos juízes de direito, podendo,
ainda, a lei estadual criar a Justiça Militar Estadual, composta, no primeiro grau de
jurisdição, pelos juízes de direito e pelos conselhos de justiça e, no segundo grau, pelo
próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar estadual, nos termos
Justiça do Trabalho, composta pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelos Tribunais
Regionais do Trabalho e pelos juízes do trabalho;
Justiça Eleitoral, composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, pelos Tribunais Regionais
Eleitorais, pelos juízes eleitorais e juntas eleitorais;
Justiça Militar, composta pelo Superior Tribunal Militar e pelos Tribunais Militares e
juízes militares.
Ademais, à luz do sistema constitucional que estrutura a organização do Poder Judi-
ciário, é importante destacarmos:
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