Poder Judiciário e estado de exceção: direito de resistência ao ativismo judicial
Autor | Ricardo Marcondes Martins |
Cargo | Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo-SP, Brasil) |
Páginas | 457-487 |
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Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 8, n. 2, p. 457-487, maio/ago. 2021.
Poder Judiciário e estado de exceção: direito
de resistência ao ativismo judicial
The judiciary and the state of exception: right
to resist judicial activism
RICARDO MARCONDES MARTINS I, *
I Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo, São Paulo, Brasil)
ricmarconde@uol.com.br
https://orcid.org/0000-0002-4161-9390
Recebido/Received: 21.02.2020 / February 21st, 2020
Aprovado/Approved: 17.05.2021 / May 17th, 2020
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v8i2.71729
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Como citar esse artigo/How to cite this article: MARTINS, Ricardo Marcondes. Poder Judiciário e estado de exceção: direito de
resistência ao ativismo judicial. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 8, n. 2, p. 457-487, maio/ago. 2021.
DOI: 10.5380/rinc.v8i2.71729.
* Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo-SP,
Brasil). Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. E-mail: ricmarconde@uol.com.br.
Resumo
Perquire-se, sob a perspectiva jurídico-dogmática, a re-
lação entre o Poder Judiciário brasileiro e o estado de
exceção. O estado de exceção lícito consiste nos estados
de defesa e de sítio, situações constitucionalmente re-
gradas, próprias do Estado de direito. O estado de exce-
ção ilícito, ao revés, decorre da falência das instituições
estatais no cumprimento de sua missão constitucional,
e é atentatório ao Estado de Direito. O erro do Judiciário
não é suciente para conguração do estado de exceção
ilícito, tendo em vista a regra de calibração inerente à
coisa julgada. O erro jurisdicional só congura o estado
de exceção quando resultar de uma falência institucional
do Poder Judiciário. A revelação correta de normas im-
plícitas ou o correto controle da discricionariedade não
conguram ativismo judicial. Este só ocorre quando há
desrespeito ao correto exercício da discricionariedade. A
resistência ao ato jurisdicional equivocado não é, regra
geral, admitida no Estado de Direito. Quando, porém, o
ato jurisdicional congura grave injustiça, admite-se a
resistência sem rompimento do direito vigente.
Abstract
This paper is intended to investigate and examine the re-
lationship between the Brazilian Judiciary and the state of
exception from the legal-dogmatic perspective. The lawful
state of exception consists of states of defense and siege,
constitutionally ruled situations, within the Rule of Law. The
unlawful state of exception, on the other hand, stems from
the complete failure of state institutions to comply with its
constitutional mission, and violates the Rule of Law. An er-
ror committed by the Judiciary is not enough to congure
the unlawful state of exception, in view of the calibration
rule inherent to the principle underlying res judicata. A ju-
risdictional error only congures a state of exception when
it results from an institutional collapse of the Judiciary. The
correct disclosure of implicit norms or the correct control of
discretion does not constitute judicial activism, which only
occurs upon disrespect to the proper exercise of discretion.
Resistance to an erroneous jurisdictional act is not allowed
under the Rule of Law, as a general rule. However, when a
jurisdictional act constitutes a serious injustice, resistance is
allowed without amounting to a breach of the existing law.
RICARDO MARCONDES MARTINS
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 8, n. 2, p. 457-487, maio/ago. 2021.
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SUMÁRIO
1. Introito. 2. Estado de exceção lícito. 3. Poder Judiciário no Estado de Direito. 4. Estado de exceção
ilícito. 5. Ativismo judicial. 6. Resistência no Estado de Direito; 7. Conclusão; 6. Referências.
1. INTROITO
Pedro Estevam Alves Pinto Serrano, constitucionalista da PUC-SP, em estudo pu-
blicado em 2016, apresenta uma tese que, pela sua importância, provoca acuradas re-
exões. Considera que nos países de capitalismo tardio e periférico, como os países da
América Latina, incluído o Brasil, vivencia-se um “estado de exceção permanente” que
convive com um “estado de direito permanente”1. Esse “estado de exceção” é estabele-
cido com base na “gura do inimigo”2: na Alemanha Nazista elegeu-se como inimigo o
judeu, um inimigo étnico; nos Estados Unidos da América, após os atos terroristas de
11 de setembro de 2001, elegeu-se como inimigo o muçulmano, de feição religiosa; na
ditadura militar brasileira elegeu-se como inimigo o comunista; contemporaneamente,
no Brasil elegeu-se a gura mítica do “bandido”, “pobre que vive à margem da popula-
ção economicamente incluída”3. Se, atualmente, nos países desenvolvidos a exceção
geralmente é produzida pelo Legislador, tendo como foco cidadãos estrangeiros, nos
países subdesenvolvidos, arma Pedro Serrano, a principal fonte da exceção é a juris-
dição e tem como foco nacionais4. Em suma, o Judiciário brasileiro seria fonte de um
estado de exceção permanente para um expressivo contingente de brasileiros pobres.
Em homenagem ao Professor Pedro Serrano, jurista de escol, propõe-se subme-
ter sua tese a uma análise crítica. Fixa-se, de início, um ponto de partida: pretende-se
realizar uma reexão sobre o Poder Judiciário e o estado de exceção sob uma pers-
pectiva jurídico-dogmática5, com base em uma compreensão normativista do direito
1
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Autoritarismo e golpes na América Latina. São Paulo: Alameda,
2016, p. 27. Ver, ainda: SERRANO, Pedro Estevam Alves; MAGANE, Renata Possi. A governabilidade de exceção
permanente e a política neoliberal de gestão dos indesejáveis no Brasil. Revista de Investigações Constitu-
cionais, Curitiba, vol. 7, n. 2, p. 517-547, maio/ago. 2020.
2 SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Autoritarismo e golpes na América Latina. São Paulo: Alameda,
2016, p. 69 et seq.
3
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Autoritarismo e golpes na América Latina. São Paulo: Alameda,
2016, p. 99-100.
4 SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Autoritarismo e golpes na América Latina. São Paulo: Alameda,
2016, p. 105 e 143 et seq.
5
A perspectiva dogmática considera certos pontos de partida insuscetíveis de discussão, como a suprema-
cia da Constituição e, em decorrência dela, a invalidade das normas que a contrariam; a perspectiva zetética
não admite pontos que sejam indiscutíveis. Sobre ambas: FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo
do direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 39-51.
Palavras-chave: estado de exceção; Poder Judiciário; es-
tado de defesa; estado de sítio; função jurisdicional.
Keywords: state of exception; Judiciary; state of defense;
estate of siege; jurisdictional function.
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