Poluição digital: transcendendo os limites do virtual
Autor | Marcelo Kokke e Márcio Luís de Oliveira |
Ocupação do Autor | Pós-Doutor em Direito Público Ambiental pela Universidade de Santiago de Compostela ? ES/Doutor e Mestre em Direito |
Páginas | 361-382 |
POLUIÇÃO DIGITAL:
TRANSCENDENDO OS LIMITES DO VIRTUAL
Marcelo Kokke
Pós-Doutor em Direito Público Ambiental pela Universidade de Santiago de Com-
postela – ES. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-Rio. Especialista em processo
constitucional. Professor de Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor
de Pós-graduação da PUC-MG. Professor colaborador da Escola da Advocacia-Geral da
União. Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Membro da Associação dos
Professores de Direito Ambiental do Brasil. Membro da Academia Latino Americana
de Direito Ambiental.
Márcio Luís de Oliveira
Doutor e Mestre em Direito. Professor da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), da Escola Superior Dom Helder Câmara (Mestrado
e Graduação) e da Faculdade Milton Campos (Mestrado e Graduação). Advogado e
Consultor Jurídico.
Sumário: 1. Introdução. 2. Meio ambiente digital e sociedade da informação: impossibilidade
de cisão entre o físico e o virtual. 3. Especicidade e delimitação da poluição digital. 4. Tutela
jurídica do meio ambiente digital. 5. Considerações nais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O meio ambiente é alvo de incursões antrópicas, modificações e transformações
provocadas consciente ou inconscientemente pelo ser humano. Delimitar o campo de
proteção e espaços juridicamente admissíveis para intervenção no meio ambiente é
tema interdisciplinar e que possibilita revisões. O próprio Direito Ambiental por vezes
recebe o influxo de circunstâncias fáticas e jurídicas que tendem a ampliar o seu âmbito
de extensão e de regência. Como se identificar o campo científico-dogmático do Direito
Ambiental sem se correr o risco de sua perda de especificidade e coerência interna de
normas (princípios e regras), institutos e instituições em relação às demais especialida-
des do Direito?
A abordagem do meio ambiente digital e da própria poluição ambiental digital
está imersa nessa problemática questão da delimitação do que são ou não normas
afetas ao Direito Ambiental. Logo, o campo de abrangência científico-dogmática do
Direito Ambiental em relação às questões do meio ambiente digital demanda uma
rigidez metodológica e conceitual. Embora todas as especialidades jurídicas, de
alguma forma, repercutem sobre o meio ambiente social e até o natural, nem todas
as normas que regem as interações que ocorrem no habitat virtual concernem ao
Direito Ambiental.
MARCELO KOKKE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
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Direito eletrônico, limites da liberdade de expressão na web, crimes digitais, direito
dos contratos virtuais, tributação de serviços eletrônicos ou virtuais, são exemplos de
interações regidas pelo sistema jurídico em sua multiplicidade de especializações; e
todas estão insertas no meio ambiente digital. Mas os exemplos citados não se inserem
no campo normativo do Direito Ambiental. É preciso, portanto, se identificar a área de
abrangência do Direito Ambiental no mundo digital.
É, pois, sob esta perspectiva que este trabalho se volta para o seguinte tema-proble-
ma: o meio ambiente digital produz riscos de impactos sobre o meio ambiente natural
que poderiam constituir objeto científico-dogmático próprio do Direito Ambiental?
De modo a abordar o tema-problema, a pesquisa adota, como marco teórico, o mé-
todo filosófico de Spinoza que, rompendo com a lógica cartesiana da dualidade entre o
mundo dos sentidos e o mundo das ideias, propõe uma racionalidade de indissolubilidade
entre o sensível e o intelecto, ou, em suas palavras, “a união entre o corpo e a alma”. A
compreensão metafísica cartesiana aparta as dimensões da realidade e da racionalidade,
o que é filosoficamente superado em Spinoza. E na seara do Direito Ambiental, o pos-
tulado de Spinoza torna-se relevante para a compreensão holística do meio ambiente e,
por conseguinte, das conexões entre o meio ambiente físico (natural e social) e o meio
ambiente digital ou virtual.
Em sintonia com o tema-problema e o marco teórico, a pesquisa apresenta as se-
guintes hipóteses: a) o meio ambiente digital não produz risco – nem concreto e nem
abstrato – que possa repercutir sobre o meio ambiente físico (natural e social), não se
revelando, assim, como objeto de abrangência do Direito Ambiental; b) o meio ambiente
digital conecta-se com o meio ambiente físico (natural e social) de modo indissolúvel e
de maneira a produzir riscos concretos e abstratos com potencialidade para impactar a
dimensão holística do meio ambiente, constituindo-se, portanto, neste aspecto, objeto
específico do Direito Ambiental.
Assim, o objetivo geral da pesquisa é o de delimitar um campo propriamente
normativo para o Direito Ambiental sob a perspectiva digital, para tanto identificando
marcos científico-dogmáticos que seriam indicativos para justificar a incidência das
normas de Direito Ambiental no mundo virtual. Como objetivos específicos, o artigo
pretende demonstrar: a) a dimensão holística do meio ambiente, o que compreenderia
a indissolubilidade dos mundos físico (natural e social) e virtual; b) a natureza do risco
concreto ou abstrato que interessa ao Direito Ambiental e que poderia estar presente no
meio ambiente digital; c) expor situações típicas do mundo virtual que produzem risco
concreto e abstrato com potencialidade de repercussão no meio ambiente físico (natu-
ral e social); d) a necessidade de se positivar um marco jurídico adequado para reger as
implicações de risco concreto e abstrato na conexão entre os mundos virtual e físico.
Na elaboração do trabalho foi adotada a metodologia crítico-propositiva e, de modo
complementar, a dogmático-analítica. O primeiro método foi utilizado na tentativa de
reconfiguração dos institutos do Direito Ambiental que poderiam ser extensíveis às
conexões entre os meios ambientes físico (natural e social) e digital. O segundo método
foi aplicado na abordagem dogmática acerca da proteção do meio ambiente, em sua
dimensão holística, em relação aos riscos concretos e abstratos produzidos pelo meio
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