A potencialidade dos pactos consensuais no fim da conjugalidade

AutorRenata Vilela Multedo
Páginas245-265
A POTENCIALIDADE DOS PACTOS
CONSENSUAIS NO FIM DA CONJUGALIDADE
Renata Vilela Multedo
Professora Titular de Direito Civil do Centro Universitário IBMEC. Professora dos
cursos de pós-graduação lato sensu da PUC-Rio. Advogada capacitada em práticas
colaborativas e Mediadora de conflitos. Doutora e mestre em Direito Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. MBA em Administração de Empresas pela
PUC-Rio. Membro efetivo do IAB, IBDFAM, IBDCivil, IBERC, IBPC e IACP (International
Academy of collaborative professionals).
We have not yet arrived, but every point at which we stop requires
a re-denition of our destination.
Ben Okri1
Sumário: 1. Introdução – 2. A privatização das relações familiares – 3. Os Métodos adequados
de resolução de conitos e a transação de direitos indisponíveis – 4. A construção dos pactos
colaborativos – 5. Limites à intervenção judicial na construção e homologação dos pactos
extrajudiciais – um acórdão emblemático – 6. Novos rumos para uma coparentalidade res-
ponsável – 7. Considerações nais – 8. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
Na seara do direito de família, não têm sido poucas as dificuldades enfrentadas
para erguer todo um renovado arcabouço jurídico com vistas a proteger não mais
apenas o patrimônio dos sujeitos, mas sim, e hoje muito mais relevante, a autonomia
e o protagonismo das pessoas na realização de seus próprios projetos de vida, os quais
incluem os projetos familiar e parental.
Na ordem constitucional vigente, a noção de autonomia privada sofreu uma
profunda transformação à medida que sua incidência ocorre no âmbito de uma rela-
ção patrimonial ou de uma relação existencial. Enquanto a autonomia privada nas
situações patrimoniais só é merecedora de tutela se e enquanto realizar interesses
socialmente relevantes nem sempre coincidentes com os do titular, a autonomia
privada nas relações existenciais ou nas mistas com função predominantemente
existencial visa à concretização da dignidade humana de seu titular.
Por isso, no que tange às situações pessoais, como aquelas que se referem à
vida privada, há uma proteção constitucional reforçada, porque, sob o prisma da
Constituição, esses direitos são indispensáveis para uma vida humana com digni-
dade. Hoje, questiona-se até que ponto delegar ao Estado a incumbência de dirimir
1. OKRI, Ben. Tales of freedom. Rider, 2010.
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as divergências familiares é uma alternativa possível ou a melhor alternativa. Não
por acaso é que mecanismos extrajudiciais para a solução de conflitos ganharam
grande relevo no âmbito do direito de família, tendo em vista que as limitações de
uma decisão por meio do processo judicial são evidentes.
Nesse contexto, os pactos em direito de família, embora tradicionalmente utili-
zados como instrumentos tipicamente patrimoniais, a exemplo dos pactos antenup-
ciais, têm se mostrado potenciais espaços para a promoção de valores existenciais.2
Partindo-se do contraponto entre liberdade e solidariedade – que, traduzidas no
plano da regulamentação, exigem o reconhecimento de garantias e de tutelas dife-
renciadas –, o presente artigo se propõe a realizar uma análise sobre abrangência da
autonomia privada na escolha dos pactos que devem reger o fim da conjugalidade,
visando investigar os limites, as vantagens e as potencialidades do envolvimento das
partes como protagonistas na construção de acordos nos processos de divórcio e de
dissolução de uniões civis.
O estudo buscou ainda investigar os limites da intervenção estatal no âmbito
desse cenário, tendo como norte a priorização dos métodos consensuais de resolução
de conflitos, instaurado como política pública no Brasil desde a Resolução 125 do
Conselho Nacional de Justiça e já consolidada desde o preâmbulo da Constituição
Federal como em diversos diplomas legais.3
2. Sobre os limites do exercício da autonomia privada nos pactos antenupciais recomenda-se MATOS, Ana
Carla Harmatiuk; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Disposições patrimoniais e existenciais no pacto
antenupcial. In: MATOS, Ana Carla Harmatiuk; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Direito Civil, Constituição e unidade do sistema: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil
Constitucional – V Congresso do IBDCivil. Belo Horizonte: Fórum, 2019. 492p. ISBN 978-85-450-0568-1.
3. CF/88, Preâmbulo: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte
para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de
Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.
CC, art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida
instituída pela família.
CPC, 2015: Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara
privada de conciliação e de mediação. § 1o O conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não
estar cadastrado no tribunal.
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar
sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste
artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de
adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da contro-
vérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação
e conciliação. Parágrafo único.
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
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