Poderes de efetivação e a inconstitucionalidade da parte final do inciso iv do artigo 139 do cpc de 2015

AutorJosé Carlos Baptista Puoli
Páginas373-389
PODERES DE EFETIVAÇÃO
E A INCONSTITUCIONALIDADE
DA PARTE FINAL DO INCISO IV
DO ARTIGO 139 DO CPC DE 2015
José Carlos Baptista Puoli
Professor Doutor de Direito Processual Civil da USP. Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. A execução civil como instrumento processual de aplicação de
sanções jurídicas – 3. A incorporação, pelo Processo Civil brasileiro, de técnicas executivas
“coercitivas” – 4. O Artigo 139, inciso IV do CPC. Justicativas, alcance legítimo de sua parte
“inicial” e inconstitucionalidade da parte “nal” da regra (quanto à autorização para tomada
de medidas coercitivas atípicas na execução de obrigação pecuniária) – 5. O precedente da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (Recurso em Habeas Corpus 97.876-SP) – 6.
Conclusão – 7. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
Na fase instrumentalista do estudo do processo civil, a doutrina tem proclamado
que a função da ciência processual não pode se esgotar “apenas” com o propiciar
acesso amplo à jurisdição, tendo-se também de buscar modos para garantir que haja,
no máximo quanto possível, uma decisão de mérito. Fala-se, ainda, da necessidade
de o processo ir além destas duas importantes metas se preocupando, também, com
a produção efetiva dos resultados práticos buscados por quem se viu na necessidade
de pedir solução judicial para questão conf‌lituosa não resolvida amigavelmente no
dia a dia “da vida”. Neste sentido Cândido Dinamarco menciona o “processo civil
de resultados”1, numa expressão simples e muito adequada para retratar que o pro-
cesso tem de se aperfeiçoar, mais e mais, para bem realizar esta missão, qual seja a de
contemplar técnicas e instrumentos necessários para fazer com que o “conteúdo”
da decisão de mérito tenha aptidão para transformar a realidade dos litigantes, “en-
tregando” o bem da vida a quem de direito.
Para tanto, a percepção sobre ser o processo civil um instrumento para realização
do direito material tem, entre outras diversas repercussões, a de que o juiz seja dotado
de mais elevada quantidade de poderes para realizar as três “macro” tarefas acima
1. In, “Instituições de Direito Processual Civil”, vol. I, p. 110, em especial p. 111, quando o autor, citando
Chiovenda, af‌irma que o “na medida do que for praticamente possível, o processo deve propiciar a quem
tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de receber... o processo vale pelos
resultados que produz na vida das pessoas”.
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identif‌icadas. Foi neste contexto que, em escrito de 2002, tive a oportunidade de
mencionar ser, naquela ocasião, “inquestionável a conclusão sobre terem os poderes
do juiz crescido muito em nosso ordenamento, numa tropia que, por certo, não pode
ser tida, ainda, como estabilizada”2. Longos anos se passaram desde então e aquela
previsão tem sido conf‌irmada no âmbito da legislação, da doutrina e da jurispru-
dência, sendo certo estarem, hoje, não apenas os processualistas, mas os operadores
do Direito em geral, e especialmente os juízes, conscientes desta realidade, posto
ser esta uma das características marcantes de nosso tempo, em que o juiz não é mais
um mero espectador do litígio, sendo, isto sim, um agente “ativo”, por interessado
em bem aplicar a lei, pacif‌icar o conf‌lito apresentado para sua análise e, quando
necessário, utilizar dos instrumentos legalmente postos à sua disposição para fazer
com que sejam realizados os resultados práticos preconizados pelo direito material.
Neste âmbito se insere esta singela homenagem a Walter Piva Rodrigues, Dou-
trinador e Magistrado que, seguindo os passos de José Inácio Botelho de Mesquita,
fez do Magistério prof‌issão de fé, em que, por toda uma carreira, tem transmitido aos
alunos da nossa amada Faculdade de Direito do Largo de São Francisco não apenas
a paixão pelo estudo do processo civil, como também a necessidade de se manter
um modo humano e sempre gentil de tratar com seus semelhantes. E, no tocante ao
estudo do processo, o Professor Piva Rodrigues já teve oportunidade de mencionar a
necessidade de se analisar as “situações de instabilidade interpretativa geradas pelas
reformas”3 das leis processuais, em advertência sábia, que me animou a escolher o
tema tratado neste texto, qual seja a análise de regra da Lei nº 13.105/2015 em que,
ao advento do vigente Código de Processo Civil brasileiro, se pretendeu “aumentar”,
ainda mais, os poderes do juiz.
Esta questão já havia chamado minha atenção nos idos de 2016, sendo que,
agora, por conta da polêmica jurisprudencial e doutrinária existente a respeito do
tema, bem como em vista de recente julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça4, me parece haver renovada necessidade de análise da questão. Assim sen-
do e nos limites de um artigo será analisado aqui o inciso IV do artigo 139 do CPC
que, de um lado, contém em sua parte inicial norma que bem se insere no espírito
da instrumentalidade do processo, especif‌icando a possibilidade de serem adotadas
medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial”, visando à realização adequada da
execução de obrigações de fazer, não fazer e de entrega de coisa. Enquanto que, de
outro lado, se equivocou o legislador ao, em redação “muito ampla” permitir (sem
qualquer ressalva limitadora que pudesse bem especif‌icar a hipótese de incidência da
parte f‌inal da norma) que tais tipos de providências sejam determinados “inclusive
nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
2. In, “Os Poderes do Juiz e as Reformas do Processo Civil”, p. 213.
3. In, “Execução de Prestação Alimentícia: Alterações legislativas, Jurisprudência e Questões Procedimentais”,
p. 190.
4. Recurso em Habeas Corpus nº 97.876-SP, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão e julgado em 5/6/2018.
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