Política pública de informações e abertura de dados: qual o limite para a privacidade de dados cadastrais nas 'cidades inteligentes'?

AutorTomás Wissenbach
Páginas46-62
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POLÍTICA PÚBLICA DE INFORMAÇÕES E ABERTURA
DE DADOS: QUAL O LIMITE PARA A PRIVACIDADE DE
DADOS CADASTRAIS NAS “CIDADES INTELIGENTES”?
TOMÁS WISSENBACH
INTRODUÇÃO
A evolução das tecnologias da informação e da comunicação tem colo-
cado em relevo os potenciais e os riscos de uma ampla coleta de dados,
inclusive os pessoais, no âmbito da gestão urbana. Não à toa, pois prati-
camente todas as dimensões das relações sociais na cidade passaram a ser
permeadas por mediações tecnológicas, seja no âmbito privado, na oferta
de serviços públicos ou na interação do cidadão com o estado. Em suma,
passam a permear as interações entre consumidores e empresas, burocracias
e prestadores de serviço, entre cidadão e governos.
São muitos os exemplos do imenso volume de informações, os famosos
big data, gerados por essas interações. Os dispositivos móveis com loca-
lizador e GPS permitem armazenar informações sobre trajetos, caminhos
e rotinas. As buscas por serviços, geolocalizadas, dão ao setor privado
ampla possibilidade de identificar e prever padrões de comportamento
deslocamento e as preferências de todos nós. O próprio uso de serviços
públicos fornece incontáveis dados que, a princípio, fortalecem a capacidade
estatal de planejamento: se antes, para saber o padrão de mobilidade do
cidadão era preciso realizar custosas pesquisas de origem-destino, agora
os dados dos usuários de transporte público são armazenados e cadastra-
dos eletronicamente, com imensos potenciais para as políticas públicas.
Há ainda os mecanismos de consultas públicas e participação digital, que
abrem novas possibilidades de incidência do cidadão nas políticas públicas
e os sistemas de gestão da zeladoria urbana, que oferecem a possibilidade
simultânea de acompanhamento e controle das atividades pelo gestor e a
melhor alocação de recursos em relação às demandas da cidade.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 47
Não há dúvida de que existe uma transformação em curso, que está
mudando e mudará as dinâmicas das cidades. A intensidade e a novidade
desse fenômeno têm levado a muitos pesquisadores a indagar: afinal,
qual o sentido dessas transformações? Tornarão as cidades mais justas
e democráticas ou aprofundarão as desigualdades e a concentração de
poder e riqueza?
Esse campo de possibilidades tem levado a projeções de impactos positi-
vos das novas tecnologias para as cidades e para o planejamento urbano e
que, não raro, são abrigadas no rótulo de cidades inteligentes. Tecnologias
baratas, como simples sensores instalados em semáforos, parques ou termi-
nais de ônibus permitiriam o aumento exponencial de dados disponíveis
que resultariam em conhecimento mais profundo sobre as dinâmicas das
cidades e, com isso, ampliariam a capacidade de uma intervenção mais
efetiva sobre elas (BYRNES, 2015). De forma geral, são baseados na ex-
pectativa da convergência entre:
I. o planejamento e gestão urbana, sob a premissa da eficiência;
II. o aumento exponencial da capacidade de coleta e processamento de
dados pessoais georreferenciados;
III. na promoção de novas infraestruturas necessárias para a transmissão
dessas informações (LUQUE-AYALA; MARVIN, [s.d.]).
Os potenciais positivos dessa convergência operariam em variados cam-
pos. Ao organizar seus fluxos a partir das novas tecnologias, a mobilidade
urbana poderá se tornar mais eficientes e, com isso, diminuir suas emissões
de gases de efeito estufa. A simplificação e automatização de processos
otimizará a entrega de serviços públicos permitindo, com isso, gastar
menos e produzir mais. Algumas dessas aplicações já têm sido testadas
e reportadas em experiências para cidades específicas (MAJCHER, K.,
2015). No atendimento de emergências, para o gerenciamento de riscos e
mitigação de impactos de desastres naturais, para a prevenção ao crime e
promoção da segurança urbana, as novas tecnologias de sensoriamento e
monitoramento permitiriam maior efetividade na ação estatal por meio de
mobilização dos recursos necessários e no momento certo. Mais informa-
ção sobre as dinâmicas urbanas poderá aprimorar a capacidade de tomada
de decisão cotidiana, e também de construir modelos e ferramentas para
a construção de cenários de longo prazo. Haveria, ainda, uma ampliação
da participação do cidadão nas decisões políticas, por meio de canais de
participação não presenciais. Bons exemplos nesse sentido são as consul-
tas públicas, minutas participativas de projetos de lei e canais fáceis de
atendimento ao público.

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