POLÍTICAS PÚBLICAS E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: problematizando o Seguro-Defeso da pesca artesanal

AutorRafael Barsotti Torres, Letícia de Carvalho Giannella
Páginas170-189
POLÍTICAS PÚBLICAS E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: problematizando o
Seguro-Defeso da pesca artesanal1
Rafael Barsotti Torres2
Letícia de Carvalho Giannella 3
Resumo
Considerado a principal política destinada à pesca artes anal brasileira nas últimas décadas, o Seguro-Defeso (SD) garante
aos pescadores renda mínima no período de Defeso, quando ocorre interrupção forçada do trabalho. Este artigo busca
realizar uma análise das contradições relacionados ao SD, abordando sua importância frente às características
socioeconômicas dos pescadores, ao mesmo tempo em que problematiza a ação estatal restrita a esse benefício,
entendendo-o como incapaz de fortalecer as comunidades pesqueiras nos conflitos socioambientais que enfrentam em seu
dia a dia. A metodologia deste tr abalho envolveu uma revisão de literatura sobre o tema, o uso dos dados do pagamento do
SD e dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Dom icílios Contínua (PNADC) do a no de 2018. Os r esultados
apontam para a importância do benefício, mas reiteram o preterimento da dimensão sociopolítica.
Palavras-chave: Seguro-Defeso. Pesca Artesanal. Conflitos socioambientais.
Abstract
Considered the main policy intended to support the Brazilian artisanal fishing in recent decades, the Seguro-Defeso (SD)
grants fishermen a minimum income during the Defeso season, when forced interruption of work occurs. This paper
objective is to analyze the contradictions related to SD policy, analyzing its importance in relation to the socioeconomic
characteristics of fishermen, while questioning the efficiency of the state action restricted to this benefit, understanding it as
unable to strengthen fishing communities in the socio-envir onmental conflicts that they face. The methodology of this work
involved liter ature review on the subject, the use of the SD payment data and the microdata of the National Continuous
Household Sample Survey (PNADC) of the 2018 year. The results of this paper point to the importance of the benefit, but
reiterate the neglect of the socio-political dimension.
Keywords: Seguro-Defeso. Artisanal Fishing. Socio-environmental Conflicts.
Artigo recebido em: 13/12/2019 Aprovado em: 28/04/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n1p170-189.
1 Trabalho financiado por bolsa de pós-graduação CAPES.
2 Geógrafo. Mestre em População, Território e Estatísticas Públicas pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas
(ENCE/IBGE). Endereço: Rua André Cavalcante, 106 - Bairro de Fátima, Rio de Janeiro - RJ. CEP 20231-050. E-mail:
rafaelbarsotti@uol.com.br
3 Oceanógrafa. Doutora em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Vínculo Empregatício: Pesquisadora
em Informações Estatísticas e Geográficas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE). Endereço da
Universidade do Vinculo: Rua André Cavalcanti, 106, Bairro de Fátima, Rio de Janeiro/RJ. E-mail:
leticiagiannella@gmail.com.
POLÍTICAS PÚBLICAS E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: problematizando o Seguro-Defes o da pesca artesanal
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1 INTRODUÇÃO
A pesca artesanal brasileira, assim como a pesca industrial, é um segmento da atividade
pesqueira considerada profissional no Brasil. Apesar de ambas constituírem o mesmo setor produtivo,
todavia, essas modalidades da pesca apresentam grandes diferenças em relação aos seus modos de
produção.
No setor pesqueiro brasileiro, após longo período de prioridade quase exclusiva do Estado
à pesca industrial, a pesca artesanal conseguiu, sobretudo, subsequentemente à promulgação da
Constituição de 1988, se tornar alvo de políticas públicas de grande magnitude no país. Entre elas,
podemos elencar o Seguro-Defeso (doravante SD), entendido como uma modalidade do Seguro-
Desemprego. Dessa forma, os pescadores artesanais brasileiros, estimados em pouco menos de 1
milhão pelo Ministério da Pesca e Aquicultura em 2011 (MPA, 2011), historicamente relegados pelo
Estado (SILVA, 2004), passaram a se constituir como público-alvo de uma política de grande
relevância.
O defeso é o período em que fica vedada a captura de determinadas espécies marinhas,
fluviais e lacustres, principalmente as que despertam grande interesse comercial, de modo que seja
garantida a sua adequada reprodução e recrutamento, isto é, a entrada de classes etárias mais jovens
nas populações (DIAS NETO, 2017). Nesses períodos, desde 1991, a lei assegura aos pescadores
artesanais que recebam um salário mínimo por mês devido à interrupção forçada do trabalho, isto é, à
proibição da exploração de diversas espécies. A pesca artesanal, a ser analisada mais detalhadamente
adiante, é definida legalmente como a atividade pesqueira profissional realizada de modo autônomo
e/ou em regime de trabalho familiar, sem relações empregatícias (BRASIL, 2009).
Com a expansão do SD sob o ideário neodesenvolvimentista das últimas décadas, o que
se deu a partir da promulgação da Lei n. 10.773 de 2003, compreende-se que o benefício foi
transformado de um direito social constitucional à principal política para a pesca artesanal (GOULARTI
FILHO, 2017). Esta transformação, entretanto, apesar de representar para os pescadores uma
importante fonte de renda, se mostrou insuficiente para lidar com as questões e conflitos
socioambientais ocorridos entre os pescadores e uma série de atividades, empreendimentos e
processos, tais como a urbanização, a especulação imobiliária, as atividades de extração e refino de
petróleo, as atividades portuárias e a pesca industrial, todas elas incentivadas pelo Estado e com
presença pronunciada no período neodesenvolvimentista do capitalismo no Brasil.
Dessa maneira, o objetivo deste artigo é analisar as contradições que envolvem o Seguro-
Defeso da pesca artesanal, enfatizando a importância do benefício frente às condições
socioeconômicas dos pescadores e, simultaneamente, problematizando-o enquanto a principal, se não

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