Políticas Públicas para a Saúde Mental no Trabalho

AutorRoberto Portela Mildner
Páginas208-219

Page 208

1. Introdução

O direito subjetivo de todo trabalhador ao exercício de suas atividades em ambiente laboral hígido implica as necessárias formulação e readequação permanente de políticas sociais que efetivamente assegurem a promoção plena de saúde. E, sob tal aspecto, a Declaração Sociolaboral do Mercosul foi pródiga ao contemplar expressamente a preservação da saúde mental para a consecução de tão importante desiderato.

Isso porque o contexto atual do mundo do trabalho tem sido responsável por uma grande elevação da incidência de doenças relacionadas ao trabalho, especialmente o adoecimento e o sofrimento psíquico. Desse modo, talvez mais do que em qualquer outra época, caracteriza um problema de saúde pública a exigir ações integradas e contínuas, mediante políticas públicas consentâneas que envolvam os mais distintos atores sociais envolvidos.

Adorno Junior e Nascimento (2009, p. 105) sintetizam com muita propriedade a ideia de que o trabalho é um dos caminhos mais propícios para estimular positivamente a saúde mental

Page 209

do indivíduo, na medida em que o trabalho constitui "meio de produção, de subsistência e de valorização da capacidade e da criatividade humanas".

Em outras palavras, como sublinha Jardim (2011, p. 90), "se o trabalho não é o nosso único valor, ocupa sem dúvida certa centralidade tanto em relação à subsistência, quanto à inserção social e à constituição subjetiva", envolvidos em um mesmo laço, que deve ser tão harmonioso quanto possível.

Como bem assevera Pinto (2011, p. 658), há que se considerar que "os males psíquicos são imensamente mais difíceis de identificar, interpretar e combater" do que as anomalias estritamente físicas. E tal se dá não apenas pelo fato de os males psíquicos terem origem em um fenômeno socioeconômico de equacionamento ainda incompleto, como em virtude de os mesmos evoluírem "dentro da espessa névoa que, apesar dos progressos, ainda envolve as engrenagens da mente humana".

Nunca é demais lembrar que a atual Carta de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a fazer referência explícita à saúde como integrante do interesse público fundante do pacto social, ao proclamar, em seu art. 196, que "a saúde é um direito de todos e dever do Estado", direito esse a ser "garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (grifou-se).

De tal sorte que o cumprimento de tamanha responsabilidade social e política assumida pelo Estado em todas as esferas de governo implica a formulação e a implementação de políticas públicas que tenham como finalidade a efetiva melhoria das condições de vida e saúde dos diversos grupos da população, privilegiando-se sempre um princípio tão caro à saúde coletiva: o da prevenção.

Outrossim, estima-se que atualmente haja nada menos do que 350 milhões de pessoas no mundo padecendo de depressão, conforme dados constantes do sítio da Organização Mundial da Saúde (OMS) na rede mundial de computadores, divulgados por ocasião do 20º aniversário do Dia Mundial de Saúde Mental, celebrado dia 9 de outubro passado (http://www.who.int/mediacentre/ news/notes/2012/mental_health_day_20121009/es/ Acesso em: 5.11.2012). Para alguns, a exemplo de Jardim (2011), trata-se do "mal do século", relevando notar que essa é apenas uma das diversas doenças ou enfermidades mentais relacionadas ao trabalho.

Deve-se atentar, ainda, para o crescente consumo atualmente verificado de álcool ou drogas, de forma induzida ou acentuada pelo trabalho, que tantos males inflige à vítima e sua família. Como é consabido, desde 1967 a OMS considera o alcoolismo como sendo uma patologia, tendo sido diagnosticado o aumento do consumo de álcool ou mesmo drogas em razão de aspectos relacionados a condições de trabalho como um todo, bem como à própria organização do trabalho.

Além disso, os agravos à saúde decorrentes de adoecimento mental em geral também demandam atendimento continuado em serviços públicos e têm motivado o afastamento do trabalho e a aposentadoria por invalidez de muitos trabalhadores do setor formal de trabalho, contribuindo de forma nefasta para o absenteísmo e representando considerável custo social.

Não há dúvida de que o processo saúde-doença é socialmente influenciado, como, aliás, já havia sido demonstrado por Bernardo Ramazzini, médico de Módena. Sua obra pioneira denominada De Morbis Artificium Diatriba, publicada em 1700, dedicou-se não apenas a estudar as condições mórbidas das profissões, mas também relacionou as atividades, as doenças derivadas e as medidas de prevenção e tratamento, sendo síntese de todo o conhecimento sobre a doença ocupacional e, também, terreno para novas investigações.

Page 210

Nessa senda, o binômio saúde-doença não pode ser analisado fora do contexto de trabalho no qual ocorre, assim como não pode ser considerado excluído o sujeito que sofre, no caso, o trabalhador. "Os processos de subjetivação estão intrinsecamente associados ao trabalho, uma vez que o trabalho é o suporte central de manutenção da vida e de significação do eu no coletivo", consoante anotam Nardi e Ramminger (2012, p. 378).

Por outro lado, deve ser combatida a cômoda concepção corrente em torno da naturalização da ideia de que o trabalho produz sofrimento e que tal situação não pode ser mudada, "como se isso fosse um destino, uma determinação inquestionável e intransponível, cujo curso seria impossível de ser modificado", como destacam Paparelli, Sato e Oliveira (2011, p. 119). Ao contrário, impositivo reafirmar que o trabalho deve ser sempre fonte de vida e não de adoecimento ou morte, promovendo o crescimento humano individual e coletivo e desempenhando dúplice papel de direito humano fundamental e de base da organização social.

Assim, o presente artigo propõe analisar o estado da arte das políticas públicas pátrias para saúde mental no trabalho, abordando-se especialmente a normatização vigente sobre a temática na esfera das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho (NRS) expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, como também no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST).

Com base em pesquisa normativa e bibliográfica, são enfocados aspectos relativos à formulação de políticas públicas consentâneas e específicas, direcionadas para a promoção e a proteção da saúde mental plena no trabalho. Para tanto, foi realizada pesquisa na base scielo ( Acesso em: 5.11.2012), utilizando-se os descritores "saúde mental" e "trabalhador", na qual foram encontrados 35 artigos e utilizados 9, sendo os demais descartados por tratarem de questões específicas. Além disso, também foram analisados artigos contidos nos v. 35 e 36 da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, que abordam especificamente a temática, bem como obras doutrinárias publicadas.

2. Aspectos relacionados à saúde mental no trabalho constantes de normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho (nrs)

Considerando os reflexos que são naturalmente produzidos entre os direitos previdenciários e trabalhistas, cumpre inicialmente registrar o advento do Decreto presidencial n. 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social), o qual criou amplo rol de doenças ocupacionais e inovou positivamente em muitos aspectos, como salienta Fonseca (2003), inclusive prevendo um capítulo específico para contemplar os "Transtornos Mentais e do Comportamento Relacionados com o Trabalho", dentro do Anexo II.

Outra não é a conclusão de Glina et al. (2001 p.609), para quem esse Decreto "representa um avanço, mas traz um desafio: reconhecer, diagnosticar e fazer o nexo causal dos transtornos mentais com o trabalho". De qualquer forma, foi a partir desse normativo que a legislação pátria passou a expressamente reconhecer que esforços no trabalho podem propiciar desequilíbrios de ordem mental, operando-se efeitos previdenciários em virtude de benefícios acidentários por diagnóstico de transtornos mentais.

A análise de Borsoi (2007) reconhece os avanços, mas pontua que isso ainda não assegurou aos trabalhadores respaldo suficiente para a fruição de benefícios previdenciários por adoecimento psíquico provocado em situação laboral, além de os avanços também não terem resultado, ainda, em mudanças efetivas e em maior escala nas condições objetivas e na organização do trabalho.

Page 211

Feito esse breve introito, na seara trabalhista evidencia-se que as Normas Regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho (NRS) expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego efetivamente não abordam a temática da saúde mental no trabalho de forma específica.

As normas de segurança e saúde no trabalho - correntemente denominadas Normas Regulamentadoras ou NRS - ingressam no ordenamento jurídico em decorrência de portarias editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no exercício da competência prevista no art. 200 da CLT, o qual, por sua vez, foi recepcionado pela nova ordem constitucional, sobretudo diante do contido no art. 7º,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT