Porto Maravilha, demolição da perimetral e quebra de paradigmas urbanos: os desafios da gestão das mudanças

AutorAlberto Silva
Páginas108-125
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PORTO MARAVILHA, DEMOLIÇÃO DA PERIMETRAL
E QUEBRA DE PARADIGMAS URBANOS:
OSDESAFIOS DA GESTÃO DAS MUDANÇAS
ALBERTO SILVA
INTRODUÇÃO
O Rio de Janeiro é mundialmente conhecido por suas belezas naturais.
No entanto, à exemplo do que vemos nas grandes cidades, a sua evolução
urbana produziu vários efeitos negativos em termos sociais, ambientais e
econômicos. O fato é que estas cidades existem, com suas complexidades
e contradições objetivas e subjetivas. Transformá-las em cidades melhores
representa um dos grandes desafios atuais. Na busca de soluções não basta
apontar o que fazer. É preciso considerar a seguinte pergunta: como fazer
a transição desta cidade que existe, para a cidade que garanta um futuro
melhor para o meio ambiente e para as pessoas? Esta é a questão para a
qual este artigo pretende dar alguma contribuição a partir da análise da
experiência de gestão da implantação das obras de infraestrutura urbana na
região central da cidade do Rio de Janeiro, no âmbito da Operação Urbana
Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro, conhecida como Porto
Maravilha, que, dentre várias outras intervenções, implicou na demolição
de cinco quilômetros de viaduto, conhecido como elevado da Perimetral.
Atualmente, mais da metade da população mundial vive em áreas urba-
nas. Serão perto de 66% até 2050, de acordo com estimativas das Nações
Unidas (UN, 2014). É nas cidades, sobretudo nas megalópoles, onde
ocorre a maior parte do consumo de recursos naturais e manufaturados e
das emissões que impactam para as mudanças climáticas. Elas são os polos
dinâmicos da economia global1 e é nelas, que as desigualdades sociais se
manifestam de forma bastante acentuada, sobretudo nos chamados países
em desenvolvimento (UN-HABITAT, 2010; IPCC, 2014).
1 Ver também: MORI, CHRISTODOULOU, 2012; HAMMER et al., 2011; ALBINO;
BERARDI; DANGELICO, 2015, p. 3.
TECNOLOGIA E SOCIEDADE EM DEBATE 109
A urbanização segue crescendo com base em paradigmas que precisam
ser revistos, para que possamos promover um padrão de desenvolvimento
urbano sustentável, entendido aqui como um processo em que as di-
mensões ambiental, social e econômica sejam mutuamente equilibradas
(ELKINGTON, 1999; BECKS, 1992; LEMKOW e TÀBARA, 2006), conforme
apontado pelo 11º Objetivo do Milênio das Nações Unidas, que orienta a
Nova Agenda Urbana defendida pela UN-HABITAT.2
Uma gestão urbana comprometida com esta agenda necessita contemplar
os processos de transformação das cidades para se adequarem aos novos
paradigmas, o que representa um imenso desafio, pois envolve mudanças
objetivas (materiais) e subjetivas (culturais). As cidades, com suas intrinca-
das e complexas funções e redes de relações não podem simplesmente parar
para que ajustes sejam feitos. Sobretudo se considerarmos que esta troca
de paradigmas tende a ocorrer em tempos e ritmos diferentes. Ao processo
de manter a cidade funcionando ao mesmo tempo em que se promovem as
necessárias transformações com base em novos paradigmas é o que chamo
aqui de gestão da mudança. Algumas mudanças, como instalação de novos
equipamentos de monitoramento e iluminação pública, por exemplo, pouco
ou nada afetam as rotinas das cidades. No entanto, mudanças estruturantes,
como implantar uma infraestrutura viária ou novo padrão de ocupação e uso
do solo, tendem a interferir intensamente no dia a dia dos grandes centros
urbanos. O planejamento das soluções estruturantes, além de definir “o
que deve ser feito”, necessita tomar em conta “o como será feito” para que
o remédio não cause outros problemas. É preciso ter em conta os impactos
na vida da cidade e na prestação dos serviços urbanos – públicos e privados.
A gestão da mudança, nestes casos é crucial para que prazos, custos e, prin-
cipalmente, objetivos sejam cumpridos e os transtornos sejam os mínimos
possíveis. Além disso, o próprio processo de transformações físicas, pode
servir também para promover necessárias mudanças culturais.
Há várias abordagens visando compreender a questão urbana e instrumen-
talizar processos de transformação.
3
Dentre estas, a que trata das chamadas
2 UN, Resolution adopted by the General Assembly, 2016.
3 Há várias nominações atualmente: Green Growth, Smart Growth, Smart Grid.
Destacamos o Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável. Com forte
cunho instrumental, muito bem elaborado pelo ITDP e Embarq Brasil, busca alinhar
mobilidade urbana, com foco no transporte público com ocupação e uso do solo; e
o Direito à Cidade, de cunho primordialmente analítico, utilizado por autores como
David Harvey, tem foco na crítica à mercantilização da cidade e nos seus efeitos ne-
gativos que ampliam as desigualdades espaciais e sociais e produzem a gentrificação.
Defendem a participação e a gestão democrática como forma de reverter tais situações.

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