A possibilidade de redução dos juros contratados

AutorFernando Alves de Sousa
CargoAdvogado, consultor jurídico, especialista em Direito Civil,
Páginas1-19

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1 - Breve relato histórico

Ainda precisamos firmar contratos, pois sua importância fundamental é reconhecida pelo papel da permuta de obrigações e de circulação das riquezas.1 Entretanto, deve-se buscar sempre o equilíbrio contratual, ainda mais quando na atualidade tem-se reconhecido que o dogma da vontade é relativo.

Nos primórdios das relações negociais, o costume, embelezado pela HONRA, garantia à confiança de uma lealdade recíproca entre os contratantes, protegendo, também, as legítimas expectativas das partes e exigindo a proporcionalidade das obrigações, chegando naturalmente a uma justiça contratual (nova realidade do direito obrigacional).

O paradigma da pacta sunt servanda, hoje relativizado, era cogente pelo simples fato de nos antigos pactos haver maior calor aos princípios da honra e da lealdade na palavra, quer seja verbal ou escrita, com ou sem testemunhas. Todavia, é irrefutável lembrar que naqueles acordos de vontades era raríssimo o uso da "má-fé objetiva", hoje constantemente visualizada.

Ou seja, no reinado da época em que o contrato era lei entre as partes, era induvidosamente mais fácil, simples e tranqüilo quitar as obrigações contratuais, pois, como dito, havia uma honestidade (boa-fé) inserida nas intenções de ambos os contratantes.

A famosa heresia denominada USURA (emprestar dinheiro a juros) foi repelida por séculos tanto pelo Clero quanto pela Nobreza, mas, na Idade Média após as vitórias Page 2 "materiais" das Cruzadas Santas (1.314 d.c), os Cavaleiros Templários, tidos como "monges guerreiros" da Igreja Católica e como os primeiros banqueiros que a história ocidental conheceu, por incrível que pareça, chegaram a tal nível de riqueza e poder que financiaram países como a Espanha e a Inglaterra, sendo importante lembrar que muitos desses empréstimos onerosos eram destinados a guerras internacionais.

Os juros dos Templários não eram generosos, acarretando várias intrigas e desafetos em vista dos inadimplementos, chegando a amargar as vontades até do saudoso Rei Felipe, "O Belo", o qual, pelo endividamento com os banqueiros da idade média, se uniu com o representante máximo da Igreja Católica da época e juntos excomungaram os Cavaleiros Templários, acusando-os de várias imoralidades materiais e espirituais, dentre elas a prática anticristã da usura.

Dos cavaleiros que foram pegos, todos formam condenados à morte, mas os que fugiram, escaparam com boa parte da grande fortuna dos Templários e, afirmam historiadores doutrinários, fundaram a Maçonaria, após a construção de uma Igreja tipicamente templária existente no Reino Unido.

Com a evolução e a propagação cancerígena da vertente mais ácida do capitalismo e sua economia de consumo, consolidou a prática do empréstimo a juros e, como se não bastasse, surgiram os artifícios de minúsculas cláusulas contratuais, harmônicas a siglas e expressões vinculadas a métodos de amortização matematicamente geniosos, o que eterniza um dos maiores pecados do ser humano: a GANÂNCIA.

Por mais que possamos filosofar sobre as intenções desse negócio jurídico, o grande desdouro dos contratos atuais não se encontra na inadimplência da parte vulnerável, mas nas articulações da parte que elabora as gananciosas cláusulas.

A salvação para os homens comuns, que não eram Reis, não veio com positivações dos costumes em si, mas veio pelas interpretações dadas pelo Poder Judiciário. Ora, os primeiros fundamentos jurídicos para a anulação dos contratos excessivamente abusivos achavam-se, sobretudo, nas disposições e nas intenções das vontades das partes.

O mais relevante é que a extensa enumeração de cláusulas contratuais nulas, em todos os sistemas jurídicos, tem como pressuposto fundamental o princípio de ser nulo o contrato quando um dos contratantes, abusando das condições gerais dos negócios, venha a prejudicar excessivamente o outro, agindo contra a moral ligada à boa-fé.

De consectário, justamente para disciplinar situações análogas ao tema, foi inserido na promulgada a Constituição Federal de 1988, o Título VII: "Da Ordem Econômica e Financeira", agregando o Capítulo IV: Do Sistema Financeiro Nacional, o qual iniciava-se com o art. 192, que dispunha em seu famoso § 3º sobre as taxas de juros Page 3 reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, dizia o texto constitucional com clareza que não poderiam ser superiores a doze por cento ao ano e, ainda, havendo cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos do Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933 (Lei de Usura).

Nesse mesmo norte, foi editado o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e reformado o Código Civil de 1916 (demudado pelo festejado Código Civil de 2002), os quais acolheram os princípios humanos supraaludidos para remanejar o mais popular direito obrigacional, satisfazendo as dúvidas que remanesciam, cristalizando-se, definitivamente, a possibilidade de revisão ou anulação do contrato, principalmente das cláusulas referentes aos juros, primando por um restabelecimento do equilíbrio nas relações de responsabilidades mútuas.

Com isso, houve uma disseminação das plataformas das famosas ações declaratórias de revisão de cláusulas contratuais, rescisão contratual, restituição de importâncias pagas, prestações de contas e até ações de reparação de danos, todas tendo como objetivo a redução dos juros contratados.

Ocorreu que, em 30/05/2003, depois de arregaçadas várias mangas políticas, entrou em vigor a emenda constitucional nº 40, a qual alterou o caput do art. 192 e revogou o mencionado §3º do mesmo artigo, que congelava os juros ao teto de um por cento ao mês. Em suma, a emenda 40 deixou o mundo jurídico sem parâmetro constitucional que taxasse os juros.

Contudo, ainda hoje é plenamente possível reduzir os juros contratados, mesmo em contratos firmados após a publicação da emenda constitucional nº 40, tendo em vista os princípios e a legislação infraconstitucional, sendo, embora, oscilante o percentual dos juros, dependendo de cada caso o quantum da redução.

2 - Da aplicação do CDC às instituições bancárias e financeiras

De início, insta firmar que as regras atinentes à proteção contratual previstas pelo Código de Defesa do Consumidor são notoriamente aplicáveis às instituições bancárias e financeiras e, conseqüentemente, a todos os contratos vinculados a esses fornecedores, conforme se depreende da leitura da Súmula 297 do STJ:

STJ - SÚMULA 297 - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Na esteira desse mesmo entendimento, o ilustre Ministro Aldir Passarinho decidiu que:

Aplicam-se às instituições financeiras as disposições do Código de Defesa do Consumidor, conforme cada situação específica, rejeitado o entendimento contrário, que não encontra sede adequada para confrontação. O que importa para sujeição às diretrizes do CDC é a relação jurídica existente entre o tomador e o fornecedor do crédito Page 4 sobre o qual se litiga, que é de consumo, não a natureza da pessoa contratante ou a destinação dos bens adquiridos. ( STJ - AgRg no REsp 620.871).

Ato contínuo, após anos de aplicabilidade ostensiva do CDC, os Bancos começaram a sentir mais do que um decaimento de seus lucros, sentindo umdecaimento em seu poder, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) adentraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade histórica (ADI nº 2591/DF), requerendo ao Supremo Tribunal Federal a declaração da inconstitucionalidade do § 2º, do art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor, defendendo a inaplicabilidade do CDC às instituições financeiras, bancárias e de crédito.

Esse apelo bancário foi fora dos limites de qualquer glosador que tenha o norte à interpretação conforme a Constituição Brasileira, e a comprovação veio com o posicionamento majoritário do Plenário do Excelso Pretório, o qual, inobstante ser formado por Ministros que felizmente ainda são consumidores, negou o pedido inicial da ADI 2591, declarando, portanto, constitucional a aplicabilidade do CDC as relações de natureza bancária, financeira e de crédito:

1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. 'Consumidor', para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. (

STF - ADI 2591/DF, Relator p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Julgamento: 07/06/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJ 29-09-2006 PP-00031, EMENT VOL- 02249-02 PP-00142)

Assim, resta afastada a tese de inaplicabilidade do CDC aos contratos firmados com instituições financeiras, bancárias e de crédito, de corolário, foi mantido o leque normativo para se perfazer a revisão e a anulação jurídica dos contratos, como veremos.

3 - Das possibilidades de revisão e anulação dos contratos

Como dito, em resposta legislativa as abusividades nos contratos de consumo, sobrevieram os artigos 51 e 54 do diploma consumerista, os quais não posso deixar de colacionar a lição do Eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado de Aguiar, que em artigo de sua autoria - Aspectos do Código de Defesa do Consumidor, nos ensina:

Para a fase da execução do contrato, está prevista a importantíssima regra sobre a possibilidade de...

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