A política de inclusão dos catadores de resíduos sólidos: um estudo na cidade de Fortaleza / Waste pickers inclusion policies: a case study in the city of Fortaleza

AutorAna Virginia Moreira Gomes, Francisco de Assis Aragão Neto
CargoProfessora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional e do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza. Pós-Doutorado na School of Industrial and Labor Relations da Cornell University (2007). Coordena o Núcleo de Estudos em Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidade de Fortaleza. E-mail: avmgomes@gmail.com - Mestre em...
Páginas2947-2987
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.29922
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 4. ISSN 2317-7721 pp. 2947-2987 2947
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O objetivo do presente artigo é examinar se políticas de inclusão dos catadores de resíduos em
sistemas de coleta e destinação final ambientalmente adequada de materiais é acompanhada
de direitos que garantam a melhoria de suas condições de trabalho. Trata-se de uma pesquisa
de campo, de natureza qualitativa, levada a efeito por meio de entrevistas com catadores em
dois empreendimentos solidários do município de Fortaleza. As visitas realizadas indicam que,
além das condições de trabalho degradantes, os trabalhadores organizados não auferem o
salário mínimo mensal. A inclusão dos catadores nos sistemas de gerenciamento de resíduos
por normas ambientais não lhes assegura nenhum direito trabalhista. Essa política continua a
possibilitar a utilização de um trabalhador vulnerável para realizar uma atividade de
competência municipal. O estudo conclui que a melhoria das condições de trabalho dos
catadores em um patamar de dignidade e segurança ocorrerá somente quando os sujeitos que
se beneficiam da atividade desses trabalhadores se responsa bilizarem por essa melhoria.
- Políticas de Inclusão; Catadores de Resíduos; Organizações Coletivas;
Gerenciamento de Resíduos; Aterros Sanitários.
Este trabalho contou com o apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FUNCAP) na elaboração de dissertação de mestrado na qual se baseia o trabalho.
2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional e do Curso de Direito da
Universidade de Fortaleza. Pós-Doutorado na School of Industrial and Labor Relations da Corne ll
University (2007). Coordena o Núcleo de Estudos em Direito do Trabalho e Seguridade Social na
Universidade de Fortaleza. E-mail: avmgomes@gmail.com
3 Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Bolsista da Fundação
Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP). E-mail:
assisaragao@outlook.com
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The purpose of this paper is to examine whether waste pickers inclusion policies systems are
accompanied by rights to ensure the improvement of their working conditions. The paper
develops a qualitative research, carried out through interviews with waste pickers in two
collective organizations in the city of Fortaleza. The analysis indicate that, in addition to
degrading working conditions, associated workers do not receive the minimum wage. The
inclusion of waste pickers in waste management systems through environmental standards
rules does not guarantee them any labour rights. This policy still allows the use of vulnerable
workers to perform an activity of municipal competence. The study concludes that improving
waste pickers working conditions at a level of dignity and security will occur only when the ones
who benefit from the activity of these workers are hold accountable for that improvement.
Inclusion Policies; Waste Pickers; Collective Organizations; Waste Management;
Landfills.
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Com o processo de urbanização e o aparecimento das primeiras epidemias em
decorrência do acúmulo inadequado de lixo, a limpeza urbana tornou-se um desafio. A
sociedade fundada no consumo crescente gerou a produção de resíduos e rejeitos na mesma
proporção. O reconhecimento de que essa geração descontrolada afeta tanto o meio ambiente
equilibrado, quanto a saúde coletiva, criou para o poder público a responsabilidade da gestão
desses resíduos, além da obrigação com a limpeza urbana. No Brasil, pode-se observar um
desenvolvimento significativo no conjunto de políticas que tratam da gestão de resíduos tanto
no âmbito federal, quanto estadual e municipal. No entanto, argumentando a falta de recursos,
grande parte das cidades ainda não efetivaram os princípios e as metas estabelecidas pelas
normas ambientais, por exemplo no que concerne ao f echamento dos lixões.
Atestando essa inércia pública (e também da própria sociedade), a coleta e reciclagem
de resíduos, quando realizada, ainda é feita de modo predominantemente informal por
trabalhadores em condições de extrema precariedade, os catadores de resíduos. Em síntese, o
poder público se esquiva de sua obrigação de gerir os resíduos e evitar a crescente degradação
ambiental provocada por lixões e aterros sanitários, e admite que essa tarefa seja realizada por
catadores em condições abaixo de um patamar d e trabalho decente.
O trabalho na catação de resíduos tem sua origem no processo de urbanização, na
década de 1950, quando foi possível identificar no Brasil um intenso fluxo migratório da
população rural em direção às cidades, movimento conhecido como êxodo rural. Os retirantes
rurais, atraídos pelo desenvolvimento industrial, passaram a viver nas metrópoles em uma
situação de informalidade e precariedade: postos informais de trabalho, habitações precárias e
insegurança alimentar.
Foi nessa conjuntura social que despontou uma classe marginalizada de trabalhadores,
popularmente conhecida como “catadores de lixo”4 que, atendendo à necessidade urbana de
recolhimento do material descartado, passou a executar a catação como estratégia de
sobrevivência.
Desde então, os catadores continuam nas ruas das cidades brasileiras, desempenhando
uma função ambiental essencial, na medida em que, além de devolverem os materiais
4 A expressão “catador de lixo” é uma designação anacrônica. Atualmente, termos depreciativos estão
sendo substituídos por outras denominações que remetam a uma identidade positiva do trabalhador, tais
como “catador de material reciclável” ou “catador de resíduos sólidos”.

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