Possibilidade jurídica de disposições sucessórias no pacto antenupcial e de convivência

AutorAlexandre Miranda Oliveira e Bárbara Dias Duarte de Carvalho
Páginas105-130
POSSIBILIDADE JURÍDICA DE DISPOSIÇÕES
SUCESSÓRIAS NO PACTO ANTENUPCIAL
E DE CONVIVÊNCIA
Alexandre Miranda Oliveira
Professor de Processo Civil na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Ad-
vogado. Membro efetivo da Comissão de Direito das Sucessões da OAB-MG. Sócio
do Escritório Teixeira, Miranda e Gandra Advogados.
Bárbara Dias Duarte de Carvalho
Pós-graduada em Direito Processual pela PUC Minas. Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. O pacto antenupcial: princípio da liberdade de pactuar, planos da
existência, validade e ecácia – 3. Teoria do Negócio Jurídico – 4. Superação à vedação legal
do art. 426 do Código Civil: afastamentos entre contrato e pacto antenupcial – 5. A validade
de se pactuar concorrência sucessória: solidariedade familiar e autonomia privada – 6. Notas
Conclusivas – 7. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
Tradicionalmente o ordenamento jurídico brasileiro disciplina que uma parte
rígida da herança, a legítima, é reservada aos herdeiros necessários e concorrenciais
(descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro – CC, art. 1.845, RE 878.694/
MG e RE646.72/RS), aperfeiçoando, no direito sucessório, a solidariedade consti-
tucional (CF, art. 3º, I).
A autonomia sucessória sempre foi limitada, e neste sentido, verifica-se que a
legislação atual (a exemplo das anteriores) dá prioridade aos herdeiros legais sobre
a herança do falecido, outorgando a este limitado poder disciplinador de seu patri-
mônio e, mesmo assim, quando exercido este direito de planejamento, por meio de
testamento, sua validade é condicionada a aprovação judicial.
Esta exigência legal de instrumentalização, via testamento e aprovação post mor-
tem, das disposições de última vontade, por si só já demonstram o quão ultrapassada
está a disciplina e os princípios do direito sucessório, sendo premente a necessidade
de adequá-los ao mundo atual e dinâmico.
O direito deve evoluir juntamente com a sociedade, sendo que já é tempo de se
assimilar institutos novos em matéria sucessória e, em especial, privilegiar a auto-
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nomia privada, permitindo disposições sucessórias, além das testamentárias, e feitas
às claras e em vida, como opção de gestão familiar e patrimonial.
No presente trabalho limitar-se-á a discussão à possibilidade de, já no pacto an-
tenupcial ou de convivência, se estabelecer cláusulas sucessórias. Outras questões e
temas pungentes como ampliação da parte disponível ou redução da legítima ficarão
para outra oportunidade.
Neste sentido e sendo certo que, contemporaneamente, procura-se cada vez
mais, definir de forma prévia e controlada os desdobramentos patrimoniais advindos
da ruptura de uma relação conjugal, seja pela dissolução em vida, seja pela morte,
fazendo assim necessário tornar lícitas as convenções de Direito Sucessório, fora
do testamento, por intermédio de instrumento adequado, permitindo-se o balan-
ceamento de interesses existenciais e patrimoniais em projeção à personalidade e
autonomia humana, tudo dentro do panorama de contratualização do Direito das
Famílias e das Sucessões.
Fato é que o atributo de herdeiro conferido pelo Código Civil de 2002 ao côn-
juge e/ou companheiro por força do disposto nos artigos 1.829 e 1.790 (este com
leitura atualizada pelo RE 878.694), mesmo que em concorrência com ascendente e
descendente torna, em contemporânea leitura, flexível a regra jurídica, permitindo
aos consortes pensar e optar por fazê-lo de forma diversa.
Entre os temas que poderiam ser tratados destacam-se, como exemplos, mo-
dulação entre duração do vínculo conjugal e efeito/benefício sucessório, conceito
e limites econômico de bens particulares, natureza e exclusão/inclusão de frutos
destes bens, surgimento de prole superveniente e higidez testamentaria, destinação
de herança para eventual prole advinda de material genético armazenado.
Todos estes temas, bem como a exclusão da concorrência sucessória, poderiam
ser tratados previamente, em expediente válido a partir da confecção de cláusulas
próprias no instrumento, com grande benefício de se evitar distorções patrimoniais
e intermináveis litígios.
Considera-se, portanto, a possibilidade jurídica de, através do pacto antenupcial
ou do contrato de convivência, estipular-se desdobradas cláusulas tanto de exclusão,
limitação ou até mesmo de sua modulação (variação) pela longevidade da união para
ditar as regras da concorrência sucessória de cônjuges ou companheiros quando o
regime de bens eleito entre eles implicar legitimação de suceder.
Outorga-se assim às disposições sucessórias a absoluta homenagem à autonomia
privada de partes maiores e capazes. Isto porque, a despeito da permanente tensão
concernente à ordem pública e a privada, as mudanças sofridas pela família tornam
imperiosa a revisão do fenômeno sucessório e seus desdobramentos, bem como a
equalização do princípio da solidariedade familiar, confirmando a tendência no Estado
Democrático de Direito de assunção de maior relevância ao primeiro e a reserva ao
segundo a espaços pontuais marcados por vulnerabilidades que justifiquem a inge-
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