Poderes, saberes e colonialidade na compreensão crítica da 'deficiência': entre o normal e o patológico

AutorLucimara Lopes Keuffer Mendonça, Karine Gonçalves Carneiro
Páginas85-102
PODERES, SABERES E
COLONIALIDADE NA COMPREENSÃO
CRÍTICA DA “DEFICIÊNCIA”
ENTRE O NORMAL E O PATOLÓGICO
Lucimara Lopes Keuffer Mendonça1
Karine Gonçalves Carneiro2* *
“Deixar de ser louco é aceitar ser obediente, é poder ganhar a vida,
reconhecer-se na identidade biográfica que formaram de vocês, é parar de
sentir prazer com a loucura”
(FOUCAULT, 2012, p.206)
Resumo: O presente trabalho busca, pela aplicação do método
genealógico de base foucaultiana, analisar criticamente o conceito
de “deficiência” que, cunhado historicamente num contexto de
dominação e hierarquia – alicerçado em redes de poderes e saberes
sob um viés de colonização do outro – produziu o assujeitamento de
pessoas e a criação da “deficiência” como patologia. Na dicotomia
criada entre o normal e o patológico, foi desenhada a sustentação
da conceituação de anormalidade. Neste trabalho, entretanto,
buscaremos mostrar que a anormalidade é uma forma de
domesticação das diversidades, encobertas e invisibilizadas por
mecanismos hierárquicos e classificatórios que rechaçam as
diferenças nos processos de constituição de sujeitos. Os saberes e
poderes, nesse contexto, serão a forma de caracterizar a
normalidade e serão avaliados pelo espectro da colonialidade,
levada a cabo por mecanismos, táticas e estratégias, ou seja, de
práticas discursivas e não discursivas que se apresentam, entre
outras, como instituições, esquemas de comportamento e formas
pedagógicas que incidem sobre a compreensão do que é a
“deficiência”.
Palavras-chave: Deficiência. Genealogia. Relações de Poderes e
Saberes. Colonialidade.
1. Introdução
A colonialidade do saber e do poder está relacionada, de um
modo geral, e entre outros aspectos, ao exercício hierárquico, de
base positivista e universalista, de classificar pessoas e de criar
perfis de subjetividade que, para “inventar o outro”, opera por meio
de mecanismos de saberes e poderes para construir tais
representações (CASTRO-GOMES, 2005). De modo mais
específico, no caso deste artigo, investigaremos como a
classificação dicotômica e binária, criada para estabelecer a cisão
entre o normal e o patológico, foi sustentada por práticas discursivas
e não discursivas gestadas e aplicadas por redes de poderes e
saberes hegemônicas e normalizadoras.
Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é – tendo-se em vista
a necessidade de um recorte na miríade dos mecanismos de
poderes e saberes relacionados a este tema –, abordar e dar
visibilidade a um conceito de extrema relevância para a
compreensão daquilo que foi estabelecido como “normal” ou como
“patológico”, a saber, o conceito de “deficiência”. Tomaremos,
portanto, essa própria definição como o foco de análise e, através
de um exercício genealógico, buscaremos identificar os mecânicos,
estratégias e táticas de poderes e saberes que, no âmbito da
colonialidade do saber e do poder, assujeitaram as pessoas, pela
“deficiência”, por meio de operações de normalização. Para tal,
buscaremos: compreender a hierarquia estabelecida entre os
saberes científicos e os saberes sujeitados ou comuns para, nesse
contexto, situar os conceitos de normal e de patológico; identificar
como a noção de colonialidade do saber e do poder pode contribuir
para uma crítica das relações de poderes e saberes hegemônicas
sobre a “deficiência”; e, finalmente, analisar, criticamente, o conceito
de “deficiência” para verificar se sua redefinição, com base no
atendimento à diversidade, pode trazer formas de romper com essa
hierarquia de poderes e saberes.

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