Postulados e Princípios da Propaganda Política

AutorDorival Renato Pavan
Ocupação do AutorJuiz de Direito em Campo Grande, MS
Páginas69-94

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O artigo 1o da Constituição Federal de 1988 estabelece:

"Art. 1o. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III- a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V- o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

O Estado Democrático de Direito é um dos fundamentos da República Brasileira, assim devendo ser entendido, na precisa lição do Ministro Gilmar Ferreira Mendes e dos Drs. Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco42,

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a "organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos. Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos. E é assim o tratamento dado pelo dispositivo constitucional transcrito ao Estado Brasileiro e, em especial, em face do âmbito deste trabalho, aos direitos políticos, formadores da base do sistema democrático, assim devendo ser considerados "o direito ao sufrágio, que se materializa no ato de votar, de participar da organização da vontade estatal e no direito de ser votado".43

Mais, ainda: "embora não esteja explícito nessa norma constitucional, é evidente que esse voto tem outra qualificação: ele há de ser livre. Somente a idéia de liberdade explica a ênfase que se conferiu ao caráter secreto do voto. O voto secreto é inseparável da idéia do voto livre" e, portanto, "a ninguém édado o direito de interferir na liberdade de escolha do eleitor. A liberdade do voto envolve não só o próprio processo de votação, mas também as fases que a precedem, inclusive relativas à escolha de candidatos e partidos em número suficientes a oferecer alternativas aos eleitores. ...O caráter livre e secreto do voto impõe-se não só em face do Poder Público, mas também das pessoas privadas em geral. ...A preservação do voto livre e secreto obriga o Estado a tomar inúmeras medidas com o objeto de oferecer as garantias adequadas ao eleitor, deforma imediata, e ao próprio processo democrático".44

Fundado nessas premissas, e emprestando ao direito de votar não só a idéia de voto livre45, mas também a de não receber interferência indevida nessa liberdade de escolha ao longo do processo eleitoral, que envolve a propaganda eleitoral, é induvidosa a conclusão de que qualquer que seja a modalidade de tal interferência indevida, trata-se de ato que deve ser coibido.

Os princípios constitucionais derivados do Estado Democrático de Direito têm por objetivo, assim, assegurar que o eleitor possa exercer a sua liberdade de escolha, livre e soberanamente, exercitando ainda em sua plenitude um dos direitos derivados da cidadania, sem que sua vontade seja manipulada, mascarada, alienada, engodada ou por qualquer forma tolhida pelo Partido ou candidato ao longo de todo o processo

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eleitoral, e não somente que possa livremente comparecer e exercer o seu direito de sufrágio (direito de voto), que é uma das exteriorizações da cidadania.

Daí que os postulados e princípios constitucionais, tratados neste capítulo, aplicam-se não só à propaganda eleitoral, mas à propaganda política, como gênero, em maior ou menor intensidade em uma ou em outra, mas sempre de forma a atuarem integrados e harmônicos.

Qualquer tentativa de dar seguimento à analise dos princípios referidos, deve partir necessariamente de duas indagações. Afinal, o que é um princípio? E mais, ainda, há diferença entre postulado e princípio?

De Plácido e Silva46, conceitua o princípio como sendo "derivado do latim prin-cipium (origem, começo), em sentido vulgar quer exprimir o começo de vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir. É, amplamente, indicativo do começo, ou origem de qualquer coisa. Princípio é também a expressão que designa a espécie de norma jurídica cujo conteúdo égenérico, contrapondo-se à regra ou preceito, que éa norma mais individualizada. Constitui princípio jurídico normas genéricas como, por exemplo, 'todos são iguais perante a lei', enquanto preceito ou regra é a norma específica, como, por exemplo, o idoso tem direito à assistência de sua família".

O professor Geraldo Ataliba47, de méritos indiscutíveis, professa que "princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências".

Nelson Luiz Pinto48, à sua vez, assevera que "os princípios, genericamente falando, são regras não-escritas que decorrem ou de outras regras escritas, ou de um conjunto de regras, ou do sistema jurídico como um todo, e que orientam não apenas a aplicação do direito positivo, mas, também, aprópria elaboração de outras regras, que a eles devem guardar obediência e hierarquia".

Nelson Nery Júnior49 informa que os princípios "são regras de ordem geral, que muitas vezes decorrem do próprio sistema jurídico e não necessitam estar previstos expressamente em normas legais, para que se lhes empreste validade e eficácia".

Robson Carlos de Oliveira50, citando Canotilho, mostra que o douto professor português manifesta o entendimento de que os princípios "se constituem em fundamento das regras, ou seja, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas".

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Arruda Alvim51 acrescenta que "uma das formas mais apropriadas para estudar-se um tema é procurar identificar os seus princípios regentes, porque à luz de determinados referenciais constantes e que permeiam toda uma disciplina nos seus pontos nodais, pode-se ter uma visão geral do assunto e, sucessivamente, no estudo de cada espécie, verificar-se-ão as diferenças".

O princípio, assim, orienta o sistema e não necessita estar escrito para que tenha validade, eficácia, ou seja aplicado em sua inteireza, apenas observando-se que o conflito entre dois princípios resolve-se pelo sobre-princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.

Daí a razão de ter Celso Antonio Bandeira de Mello52 sustentando que o "princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes do sistema do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitu-cionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada".

O princípio não necessita ser explicado, porque ele está na gênese da intelecção, e qualquer pessoa de bom senso o entende e compreende seu conteúdo e alcance, mesmo que não esteja posto como norma no sistema jurídico.

Anoto, todavia, que o Ministro José Augusto Delgado53, ao analisar o dispositivo contido no artigo art. 5o, inciso LXXVIII54, da Constituição Federal, introduzido pela EC 45/04, sustentou que não via nele um princípio, mas sim um postulado jurídico com carga constitucional e este, afirma o culto Ministro, "em sentido jurídico,

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representa uma verdade que se admite sem outras provas e que serve de base a ulteriores afirmativas ou alegações, conforme indica De Plácido e Silva em seu Dicionário Jurídico, 15a ed., Rio de Janeiro, Forense, p. 623. Atua com força maior do que tem o princípio".

O postulado, assim, na visão do culto e eminente Ministro, é mais do que um princípio. Enquanto este não necessita de estar escrito, o postulado tem força maior e por isto mesmo sustenta (no caso por ele então examinado, de natureza constitucional), que "não se tem dúvida de que a intenção do legislador constituinte foi a de determinar regras com força de postulados jurídicos com carga constitucional para que, de uma vez por todas, a cidadania brasileira tenha assegurado, quando em estado de conflito, uma solução administrativa e judicial no menor tempo possível".

Abrahão Kuga e Antônio Houaiss55 conceituam o postulado como sendo "princípio ou fato indemonstrável ou não demonstrado, cuja admissão é necessária para estabelecer uma demonstração", emprestando-lhe o mesmo sentido de um axioma. Este, por sua vez, é ali mesmo conceituado como "proposição evidente por si mesma e que não...

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