Povos indígenas & direito de autor na sociedade da informação: uma contribuição ao debate

AutorMarco Antonio Barbosa, João Mitia Antunha Barbosa
Páginas129-145
REVISTA DIREITOS CULTURAIS - RDC
v. 8, n. 17. janeiro/abril.2014
pp. 129/145
Página | 129
POVOS INDÍGENAS & DIREITO DE AUTOR NA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO: UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE
INDIGENOUS PEOPLES & COPYRIGHT IN THE INFORMATION
SOCIETY: A CONTRIBUTION TO THE DEBATE
Marco Antonio Barbosa 1
João Mitia Antunha Barbosa 2
Resumo: Abordam-se os direitos de propriedade intelectual, especialmente aqueles consignados sob a
rubrica de direito de autor, em sua aplicação no caso dos povos indígenas, sobretudo as dificuldades
identificadas nesse sistema para a proteção das expressões e os conhecimentos cul turais, artísticos e
científicos tradicionais e indígenas. Ainda, a discussão sobre o do mínio público e os direitos de autores
indígenas; as convergências entre o sistema de proteção dos direitos autorais e a lei de cultivares; a
originalidade na obra tradicional e a novidade e a distinção das obtenções vegetais. Conclui-se que
existem enormes problemas concernentes à preservação e a defesa do patrimônio cultural imaterial
autóctone face às múltiplas formas de expropriação possíveis. Esses conhecimentos não podem mais,
atualmente, ser considerados como bens pertencentes a todo mundo e serem utilizados por terceiros sem o
consentimento prévio e informado dos verdadeiros detentores. Relativamente aos diferentes instrumentos
de proteção dos conhecimentos trad icionais, não se pode ficar apenas na crítica do sistema de proteção da
propriedade intelectual. De fato, diversas soluções existem que deve m ser aplicadas ou adaptadas, no
momento em que, respondendo a uma função social, comportam a noção de contrato e de compensação,
com o consentimento livre e informado dos povos solicitados. Ademais, a exploração econômica dos
conhecimentos tradicionais deve contar com a adoção de políticas públicas complementares.
Palavras-chave: Direito de autor. Conhecimentos tradicionais. Po vos indígenas.
Abstract: This article addresses the intellectual property rights, especially those enshrined under the
rubric of copyright i n its application in the case of indigenous peoples, esp ecially the difficulties
identified in this system for the protection of expressions and cultural, artistic and scientific knowledge
traditional and indigenous; discussion about the public domai n and the rights of indigenous authors, the
similarities between the system of cop yright protection and the law o f cultivars; originality and novelty in
the traditional work and the distinction of plant varieties; concluding that there are huge problems
concerning the preservation and defense of indigenous intangible cultural heritage due to the many
possible forms of expropriation. This knowledge can not currently be considered as goods belonging to
everyone a nd used by third parties without the prior and informed consent of the true owners. For the
different instruments of protection of traditional knowledge, you can not j ust stay in the critique of the
system of protection of intellectual property. In fact, there are several solutions that s hould be applied or
adapted, at the time, responding to a social function, invol ving the notion of contract and compensation,
with the free and informed consent of the people requested. Moreover, the economic exploitation of
traditional knowledge must rely on the adoption of complementary policies
Keywords: Copyright. Traditional knowledge. Indigenous peoples .
1 Mestre e D outor em direito pela USP. Professor do programa de mestrado em Direito da Ssociedade da
Informação da FMU - São Paulo.
2 Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Angers, França. Advogado.
Especialista Indigenista da Fundação Nacional do Índio - FUNAI. Autor de "Les lieux des savoirs
autochtones. Identité, territoire et droits intellectuels. Berlin: Editions Universitaires Européennes, 2012
REVISTA DIREITOS CULTURAIS - RDC
v. 8, n. 17. janeiro/abril.2014
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Considerações iniciais
A propriedade intelectual é caracterizada pelo conjunto de regras aplicáveis à
propriedade industrial, ao direito de autor e aos cultivares, entre outras, tais como as
normas sobre programas software , modelos de utilidade, as apelações de origem
controlada (AOC), etc. Essa matéria, tal como é tratada atualmente pelo direito positivo,
não comporta todo o conjunto dos bens, das obras, dos conhecimentos, das práticas ou
dos recursos que compõem os direitos intelectuais e o patrimônio elaborado por meio do
esforço intelectual humano, seja ele de ordem material ou imaterial. Por outro lado, é
preciso frisar que a raiz histórica e os fundamentos constitucionais da propriedade
intelectual são muito menos “naturais” e muito mais complexos do que a propriedade
(romanística) propriamente dita. De fato, em todas as suas modalidades, a propriedade
intelectual é, sobretudo, funcional, isto é, submetida a condições, socialmente
responsável e certamente menos absoluta que toda outra forma de propriedade3.
Longe da pretensão de abordar a amplitude da propriedade intelectual, tal como
é apresentada no direito positivo, tampouco a parte do patrimônio intelectual e dos
direitos intelectuais humanos que se encontram excluídos de um sistema de garantia e
de propriedade, este ensaio restringe-se apenas ao estudo das principais dificuldades que
os sistemas em vigor colocam para os povos autóctones, como se verá adiante.
1 Breve abordagem da noção geral de propriedade intelectual
A Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMPI apenas se
constituiu como organização autônoma no seio das Nações Unidas a partir de 1967 e a
Convenção (OMPI) assim define propriedade intelectual:
ARTIGO 2.º
viii) «Propriedade intelectual», os direitos relativos:
Às obras literárias, artísticas e científicas; Às interpretações dos artistas
intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às
emissões de radiodifusão; Às invenções e m todos os domínios da atividade
humana; Às descobertas científicas; Aos desenhos e modelos industriais; Às
marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e
denominações comerciais; À proteção co ntra a concorrência desleal, e todos
os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial,
científico, literário e artístico.
Até o fim do século XIX (Convenção de Paris), a expressão “propriedade
intelectual” aplicava-se de modo mais restritivo e designava mais precisamente os
direitos de autor4. A noção corrente de propriedade intelectual, depois da adoção da
Convenção de Paris, refere-se atualmente a um ramo do direito, altamente
3 BARBOSA, Denis Borges. Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2 003, p. 20
4 BOGSCH, Arpad. Les cent premières années de la Convention de Paris pour la protection de la
proprieté industrielle. Genève: OMPI, 1983, p. 191 (tradução pessoal ).

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