É possível o restabelecimento do nome de casado após a sua renúncia quando da dissolução do casamento?

AutorCarlos José Cordeiro/Josiane Araújo Gomes
Páginas517-538

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O ser humano é, indiscutivelmente, um ser sociável, na medida em que necessita se organizar em grupos para poder suprir suas necessidades físicas, psíquicas e culturais, em busca de sua plena realização pessoal. Como estrutura social básica está a família, entendida como a reunião de pessoas ligadas por vínculos sanguíneos e afetivos, responsável pelo desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, bem como pela construção de suas potencialidades em prol da convivência em sociedade. Logo, a família representa a unidade primária de associação dos indivíduos e, portanto, a unidade fundamental da sociedade.

Visando estabelecer padrões de moralidade, a fim de promover a harmonia social, há a imposição, pelo Estado, de diretrizes e proibições a serem observadas na formação da família. Nesse passo, tem-se a institucionalização da entidade

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familiar, a qual passa a ser identificada, a princípio, apenas com o instituto do casamento.3Dessa forma, a partir do intervencionismo estatal, “os vínculos inter-pessoais, para merecerem aceitação social e o reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio”.4Contudo, com o advento da Carta Magna de 1988, o conceito de entidade familiar sofre profundas alterações. Ao estabelecer, como princípio fundamental da República, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o Texto Maior impede a superposição de qualquer estrutura institucional à tutela de seus integrantes, razão pela qual se tem que “o centro da tutela constitucional se desloca do casamento para as relações familiares dele (mas não unicamente dele) decorrentes; e que a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros”.5Por consequência, o texto constitucional passou a adotar o princípio do pluralismo das entidades familiares, reconhecendo, assim, ao lado da família conjugal, a união estável (art. 226, §3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §4º).6

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Em vista disso, tem-se que o Código Civil, ao disciplinar o casamento, prevê, em seu art. 1.511, que o “casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. E, considerando ser a família “um núcleo de companheirismo a serviços das próprias pessoas que a constituem”7, o Estatuto Civil, dentre os efeitos pessoais do casamento, atribui ao cônjuge ? tanto ao homem quanto à mulher, ou mesmo a ambos ? a possibilidade ? faculdade ? de acrescer ao seu nome o sobrenome do seu consorte, a fim de que, caso assim entendam, possam, de forma mais concreta face à sociedade, exteriorizar a união conjugal por eles formada.8

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Com efeito, prevê o §1º, do art. 1.565, do Código Civil, que “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Tal hipótese legal, ao adotar a expressão “acrescer”, impede, literalmente, a substituição do apelido familiar pelo o do outro consorte, permitindo, pois, apenas a inclusão, em respeito ao princípio da estabilidade do nome e à segurança jurídica.9Todavia, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser possível a supressão de sobrenome familiar10, desde que não prejudique a ancestralidade, bem como a terceiros, seja porque não há vedação legal expressa para que tal postulação seja atendida, seja porque a interpretação sistemática das normas de

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ordem pública que dispõem sobre registro civil assim recomenda, na medida em que o direito ao nome insere-se dentre os direitos à personalidade, os quais devem receber proteção, não podendo ser restringidos sem justificativa plausível. Ademais, a supressão de um dos patronímicos também visa superar o inconveniente de a pessoa ter de carregar um nome demasiadamente extenso, atendendo, por conseguinte, a regra estampada no art. 57 da Lei nº 6.015/73.

O exercício dessa possibilidade de inclusão do sobrenome de um dos nubentes no nome do outro deve ocorrer quando do processo de habilitação para o casamento, sendo que, após a sua celebração, haverá a lavratura do respectivo registro, ou seja, a alteração do nome é realizada pelo próprio Cartório de Registro de Pessoas Naturais, sem a necessidade de intervenção judicial. Contudo, também é possível o exercício dessa faculdade legal após a celebração do casamento, hipótese esta, todavia, que dependerá da intervenção do Estado-juiz, por meio do ajuizamento da ação de retificação de registro civil prevista no art. 110, da Lei nº
6.015?73 ? procedimento judicial de jurisdição voluntária.11

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Do mesmo modo, há a possibilidade de quem vive em união estável acres-cer ao seu nome o patronímico do seu companheiro. Isso porque, conforme já consignado, a Constituição Federal de 1988 adota o princípio do pluralismo das entidades familiares, reconhecendo, ao lado da família matrimonial, a união estável (art. 226, §3º). Logo, diante da ausência de previsão legal específica – tendo em vista que o art. 57, §2º, da Lei nº 6.015/73, disciplina a adoção de patronímico em relações concubinárias estabelecidas em momento histórico anterior à existência do divórcio –, torna-se necessária a aplicação analógica das disposições do Código Civil referentes à adoção do sobrenome do cônjuge quando do casamento, devendo ser ressalvada, contudo, a necessidade de prova documental da união estável, por instrumento público, acompanhada pela anuência do companheiro que terá o seu sobrenome adotado pelo outro, tendo em vista que, diferentemente ao casamento, não há, na união estável, procedimento prévio de habilitação, revestido pelo cumprimento de inúmeras formalidades.12

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Assentada a possibilidade de adoção do patronímico de um dos consortes/ companheiros pelo outro, verifica-se que, após a dissolução do casamento/união estável, é possível seja mantido o nome atual pelo ex-cônjuge/companheiro que fez a opção de alterar o seu nome. Com efeito, dispõe o art. 1.571, §2º, do Código Civil que: “Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial”.

Outrossim, dispõe seu art. 1.578 do mesmo diploma legal, in verbis:

Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I – evidente prejuízo para a sua identificação;

II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III – dano grave reconhecido na decisão judicial.
§1º O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.
§2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.

De acordo com os dispositivos legais acima transcritos, conclui-se que, na separação consensual, o cônjuge é livre para decidir a respeito da manutenção ou não do sobrenome do outro consorte em seu nome, sendo que, caso haja omissão sobre tal questão, mantém-se o nome de casado. Contudo, sendo a separação litigiosa, o cônjuge declarado culpado perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que requerido pelo consorte inocente, exceto nas hipóteses expressamente descritas nos incisos do art. 1.578.

Todavia, há dissenso doutrinário e jurisprudencial acerca da atual aplicabilidade da parte final do art. 1.571, §2º, e do disposto no art. 1.578, ambos do Código Civil, devido ao advento da Emenda Constitucional nº 66, de 14 de julho de 2010, que alterou o texto do §6º, do art. 226, da Constituição Federal, suprimindo-lhe a menção quanto à separação judicial e ao prazo de separação

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de fato para a decretação do divórcio. Sua nova redação dispõe: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Inferem-se, de imediato, duas conclusões: manteve-se o princípio de que o casamento é dissolúvel e que a dissolubilidade do vínculo matrimonial se dá pelo divórcio. Mas, quanto ao instituto da separação, há a sua permanência no ordenamento jurídico brasileiro?

Apesar de tal questão não encontrar entendimento unânime entre os juristas ? havendo quem defenda que as legislações infraconstitucionais permaneceram intactas e em plena vigência1314, enquanto outros defendam a ocorrência da revogação dos dispositivos infraconstitucionais que disciplinam a separação judicial e extrajudicial, subsistindo apenas o instituto do divórcio, o qual não mais estaria

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submetido a qualquer prazo de separação de fato para a sua decretação1516, tem-se ser inequívoco que a exigência de prévia separação de direito ou de fato, para que se busque a dissolução do vínculo matrimonial pela decretação do divórcio, traz consigo várias problematizações, tanto de ordem pessoal – desgaste emocional do casal, além da possibilidade de constituição de novos relacionamentos amorosos antes do término jurídico do casamento – quanto de ordem patrimonial – haja vista o estado de comunhão de bens que surge pela união matrimonial. Portanto, a melhor opção a ser adotada pelo legislador infraconstitucional, em face da atual disposição do art. 226, §6º, da Constituição Federal, corresponde à revogação dos dispositivos concernentes ao instituto da separação, bem como pela extinção dos requisitos para a concessão do divórcio, o qual deve ter por único fundamento o fim do afeto, ou seja, o fracasso da união conjugal.

Por consequência, considerando a abordagem constitucional acerca da entidade familiar, verifica-se a insubsistência da discussão sobre culpa para a dissolução do vínculo conjugal, mesmo porque a Carta Magna não traz qualquer requisito ou condição para a decretação do divórcio. Com efeito, na ordem jurídica pátria vigente, a sociedade familiar é merecedora...

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