Políticas Públicas de Desenvolvimento Rural no Brasil: o dilema entre inclusão produtiva e assistência social

AutorAdemir Antonio Cazella - Adinor José Capellesso - Monique Medeiros - Andréia Tecchio - Yannick Sencébé - Fábio Luiz Búrigo
CargoProfessor permanente do Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina - Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina - Doutoranda do PGA/UFSC - Doutoranda da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Professora do Agrosup Dijon, França - Professor colaborador...
Páginas49-79
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15nesp1p49
4949 – 79
Políticas Públicas de Desenvolvimento
Rural no Brasil: o dilema entre inclusão
produtiva e assistência social1
Ademir Antonio Cazella2
Adinor José Capellesso3
Monique Medeiros4
Andréia Tecchio5
Yannick Sencébé6
Fábio Luiz Búrigo7
Resumo
Nas duas últimas décadas, estabeleceu-se uma evidente dicotomia entre as políticas de caráter
produtivo e aquelas destinadas à assistência social das unidades agrícolas familiares no Brasil.
Este artigo tem por objetivo analisar esse processo de dualização das principais políticas públicas
destinadas à agricultura familiar, elaborando um panorama quantitativo dos seus resultados. Do
ponto de vista metodológico, a análise se apoia sobre o número de agricultores benef‌iciados
pelas políticas de reforma agrária, crédito rural, mercados institucionais de alimentos, previdência
social rural e transferência de renda. Os principais resultados deste estudo indicam que o apoio
econômico para as atividades produtivas da agricultura familiar brasileira tem se concentrado nas
camadas intermediárias e consolidadas inseridas nos mercados. Em paralelo, a maior parte dos
agricultores familiares é relegada ao assistencialismo social, não integrando as agendas de traba-
lho das principais organizações prof‌issionais agrícolas.
Palavras-chave: Agricultura familiar; inclusão socioprodutiva; não recurso.
1 Os autores agradecem ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina
(FAPESC) durante a realização desse trabalho.
2 Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa
Catarina (PGA/UFSC). E-mail: ademir.cazella@ufsc.br.
3 Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina, doutorando PGA/UFSC e
Bolsista FUMDES. E-mail: adinor.capellesso@ifsc.edu.br.
4 Doutoranda do PGA/UFSC e bolsista CAPES. E-mail: mmedeiros@ymail.com.
5 Doutoranda da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ) e bolsista CAPES.
E-mail: deiatecchio@yahoo.com.br.
6 Professora do Agrosup Dijon – França. E-mail: yannick.sencebe@dijon.inra.fr.
7 Professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Sociologia Política da UFSC e Professor permanente
do PGA/UFSC. E-mail: fabio.burigo@ufsc.br.
Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil: o dilema entre inclusão produtiva e assistência social | Ademir Antonio
Cazella, Adinor José Capellesso, Monique Medeiros, Andréia Tecchio, Yannick Sencébé e Fábio Luiz Búrigo
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Introdução
A partir da metade dos anos de 1990, o Estado brasileiro iniciou a elabo-
ração de um conjunto de políticas públicas direcionadas à agricultura familiar.
Esse processo foi associado à mobilização de organizações sociais ruraiseao
acúmulo de estudos técnicos e cientícos, que demonstraram a importância
socioeconômica desse segmento social. A engenharia institucional para viabi-
lizar o apoio do Estado às unidades agrícolas familiares, aliada às pressões so-
ciais pela reforma agrária e por políticas especícas para a agricultura familiar,
explica o fato de o Brasil ter sido um dos raros países a ter dois ministérios
dedicados à gestão de políticas públicas de desenvolvimento rural e agrícola.
De um lado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA),
órgão tradicionalmente voltadoao mercado de commodities e às agroindús-
trias de grande porte e, de outro, o Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), criado em 1999 para coordenar as políticas fundiárias eapoiar a agri-
cultura familiar8. Essa categoria social foi reconhecida legalmente somente
em 20069, momento em que se já contava com políticas públicas especícas
de diversas naturezas orientadas à produção de alimentos para os mercados
internos, ao acesso a terra, ao desenvolvimento territorial em zonas rurais,
previdência rural, entre outras.
Desde o seu surgimento na década de 1990, as iniciativas públicas de de-
senvolvimento rural sofreram importantes transformações. Tais mudanças po-
dem ser compartimentalizadas em três gerações de políticas, embora as ações
do Estado nesse domínio não seguiram uma linearidade temporal, já que se
intercruzaram ao longo do tempo (GRISA; SCHNEIDER, 2015). A primeira
geração, associada a demandas de segmentos sociais da agricultura familiar
organizados em sindicatos e movimentos sociais, está ligada principalmente a
8 Em maio de 2016, com o afastamento de Dilma Rousseff, o Presidente Michel Temer promoveu uma reforma
administrativa. Nessa reforma, o MDA foi extinto. Algumas de suas funções foram transferidas à Secretaria
Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, vinculada à Casa Civil, e outras para um novo
ministério, que passou a se dominar Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário.
9 A Lei da Agricultura Familiar, n° 11.326, entrou em vigor em julho de 2006 e def‌iniu os seguintes critérios
para que um estabelecimento agropecuário seja considerado familiar: área de até quatro módulos f‌iscais,
mão de obra predominantemente familiar, renda gerada na sua maior parte pelas atividades agropecuárias
e gerenciamento do estabelecimento efetuado pela própria família. Também são considerados como sendo
agricultores familiares os silvicultores, os aquicultores, os extrativistas, os pescadores artesanais e os indígenas
que praticam agricultura ou extrativismo (BRASIL, 2006).

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