Poder local e autoridades tradicionais em Angola: desafios e oportunidades

AutorJanaína Rigo Santin - Carlos Manuel dos Santos Teixeira
CargoUniversidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil - Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola
Páginas135-172
Recebido em: 29/09/2019
Revisado em: 16/03/2020
Aprovado em: 03/08/2020
http://doi.org/10.5007/2177-7055.2020v41n85p135
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Poder Local e Autoridades Tradicionais em
Angola: desafios e oportunidades
Local Power and Traditional Authorities in Angola: challenges and
opportunities
Janaína Rigo Santin1
Carlos Teixeira2
1Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil
2Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola
Resumo: A pesquisa procura analisar o Poder
Local em Angola, país situado na África Sub-
saariana, e as instituições que o integram, re-
conhecidas explicitamente na Constitução da
República de Angola de 2010. Entretanto, o
Poder Local e as instituições descentralizadas e
participativas que o compõem necessitam mui-
to mais do que o seu reconhecimento formal.
É preciso desenvolver instituições políticas par-
ticipativas. E esse é o grande desafio da gover-
nação local democrática angolana neste século
XXI.
Palavras-chave: Angola. Participação. Poder
Local.
Abstract: The research seeks to analyze
Local Government in Angola, a sub-Saharan
African country, and its constituent institutions,
explicitly recognized in the 2010’ Angola
Constitution. However, is known that Local
Government and the decentralized and
participatory institutions that compose it require
much more than its formal recognition in
constitutional and legal texts. It is necessary to
develop participatory political institutions. And
this is the great challenge of democratic local
governance in Angolan in this 21st century.
Keywords: Angola. Participation. Local Power.
136 Seqüência (Florianópolis), n. 85, p. 135-172, ago. 2020
Poder Local e Autoridades Tradicionais em Angola: desafios e oportunidades
1 Introdução
O Poder Local em Angola é uma temática que está na ordem do dia,
não só por estar consagrado explicitamente na Constituição da República
de Angola de 2010, mas também pelo fato de, no quadro da edificação do
Estado Democrático de Direito deste país, o Poder Local constituir uma
das fórmulas de participação dos cidadãos na vida pública.
Como sistema de órgãos, serviços e agentes públicos, a Administra-
ção e a Governação Local angolanas, por dever constitucional, devem as-
segurar a satisfação regular e contínua das necessidades de segurança e de
bem-estar dos cidadãos, cujas demandas têm a obrigação de prover. Por
sua vez, como fórmula de exercício do poder, a Administração e a Go-
vernação Local representam uma das melhores oportunidades de envol-
vimento dos cidadãos no processo de tomada de decisões governamentais
naquelas matérias que têm a ver com o seu cotidiano.
A desconcentração prevista constitucionalmente em Angola e os
caminhos rumo ao processo de descentralização são temáticas relevantes
quando se fala em Poder Local. Porém, tanto a desconcentração quanto a
descentralização dependem de políticas públicas eficientes e eficazes, as
quais só poderão se concretizar se acompanhadas da necessária transfe-
rência de recursos humanos e financeiros às unidades mais próximas dos
cidadãos (TEIXEIRA, 2011).
É pois, nos termos da Constitução da República angolana e da le-
gislação infraconstitucional que trata a matéria que se fará a abordagem
teórica sobre a problemática da Administração e Governação Local em
Angola e as instituições que compõem o Poder Local neste país do conti-
nente africano (Autarquias Locais, Autoridades Tradicionais e outras for-
mas de Participação).
2 Angola: antecedentes e contexto geopolítico
Angola é um país que compõe a África Subsaariana meridional,
com mais de 25 milhões de habitantes (RTP NOTÍCIAS, 2018). Seu terri-
tório principal confronta-se ao Norte e ao Nordeste com a República De-
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Janaína Rigo Santin – Carlos Teixeira
mocrática do Congo, ao Leste pela Zâmbia, ao Sul pela Namíbia e, ao
Oeste pelo Oceano Atlântico. Além disso, possui um território descontí-
nuo mais acima, envolto pelo Congo, denominado Província de Cabinda.
Assim como no Brasil, Angola foi colonizada por Portugal, tendo o por-
tuguês como língua oficial e diversas outras línguas tradicionais locais, as
quais convivem mutuamente.
Conforme apontam dados do Consulado de Angola (2019) em São
Paulo, o território de Angola era habitado desde a pré-história, mas só mi-
lhares de anos depois, na proto-história, instalaram-se os povos bochmanes,
grandes caçadores, com estatura pigmoide e claros, de cor acastanhada.
Por sua vez, no início do século VI d.C., os Bantu, povos de cor negra
vindos do Norte (provavelmente da atual República dos Camarões), em-
preenderam uma grande e longa migração que perdurou por séculos e
gerou diversos grupos, que se estabilizaram em etnias, as quais perdu-
ram até a atualidade. Tecnologicamente inseridos na Idade dos Metais,
os Bantu, ao chegarem em Angola, encontraram os Bochmanes e outros
grupos mais primitivos, impondo-lhes facilmente a sua tecnologia nos do-
mínios da metalurgia, cerâmica e da agricultura1.
O antigo Ndongo, como a grande maioria dos potentados africanos,
tinha seus limites estabelecidos por acidentes geográficos. Os rios
Kuanza e Lukala eram suas fronteiras naturais, habitadas por povos
ambundu falantes de kimbundu. Os habitantes do Ndongo tinham
como principais atividades a agricultura, o pastoreio e a fabricação
de ferramentas e utensílios de materiais variados, onde se destaca-
vam as técnicas de metalurgia relacionadas ao ferro. (CARVALHO,
2011a, p. 2)
1 “De acordo com Jan Vansina, o povoamento do Ndongo foi provocado por uma
principal leva migratória, que se extinguiu antes do ano 1100. Já para David Birmingham
ocorreram diferentes levas migratórias sucessivas responsáveis por esse povoamento, que
segundo o autor extrapolaram a datação considerada por Jan Vansina. Em nossa pesquisa
consideramos a existência de um principal deslocamento populacional, como sugere Jan
Vansina, mas não descartamos a permanência desses luxos migratórios mesmo após o
ano 1100.” (CARVALHO, 2011a, p. 2)

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