O poder regulamentar do TSE na jurisprudência do Supremo

Os Poderes da República são, nos termos do artigo 2º da Constituição Federal de 1988, independentes e harmônicos[1]. Enquanto ao Legislativo e ao Executivo compete criar e administrar as leis, a responsabilidade do Judiciário é aplicar os direitos e deveres. Em que pesem a indelegabilidade e exclusividade de competências de cada um dos Poderes, o Código Eleitoral[2], a Lei das Eleições[3] e a Lei dos Partidos Políticos[4] autorizam o Tribunal Superior Eleitoral a expedir instruções convenientes à execução da lei eleitoral.

O Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre a aparente contradição entre separação dos Poderes e poder regulamentar da Justiça Eleitoral no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade 3.999/DF e 4.086/DF, cuja discussão ocorreu a partir das resoluções 22.610[5] e 22.733[6], por meio das quais o Tribunal Superior Eleitoral regulamentou a perda do mandato parlamentar por infidelidade partidária.

As resoluções são atos normativos editados pelo Plenário do Tribunal Superior Eleitoral com o objetivo precípuo de regulamentar, organizar e executar as eleições na dinâmica que o processo eleitoral demanda. De acordo com a lição de Manuel Carlos de Almeida Neto, “o poder regulamentar e normativo da Justiça Eleitoral deve ser desenvolvido dentro de certos limites formais e materiais. Os regulamentos eleitorais só podem ser expedidos segundo a lei (secundum legem) ou para suprimir alguma lacuna normativa (praeter legem). Fora dessas balizas, quando a Justiça Eleitoral inova em matéria legislativa ou contraria dispositivo legal (contra legem), por meio de resolução, ela desborda da competência regulamentar, estando, por conseguinte, sujeita ao controle de legalidade ou constitucionalidade do ato”[7]. Embora situada em nível hierarquicamente inferior, a instrução é dotada da mesma eficácia geral e abstrata atribuída às leis — a chamada “força de lei”.

A função regulamentar remete ao Decreto 22.076/32, considerado o primeiro Código Eleitoral, cujo artigo 5º instituiu a Justiça Eleitoral com competência para “fixar normas uniformes para a aplicação das leis e regulamentos eleitorais, expedindo instruções que entenda necessárias”. Por mais que a função regulamentar da Justiça Eleitoral não consista propriamente em novidade, a controvérsia mantém-se viva na doutrina devido à circunstância de a Constituição de 1988 não prever taxativamente essa competência, ao contrário das Constituições anteriores, que atribuíam implicitamente à Justiça Eleitoral a prerrogativa de adotar ou propor as previdências necessárias à realização das eleições.

De um lado, Eneida Desiree Salgado entende inconstitucional a atuação regulamentar da Justiça Eleitoral ao argumento de que, sem a previsão expressa no texto constitucional e em se tratando de função atípica, não se deveria chancelar a possibilidade de elaboração de normas, ainda que secundárias, pelo Poder Judiciário[8]. Por outro lado, Clèmerson Merlin Cléve argumenta que a função regulamentar foi, sim, recepcionada na nova ordem por força do artigo 121 da Constituição, que reserva à lei complementar “a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”[9].

Ao longo dos pleitos, as resoluções prestaram-se como ferramenta essencial à evolução do arcabouço legislativo eleitoral[10]. Na Resolução 22.610, 25 de outubro de 2007, o Tribunal Superior Eleitoral consolidou e imprimiu efeitos vinculantes à jurisprudência sua e do Supremo Tribunal Federal em torno da infidelidade partidária, disciplinando as hipóteses de justificação de desfiliação do partido político, as sanções para a desfiliação sem justa causa, o rito a ser observado, os prazos e legitimados ao ajuizamento da ação de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária.

A Resolução TSE 22.610 foi editada a partir da resposta à Consulta 1.398[11]. Em divergência com o posicionamento até então dominante no Supremo Tribunal Federal, cuja jurisprudência entendia que o mandato era de titularidade do candidato eleito[12], o Tribunal...

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