Potencialização da autonomia da vontade individual na Reforma Trabalhista: restrições estruturais e constitucionais

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas244-259

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Introdução

A estrutura trabalhista está pautada em uma perspectiva de melhoria da condição social do trabalhador, sempre e quando a aplicação das normas desta natureza tem como ponto de partida o prisma constitucional e as normas de respeito e dignidade da pessoa, sejam nacionais ou mesmo diplomas internacionais. Não deveria ser diferente, visto que textualmente na “Constituição Cidadã”, o caput do seu art. 7º estabelece esta finalidade, ampliando uma condição mínima para os trinta e quatro incisos e parágrafo único ali inseridos, bem como, outras formas não presentes e conexas às relações de trabalho.

As normas trabalhistas deverão estabelecer um conteúdo conforme a constituição e os princípios do Direito do Trabalho, em uma construção de meios para se ter uma sociedade com menos diferenças sociais.

Ou seja, a finalidade do Direito do Trabalho no Brasil, passando pela ótica constitucional, será sempre a da melhoria da condição social do trabalhador, utilizando-se da estrutura e sistemática da disciplina laboral, pautada e formatada no sentido de inclusão social com cidadania e dignidade ao trabalhador.

Nessa perspectiva, o conjunto de normas de Direito do Trabalho, inseridas ou não no bojo do texto constitucional (em face do princípio da norma mais favorável), deverá ser, em regra, de ampliação ao conteúdo mínimo presente nas normas heterônomas estatais, com avanços naturais na consecução e ratificação de direitos fundamentais, inseridos no rol dos Direitos Humanos, com limitação à utilização da autonomia privada negocial, salvo se for para estabelecer condições mais favoráveis aos trabalhadores, em inserção ampliativa do Constitucionalismo social.

Isso porque os Direitos Humanos não possuem limites, fronteiras ou mesmo definições de interesses particulares em detrimento do coletivo e até mesmo do próprio interesse público, todos em inexorável construção e que historicamente ficou conhecido como suas ondas evolutivas.

Tal condição é reveladora de uma realidade já comum no seio das ciências sociais, das ciências políticas e da própria economia, não inserida num prisma ultraliberal ou ortodoxo de uso do mercado pleno, quando os trabalhadores passam a ser mero insumo ou mercadoria.

Justamente nesse contexto que o Direito do Trabalho impõe limites ao contrautualismo liberal e ao uso indiscriminado de suas normas, visto que decorre do intervencionismo estatal nas relações privadas para estabelecer, por meio da isonomia diferenciada, o mínimo de garantia social e dignidade aos trabalhadores decorrentes de suas normas.

Ou seja, o Direito do Trabalho equipara formalmente sujeitos que naturalmente são desiguais, estabelece limites no exercício da dialética relação em que um é subordinante e outro é subordinado, com inexorável assimetria de poderes entre patrões e empregados, respectivamente e entre o interesse individual e o coletivo, impondo assim um interesse público de limite à teoria da vontade plena.

Alguns dos novos elementos normativos e contratuais trazidos pela reforma trabalhista presentes na Lei n. 13.467/17 serão tratados neste texto, sem a pretensão de esgotá-los, contudo, informando e justificando o verdadeiro desvirtuamento de elementos de ordem constitucional, sobretudo, quando se trata da implementação do interesse privado sobre o coletivo, o público e o social e ainda em especial, quando se potencializa a autonomia da vontade na implementação da condição jurídica legitimadora de uma nova relação de trabalho, cujo contratualismo aparenta ser condição supostamente justa entre os sujeitos da relação de trabalho, em sintonia com o discurso neoliberal e publicitário predominante no momento.

1. A perspectiva constitucional de limitação da autonomia da vontade

Muito claro está no art. 7º da Constituição da República que a perspectiva de melhoria da condição social será alcançada com a ampliação daquele conteúdo mínimo previsto na norma, podendo ser expandido por qualquer forma, em pleno e ilimitado potencial de emancipação dos direitos fundamentais e naturalmente, dos Direitos Humanos.

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Tal intervenção estatal na atividade privada assume um patamar de controle limitado de ações, de natureza política e jurídica que melhora a posição política do empregado. Desta forma e estruturalmente, o sistema normativo assume uma função de governabilidade da força de trabalho2, atendendo aos interesses recíprocos de empregadores e empregados, determinando comportamentos e valores da ordem pública social e econômica.

Assim, ao reconhecer as Convenções e os Acordos coletivos de trabalho no inciso XXVI, como norma secundária do caput do art. 7º, o seu mandamento será que tais fontes formais autônomas deverão em regra, estabelecer condições de trabalho mais favoráveis do que as mínimas prevista na legislação.

A autonomia privada coletiva deverá ser utilizada em regra como acréscimo do conteúdo qualitativo e quantitativo de normas de proteção ao trabalhador, com limitadas restrições nos incisos VI, XII e XIV do mesmo art. 7º.

Na mesma senda, permite que não só aquele conteúdo previsto no formalismo constitucional seja aplicado em condição de superioridade ao mínimo, mas potencializa que outras normas decorrentes das peculiaridades de cada categoria e/ ou empresas que negociam possam ser criadas, sempre que venham a ampliar o capital normativo tutelar ao trabalhador, como ocorre comumente com a criação de institutos que somente interessam a determinadas categorias.

Como assevera José Luis Monereo Pérez:

(...) toda vez que las garantías de derecho se presentam como reglas positivas y obligatorias, con valor vinculante que aseguran la aplicación dinámica de determinados derechos generalmente reconocidos y que se imponen, en particular, al legislador ordinário y, formando parte de la Constitución participa del mismo valor jurídico que ésta, pudiendo ser oponibles al legislador ordinário y, matizadamente, a los particulares3.

Foi dessa forma que a carta magna estabeleceu o uso da autonomia da vontade coletiva para que pudesse ser flexibilizado o Direito do Trabalho, ou em denominação mais atual, porém não menos falaciosa, a “modernização das relações de trabalho”4.

Também foi nesses limites reconhecidos pelo inesquecível Arnaldo Süssekind, quando entendeu que “A Constituição brasileira de 5 de outubro de 1988 possibilitou a flexibilização de algumas de suas normas” (...), “(...) mas sempre sob tutela sindical”5, o que elide a flexibilização das normas diretamente entre empregador e empregado.

Por sua vez, se a informalidade é permitida no momento da contratação, conforme se tem do caput do art. 4436 consolidado, é apenas para facilitar o liame empregatício, em plenitude à condição de melhora da condição de vida que decorre do emprego.

A ordem pública social estabelece a tutela ao hipossuficiente na relação de emprego, que, como dito, limita as vontades e impede as discrepâncias de interesses e a imposição do mais forte ao mais débil.

Ou seja, é um elemento inalienável para a consecução de um mínimo de justiça social, como bem define Mario Garmendia Arigón:

(...) el conjunto de valores de la vida, que por la especial transcendencia que asumen en determinado estadio de la evolución social, pasan a integrar la conciencia jurídica colectiva y se constityuen en objetos de tutela privilegiada por parte del Derecho7.

(...)

De modo que, la materialidad fundamental del orden publico social, queda representada a través de un tríptico conformado por los seguintes valores básicos: – El trabajo no es una mercancia – El trabajo es objeto de tutela jurídica especial – La consecución de la justicia social es el criterio rector de la regulación jurídica del trabajo8.

Esta concepção de razoabilidade evita que se imponha o pleno contratualismo na utilização da autonomia privada individual e coletiva. No segundo caso, os sindicatos apenas são sujeitos de representação e não detentores dos direitos, sendo os titulares os respectivos empregados, devida inteligência do art. 8º, III da carta maior9.

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Constituição tampouco deixa espaço para que haja utilização em condições de minoramento do seu conteúdo por negociação direta entre empregador e empregado, como também a própria CLT, que no conteúdo do art. 444 e caput do art. 468, (ambos não atacados pela reforma trabalhista), a flexibilização prevista, em três hipóteses, pela Constituição de 1988, art. 7º, não pode ser efetivada por ajuste individual10, tendo em vista a estrutura trabalhista e, como dito, ainda pautada na ordem pública social e nos princípios do Direito do Trabalho, onde se destaca o da proteção e o da indisponibilidade, nos limites da governabili-dade da força de trabalho.

Por sua vez, a própria estrutura trabalhista do país regulada no modelo românico-germânico impõe a prevalência da norma heterônoma estatal11, em detrimento do conteúdo negociado e que no limite do contrato de trabalho possui nítida conotação de ampliação do seu conteúdo e de restrição à modificações prejudiciais aos trabalhadores.

Em que pese tal elemento formal de equiparação entre os sujeitos da relação de trabalho, de toda sorte o próprio contrato de trabalho...

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