Lei complementar n.º 123: a capacidade postulatória dos procuradores estaduais e o pacto federativo

AutorWashington Luís Batista Barbosa
CargoEspecialista em Direito Público. Faculdade de Direito Processus
Páginas1-18

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1 - Introdução

O presente trabalho tem por objetivo principal analisar os impactos da edição da Lei Complementar 123, principalmente no que diz respeito à constitucionalidade do seu artigo 41 que atribui à Procuradoria Geral da Fazenda a competência para inscrever em dívida ativa e cobrar os créditos tributários do chamado SIMPLES Nacional.1

O Cerne da questão que será analisado é acerca da usurpação da competência constitucional dos Procuradores de Estado para defender os interesses de sua unidade federada.

Para melhor compreender o tema, far-se-á primeiro a análise da referida lei complementar, abordando o contexto sócio-político de sua edição.

Posteriormente, como não poderia deixar de ser, aprofundar-se-á na discussão do pacto federativo da República Federativa do Brasil, sua evolução e análise da situação atual, Page 2 principalmente no que diz respeito às competências tributárias e repartição de receitas.

Após esta, apresentar-se-á informações a respeito da capacidade postulatória dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, tanto no que diz respeito aos matizes constitucionais como seus direitos e deveres enquanto advogados sujeitos à legislação específica.

Será trazido, ainda, para o bojo deste trabalho um breve relato sobre das Ações Diretas de Incostitucionalidade que abordaram e abordam o tema nos últimos anos, bem como serão analisadas as diversas posições de nosso Tribunal Superior.

Por fim, será apresentada uma proposta de modelo de atuação para inscrição e cobrança dos créditos tributários originados do SIMPLES Nacional.

2 - Lei Complementar Nº 123, DE 14/12/2006

A Constituição de 1988, em seu artigo 179, ao tratar da ordem econômica e financeira, principalmente em seu capítulo primeiro: "Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica", estatuiu:

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentiva-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Trata-se de norma de eficácia limitada, de cunho programático, carecendo de lei específica para que possua eficácia plena e possa produzir todos os efeitos aos quais se propôs.

Não obstante, havia a Lei N.º 7.256/84, chamada de Estatuto da Microempresa a qual estabelecia: "normas integrantes do Estatuto da Microempresa, relativas ao tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial".

O primeiro debate estaria na recepção ou não da lei supracitada pelo novo ordenamento jurídico trazido pela Constituição de 1988. Ora, não há dúvidas que a intenção do legislador constituinte se encontrava em congruência com o preconizado pelo Estatuto da Microempresa, mais que isto se nos apresenta claro que o desejado pelo Constituinte, principalmente aqueles que representavam os microempresários, era trazer ao nível constitucional as vitórias alcançadas com a edição do estatuto.

Foi então, e como não poderia ser diferente, que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Mandado de Injunção Coletivo N.º 73-5/94, declarou que a Lei n.º 7.256/84, fora recepcionada pela Constituição de 1988 e estava cumprindo com o mandamento do artigo 179 da CF, conforme transcrição abaixo:

EMENTA: Mandado de Injunção Coletivo. Esta Corte tem admitido o mandado de injunção coletivo. Precedentes do Tribunal. Em Mandado de Injunção Page 3 não é admissível pedido de suspensão por inconstitucionalidade, de lei, por não ser ele o meio processual idôneo para a declaração de inconstitucionalidade, em tese, de ato normativo. Inexistência, no caso, de falta de regulamentação do artigo 179 da Constituição Federal, por permanecer em vigor a Lei 7.256/84 que estabelece normas integrantes do Estatuto da Microempresa, relativas ao tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial. Mandado de Injunção não conhecido. (STF, Ementário n.º 1772-1, DJ de 19.12.94). (Grifou-se).

Para não pairar mais qualquer dúvida sobre o assunto, solucionando todas as possíveis controvérsias, foram editadas as Leis 8.864/94 e a Lei 9.841/99, esta última revogando expressamente as Leis 7.256/84 e 8.864/94 e estatuindo o Estatuto da Micro- empresa e da Empresa de Pequeno Porte.

Muito embora toda a atividade legislativa mencionada acima, somente com o advento da Lei 9.317/1996, o chamado Simples Federal, que a questão do tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas foi regulado no âmbito federal.

O que se viu a partir de então foi um leque de dispositivos legais de âmbito estadual e/ou municipal a regular as relações com as micro e pequenas empresas. Dessa sorte em cada localidade seria possível um tipo de tratamento diferente o que, com certeza, não foi nem é a intenção do preconizado no artigo 179 da CF.

A Emenda Constitucional 42/2003, ao alterar o artigo 146 da CF e incluir o artigo 94 da ADCT, reservou a Lei Complementar a definição de tratamento diferenciado e favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso de ICMS, Contribuições Sociais e PIS.

Depois deste breve histórico pode-se falar da Lei Complementar 123/2006 que instituiu normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado à microempresa e empresa de pequeno porte no âmbito dos poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Com vigência a partir de 01/07/2007 esta Lei Complementar revogou as demais leis que tratavam o tema, unificando nacionalmente a matéria.

O Chamado Simples Nacional inclui os seguintes impostos e contribuições:

  1. IRPJ- Imposto de Renda da Pessoa Jurídica;

  2. IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados;

  3. CSLL - Contribuição Social sobre Lucro Líquido;

  4. COFINS - Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social;

  5. PIS/PASEP - Contribuição para Programa de Integração Social;

  6. Contribuição para Seguridade Social "Patronal";

  7. ICMS - Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações; e

  8. ISS - Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

    Na realidade, com o surgimento do SIMPLES Nacional, as empresas optantes deixaram de ser obrigadas a contribuir com os demais tributos da União, inclusive as Page 4 contribuições para as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.

    Não está no escopo do presente artigo analisar o SIMPLES Nacional ou mesmo o tratamento diferenciado dado às micro e pequenas empresas, este tema deverá ser objeto de um outro estudo. Fez-se necessária esta digressão para que o leitor fosse contextualizado acerca do ambiente sócio-político e, principalmente, jurídico em que se insere a discussão central deste trabalho.

    O artigo 41 da LC 123/2006 prevê:

    Art. 41. À exceção do disposto no §3º deste artigo, os processos relativos a tributos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional serão ajuizados em face da União, que será representada em juízo pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

    §1º. Os Estados, Distrito Federal e Municípios prestarão auxílio à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em relação aos tributos de sua competência, na forma a ser disciplinada por ato do Comitê Gestor.

    §2º. Os créditos tributários oriundos da aplicação desta Lei Complementar serão apurados, inscritos em dívida ativa da União e cobrados judicialmente pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

    §3º. Mediante convênio, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá delegar aos Estados e Municípios a inscrição em dívida ativa estadual e municipal e a cobrança judicial dos tributos estaduais e municipais a que se refere esta Lei Complementar."

    Somente para delimitar o escopo da discussão deve-se ressaltar alguns pontos da norma supracitada:

  9. Alteração da legitimidade passiva para os processos relativos a tributos estaduais, distritais e municipais avocando esta legitimidade para a União, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

  10. Alteração da competência administrativa para apuração e inscrição em dívida ativa, mais que isto a inclusão de créditos tributários originados de tributos estaduais, distritais e municipais na dívida ativa da União, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

  11. Alteração da legitimidade ativa para cobrança judicial dos créditos tributários estaduais, distritais e municipais avocando esta legitimidade para a União, representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

  12. Ressalte-se que o convênio previsto no parágrafo 3º do citado artigo não inclui a possibilidade de o Distrito Federal vir a ser parte dele, afastando por completo a possibilidade de o Distrito Federal vir a participar da cobrança judicial de seus tributos incluídos no Simples Nacional.

    Nas seções seguintes serão abordados os impactos do advento da presente norma para o pacto federativo nacional e sobre a competência constitucional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal para representar a sua unidade federada.

3 - Pacto Federativo

Inicialmente, urge traçar algumas considerações acerca dos fundamentos e conceitos do federalismo. Page 5

Federalismo é um princípio que sustenta a Federação como um ideal para a vida social e política em determinados Estados, baseada no aspecto fundamental do pluralismo, na tendência de harmonização e no princípio regulador da solidariedade.2

Ou, ainda, como diria o...

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