Pragmatismo Jurídico: O Diálogo Entre a Filosofia Pragmática e o Direito

AutorOriana Piske
CargoJuíza de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA)
Páginas20-23

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A filosofia é a reflexão do espírito sobre seu comportamento valorativo teórico e prático e, igualmente, aspiração a uma inteligência das conexões últimas das coisas, a uma visão racional do mundo. Portanto, a filosofia "é a tentativa do espírito humano de atingir uma visão do mundo, mediante a autorreflexão sobre suas funções valorativas teóricas e práticas"1.

Afilosofia passa, atualmente, a assumir um papel extraordinário na história - no dizer de Richard Rorty, "a grande conversação" -portanto, um diálogo crítico, permanente e renovador com as outras áreas do saber humano. Afinal, com o desenvolvimento das ciências sociais, a exemplo da psicologia, da antropologia e da própria história, a partir do século XIX, estas levariam ao impasse do esgotamento da tradicional concepção filosófica2.

Apresentar as questões contemporâneas da filosofia como eventos em um certo estágio de uma conversação, demonstra que os seres humanos não perderam o

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contato com os problemas reais que se deseja resolver. Portanto, trata-se de uma visão filosófica pragmática que certamente vem contribuindo aos diversos ramos do saber, muito especialmente ao direito.

O termo pragmatismo tem sua origem etimológica do grego prâgma, que significa ação3. Segundo Johannes Hessen, a concepção pragmatista tem no conceito de verdade o mesmo sentido de "útil, valioso, promotor da vida". Acrescenta, que "o homem é, antes de mais nada, um ser prático, dotado de vontade, ativo..."4

A filosofia pragmática visa situar o pensamento filosófico mais próximo dos problemas práticos por considerar que o homem e o mundo constituem uma unidade. A experiência autêntica é a história desta unidade, exclui a possibilidade de o homem, de qualquer modo ou em alguma ativida-de, quer seja a arte, a ciência ou a filosofia, poder ser espectador desinteressado do mundo, sem ver-se envolvido nas suas vicissitudes5. Não seria diferente com relação ao direito, encarado como instituição humana, surgido de necessidades humanas, a exigirem sempre uma solução prática para os conflitos.

A filosofia pragmática, a nosso sentir, desenvolve uma prudência, visto que, a partir da experiência, busca investigar logicamente respostas capazes de resolver o problema não como uma verdade absoluta, mas como uma solução para aquele determinado problema, naquele dado momento.

A prudência pressupõe um saber prático; não é ciência ou arte, mas, sim, uma virtude acompanhada de razão. É a prudência, antes de tudo, uma razão intui-tiva, que não discerne o exato, porém o correto. A prudência é o meio de deliberar de forma boa e conveniente. Para tal desiderato, é fundamental observarmos a importância da linguagem, pois "a consciência humana é o resultado da comunicação e não o contrário. A linguagem é comunicação entre o natural e o cultural, o que dá à inteligência o caráter social do comportamento humano"6.

Verificamos uma influência marcante da filosofia pragmática na linguagem jurídica, mormente diante do seu caráter polissêmico e das dificuldades ao enfrentar a obscuridade, a ambiguidade e a imprecisão semântica da linguagem nos textos legislativos, por vezes deliberada, em face dos difíceis processos de negociação. Em decorrência, o Poder Judiciário enfrenta a articulação de um direito positivo, conjuntural, evasivo, transitório, complexo e contraditório, numa sociedade de conflitos crescentes7. A análise pragmática permite articular certas características do funcionamento significativo (persuasão, legitimação, antecipação), explicitando em grande parte as funções dos discursos jurídicos.

Não há como dispensar o discurso argumentativo/persuasivo, conjugado com a ponderação prática (critério da razoabilida-de) visando à compatibilização de valores contraditórios e flutuantes que a realidade em frequente mudança apresenta. A importância da aplicação do referido critério ao fato concreto para a solução do problema ju-rídico demonstra a aplicação de um sentido pragmático à linguagem jurídica.

Desta forma, a pragmática, projetada ao direito...

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