É possível reconhecer-se a inconstitucionalidade de normas do poder constituinte originário? Ou a interpretação dessas normas conforme a constituição?

AutorJorge de Oliveira Vargas
Páginas668-670

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Ver Nota1

O objetivo deste pequeno artigo é refletir sobre a constitucionalidade ou não do art. 155, § 2º, III, da Constituição Federal, segundo o qual o ICMS (imposto sobre mercadorias e serviços) “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Esse dispositivo é do poder constituinte originário.

O princípio da seletividade é o da capacidade contributiva aplicado aos chamados impostos indiretos.

Assim, em se tratando de uma espécie de capacidade contributiva, o Estado não tem a faculdade de aplicá-lo, mas a obrigação, de modo que a redação deveria ser a seguinte: “deverá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”, como consta em relação ao IPI (Imposto sobre produtos industrializados). (art. 153, § 3º, I, da CF).

Mas seria possível considerar inconstitucional a expressão “poderá” desse dispositivo, por ferir cláusula pétrea? Ou seja, por ferir o princípio da capaci-dade contributiva, que é um direito fundamental individual?

A primeira resposta, negativa, vem do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 815-3/DF2, da relatoria do ministro Moreira Alves, de onde se extrai:

A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompossível com o sistema de Constituição rígida. [...] as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores.

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No corpo do acórdão, cita Jorge Miranda3: ”No interior da mesma Constituição originária, obra do mesmo poder constitu inte (originário), não divisamos como possam surgir normas inconstitucionais”. (grifos do original)

Aí já poderia terminar este artigo, com a resposta: não. Porém, importa continuar.

Não se questiona que o princípio da capacidade contributiva é um direito fundamental individual, mesmo não estando entre as hipóteses previstas no art. 5º da Constituição, na medida em que o § 2º desse dispositivo não deixa dúvidas de que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”.

Outro dado relevante é que a Constituição não pode ser interpretada em partes, ou em tiras.

É oportuno aqui invocar o voto vista do ministro Eros Grau na ADPF 101/DF4: “Não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos...

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