A politização sacerdotal como iconoclastia religiosa: o caso dos dominicanos engajados no Movimento Cristãos-Marxistas

AutorYann Raison du Cleuziou
Páginas225-251
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n37p225
225225 – 251
A politização sacerdotal como
iconoclastia religiosa: o caso
dos dominicanos engajados no
Movimento Cristãos-Marxistas1
Yann Raison du Cleuziou2
Resumo
Após maio de 1968, alguns padres se engajam na política colocando em evidência sua autoridade
sacerdotal. Eles esperam desse modo contribuir com o engajamento da Igreja na luta de classes
e, além, disso, dar novamente à fé cristã sua radicalidade profética. Sua mobilização política
tem, portanto, uma f‌inalidade religiosa reformadora. É essa forma de politização da competência
sacerdotal que é aqui estudada, em particular com o exemplo dos dominicanos da Província da
França, membros do movimento Cristãos-Marxistas (1974-1978).
Palavras-chave: Catolicismo. Dominicanos. Marxismo. Politização.
Introdução
Em 19 de abril de 1971, Michel Bosquet consagra um artigo do Le Nou-
vel Observateur aos “capelães da subversão”. O subtítulo é explícito: “Quando
o clero aterroriza o patronato”. O jornalista relata a adoção de uma postura
contestatária por uma parte dos jovens sacerdotes católicos. O ministro do
interior Raymond Marcellin se inquieta com a ação “subversiva” de uma cen-
tena de capelães católicos cuja metade estaria localizada na região parisiense.
Michel Bosquet observa que eles são obviamente mais numerosos ainda. So-
mente na diocese de Nantes, uma centena de capelães da ação católica vem
1 Tradução de Wheriston Silva Neris.
2 Maître de Conférences em Ciência Política, Centre Émile Durkheim, Université de Bordeaux.
E-mail: raison_du_cleuziou@yahoo.fr.
A Politização Sacerdotal como Iconoclastia Religiosa: o caso dos dominicanos engajados no Movimento Cristãos-Marxistas |
Yann Raison du Cleuziou
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proclamar sua concordância com “as questões que são o núcleo do combate da
classe trabalhadora” (BOUSQUET, 1971, p. 27)3.
Em 1972, René Rémond confere uma autoridade a essa observação jor-
nalística4. Ele constata que uma nova relação dos clérigos com a política está
tomando forma. Sua característica é o engajamento político à esquerda asso-
ciado a uma posição crítica com relação à autoridade eclesial (REMOND,
1972). Os teólogos e capelães seriam os clérigos mais tocados por esta dupla
postura contestatória. O sacerdote e sociólogo Michel Brion (1972, p. 37)
conrma essa tendência na sequência de uma importante pesquisa: “[...] ouvi-
mos os sacerdotes dizerem que o Evangelho provavelmente não é compatível
com uma política diferente do socialismo”5. Três meses antes das eleições legis-
lativas de março de 1973, uma pesquisa mostra que, politicamente, o jovem
clero tem tendência a agir inversamente aos mais velhos e ao conjunto dos
éis praticantes, escolhendo, em uma razão de dois terços, votar à esquerda
ou mesmo à extrema esquerda SONDAGES, 1973, p. 26-30). Nas eleições
legislativas de 1977, esta observação é renovada: 69% dos sacerdotes de menos
de 40 anos declaram sua intenção de votar em um candidato de esquerda. Esta
orientação representa apenas 9% dos sacerdotes com mais de 60 anos e 16 a
17% de católicos praticantes de todas as idades.
Em 1978, Christel Peyrette rena e conrma as descobertas de René
Rémond e Michel Brion. A propensão a votar na esquerda corresponde a uma
maneira especíca de considerar o papel sacerdotal. Ela observa que os jovens
sacerdotes veem na “presença no mundo” uma exigência mais imperativa do
que a observância dos ritos e a celebração dos sacramentos (PEYREFITTE,
1978). O clero que vota na esquerda é nitidamente menos respeitoso com a
obrigação de celebrar a missa cotidianamente do que o clero à direita. Sua vida
sacerdotal se desloca dos atos litúrgicos para uma militância social e política.
Sinal visível dessa mudança: a aparência dos sacerdotes evolui. Uma pesquisa
IFOP de fevereiro de 1976 revela uma relação muito forte entre o grau de
marcação religiosa da vestimenta e o voto: enquanto que 2,4% dos sacerdo-
tes que usam ocasionalmente a batina votaram em François Mitterrand em
3 Intitulado Les aumôniers de la subversion. Quand le clergé terrif‌ie le patronat
4 Em L’évolution du comportement des prêtres en matière politique.
5 Ver, também, p. 83-84.

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