Política migratória no Brasil de Jair Bolsonaro: 'perigo estrangeiro' e retorno à ideologia de segurança nacional

AutorJosé Aurivaldo Sacchetta Ramos Mendes - Fábio Bensabath Bezerra de Menezes
CargoDoutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) - Graduando no Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, área de Relações Internacionais, Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Páginas302-321
Cadernos do CEAS, Salv ador/Recife, n. 247, p. 302-321, mai./ago., 2019 | ISS N 2447-861X
POLÍTICA MIGRATÓRIA NO BRASIL DE JAIR BOLSONARO: “PERIGO
ESTRANGEIRO” E RETORNO À IDEOLOGIA DE SEGURANÇA
NACIONAL
Migration Policy in Jair Bolsonaro’s Brazil: “Foreign Danger” and the Return to the
Ideology of National Security
José Sacchet ta Ramos Mendes (UFBA)
Fábio Bensabath Bezerra de M enezes (UFBA)
Informações do artigo
Recebido em 30/07/2019
Aceito em 16/08/2019
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n247.p302-321
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Como ser citado (modelo ABNT)
MENDES, José Sacchetta Ramos; MENEZE S, Fábio
Bensabath Bezerra de. Política migratória no Brasil de
Jair Bolsonaro: “perigo estrangeiro” e retorno à
ideologia de segurança nacional. Cadernos do CEAS:
Revista Crítica de Humanidades. Salvador, n. 247,
mai./ago., p. 302-321, 2019. DOI:
https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n247.p302-321
Resumo
A polí tica migratória do governo de Jair B olsonaro retomou o
paradigma d a segurança nacional, e m opo sição ao mod elo
garantidor dos direi tos humanos. A pe rspectiva re mete ao
Estatuto do Estrangeiro, marco regulatório do Regime Militar de
1964, e opõe -se à Nova Lei de Migração, aprovada em 2017. Ao
tomar posse, Bolsonaro retirou o Brasil do Pacto Global para a
migração, acordo internacional que propõe a construção de uma
governança migratória mundial. A medida sinalizou o
alinhamento com o presidente norte-americano Donald Trump
e out ros líde res antimigr antistas. Este arti go apresen ta um
levantamento das diretrizes sobre mi grações internacionais e
refúg io adotadas nos pr imeiros meses da presidência de Jair
Bolsonaro. A pe squisa uti lizou reg istros conte mporâneos a
partir d e textos l egais, fonte s oficiais, acadêmicas e de
imprensa. A ideia é reun ir e i nterpretar di scursos, ações e
propostas atuais sobre a te mática mig ratória, desde a
campanha presidencial e a abertura do governo Bolsonaro, a
setembro de 2 019, termo da pesquisa. O objetivo é i dentificar
mudanças e compreender o desenho institucional das políticas
migratórias em adoção no Brasil.
Palavras-chave: Migração. Refúgio. Polí tica Migratória.
Legislação. Direitos Humanos. Jair Bolsonaro.
Abstract
The mi gration pol icy of Jair Bolsonaro’s Brazil admini stration
resumed the national security paradigm, opposed to the human
rights mode l. The outlook refers to the Fo reigners Statute, a
regul atory framework of the 1964 Mil itary Dictatorship, and
opposes the Migr ation Law, adopte d i n 2 017. Bo lsonaro
removed Brazil from the Global Migration Pact, an international
agreement proposing the building of a migration gover nance.
The move signaled Bolsonaro’s alignment with US President
Donald Trump and o ther anti -immigrant leaders. Thi s article
presents a surve y of the guidel ines on international migration
and refuge adopted in the early months of Jair B olsonaro's
presiden cy. The research used contemporary records from legal
texts, offi cial, academic and press sources. The idea is to gather
and i nterpret curr ent speeches, actions and proposals on
migrations, since the presidential campaign and the opening of
the Bolsonaro government until September 2019. The objective
is to identi fy changes and to understand the institutional design
of the migr atory policies being adopted in Brazil.
Keywords: Migration. Refuge. Migration Policy. Legislation.
Human Rights. Jair Bolsonaro.
Cadernos do CEAS, Sal vador/Recife, n. 247, p. 302-321, jan./abr., 2019
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Política migratória no Brasil de Jair Bolsonaro... | José Sacchetta R. Mendes e Fábio Bensabath B. de Menezes
Migração como direito fundamental
Uma guinada regressiva na p olítica do Est ado brasileiro pa ra as mig rações marca o
início do mandato presi dencial de Jair Messias Bolsonaro. A edição da nova Lei d e Migração
um ano e meio antes de sua poss e estabeleceu que emigrar/imigrar é um direito fundamental
reconhecido pela soci edade e inscrito no ordenamento jurídico. A legisla ção posicionou o
respeito aos direitos humanos, em amplo senso e de modo inequívoco, como princípio
norteador da questão e o so brepôs ao paradigma de segurança nacional. Revogou assim, na
integralidad e, o Est atuto d o Estrangeiro, marco regulatório para os d eslocamentos
internacionais estabeleci do pelo Regime Militar de 1964.
A ascensão de Bolsonaro à presidência da República, em janeiro de 2019, interrompeu
o p rocesso de mudanças inst itucionais nessa matéria e ressal tou a persp ectiva securitária,
segundo a qual a entrada e presença de migrantes no país requerem vigilância e controle
polici al. Ainda em 2015, quando era deputado federal, Bolsonaro qualificou os migrantes e
refugiados que chegam no B rasil como “ameaça” e “escória do mundo”. Em suas p alavras,
eventual redução no efetivo das Fo rças Armadas sig nificaria “menos gente nas ruas para
fazer frente aos marginais do MST, d os h aitianos, s enegaleses , bolivianos e t udo que é
escória do mundo que, agora, está chegando, os sírios também” (VITOR, 2015). A declaração
foi dada em um evento sobre Justiça Criminal, em Goiânia.
Eleito presi dente, aquela visão passo u a s er reproduzida em atos o ficiais e
documentos, como a Portaria nº 666 de 25.07.2019, do Ministério da Justiça e Segurança
Pública. O dispos itivo faz menção a “p essoa perigos a” para se referir ao mig rante que será
impedido de ingressar no país ou que poderá ser repatriado , deportado sumariamente ou ter
cancelada a permissão de permanência. Seu artigo 2º informa que consid era perigosos
“aqueles suspeito s de envolvimento” em um rol de delito s listad os p ela própria norma.
Retoma, nesses termos, a desconfiança sobre o migrante, conforme o antigo p aradigma de
segurança nacional que fundamentava o Estat uto do Estrangeiro. Para os fins que a Portaria
n° 666 propõ e, a suspeição basta para o enquadramento legal (BRASIL, 2019-a).
Desde a redemocratização brasi leira, setores da s ociedade iniciaram uma t rajetória
de d efesa dos d ireitos dos migrantes. Esse processo p olítico-inst itucional levou à
transformação do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) em órgão de decisão particip ativa
e criou o Conselho Nacional para os Refugiados (Conare), em 1997. A Constituição Federal de

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