PRÁTICAS CRIMINOSAS, PRÁTICAS EGOÍSTAS, PRÁTICAS PROIBIDAS: O ABORTO NO DISCURSO DO MÉDICO NINO MAGNO BAPTISTA, 1930

AutorGeorgiane Garabely Heil Vázquez, Fernanda Loch
Páginas130-167
GÊNERO|Niterói|v.19|n.1|130 |2. sem.2018
Georgiane Garabely Heil Vázquez1
Fernanda Loch2
Resumo: O objetivo central desse artigo é apresentar o discurso de Nino Magno
Baptista, presente na fonte analisada, sobre as mulheres e as práticas de aborto
numa perspectiva histórica, destacando a década de 1920. A metodologia de
análise foi colocada a partir de um estudo de caso, e de análise de discurso sobre
uma tese médica. Ela foi apresentada na Faculdade de Medicina da Bahia, e
publicada em 1930. A tese intitulada “Estudo medico social do aborto” coloca à
prova a moral feminina, além de apresentar um suposto papel social das mulheres
ao longo do tempo.
Palavras-chave: Aborto; medicina; estudos de gênero.
Abstract: The central objective of this article is to present the Nino Magno
Baptista discourse, present in the analyzed source, on women and abortion
practices from a historical perspective, highlighting the 1920s. The analysis
methodology was based on a case study, and discourse analysis about a medical
thesis. It was presented at the Faculdade de Medicina da Bahia, and published
in 1930. The thesis entitled “Social Medical Study of Abortion” tests female
morality, as well as presenting a supposed social role of women over time.
Keywords: Abortion; medicine; gender studies.
Introdução
O aspecto do aborto provocado, encara-se como nota de amargura infinda para
a sociedade sempre que se descobre em casos concretos a pratica deste mal.
Amargura, porque a provocação do aborto é um crime, um atentado contra as leis
da Religião, da Patria, e da Familia, que são leis por que se regem as sociedades
cultas. Crime e crime que nos parece dos maiores, pela sua barbaria, demonstrando
de forma bem patente a incultura moral de um povo. (BAPTISTA, 1930, p. 73).
1 Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná.
2 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: ferhh28@hotmail.
com.
PRÁTICAS CRIMINOSAS, PRÁTICAS EGOÍSTAS, PRÁTICAS
PROIBIDAS: O ABORTO NO DISCURSO DO MÉDICO NINO
MAGNO BAPTISTA, 1930
p.130-167
GÊNERO|Niterói|v.19|n.1| 131|2. sem.2018
O aborto levanta discussões difíceis por ser um tema polêmico e um tabu,
apesar da grande incidência de casos no Brasil, e de sua recorrência ao longo
dos tempos e da história. Segundo Diniz, Medeiros e Madeiro (2017, p.653),
quase 1 em cada 5 mulheres, aos 40 anos já realizou, pelo menos, um aborto
no Brasil.. É um assunto que não só tem relevância política, - podendo afetar
resultados eleitorais, por exemplo, - como toca na questão legal, levando em
conta a legislação vigente sobre o aborto. E não só isso, o aborto também
perpassa pelos julgamentos dos valores morais, que acima de tudo, influenciam
as diferentes opiniões que circundam o tema.
Partindo do pressuposto legal, em alguns países como, por exemplo, nos
Estados Unidos, o aborto foi legalizado a partir da década de 1970. No Brasil,
de acordo com o código penal de 1940 e vigente até hoje, - salvo os casos de
aborto necessário para preservação da vida da mãe, de gravidez resultante de
estupro, e também de fetos anencéfalos - é proibido.
As leis que estão em vigor em determinada sociedade podem vir a mostrar e
fundamentar valores e costumes presentes na mesma. O aborto esteve presente
explicitamente na legislação brasileira desde 1830, que então teve mudanças em
1890, e posteriormente em 1940. (VAZQUEZ, 2005, p. 97).
De acordo com o contexto analisado, em 1930, o código que estava em uso
era o de 1890:
Art. 300- Provocar aborto, haja ou não a expulsão do fruto da concepção:
No primeiro caso: - pena de prisão cellular por dous a seis annos.
No segundo caso: - pena de prisão cellular por seis meses a um ano.
* 1° - Si em conseqüência do aborto ou dos meos empregados para provocal-o,
seguir a morte da mulher:
Pena: - de prisão celular de seis a vinte e quatro annos.
* 2° - Si o aborto for provocado por médico, ou parteira legalmente habilitada para
o exercício da medicina:
Pena: - a mesma precedentemente estabelecida, e a de privação do exercício da
profissão por tempo igual ao da condenação.
Art.301- Provocar aborto com annuencia e accordo da gestante:
Pena: de prisão cellular de um a cinco annos.
* único: - Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir abortar voluntariamente,
empregando para esse fim os meios; e com reducção da terça parte, si o crime for
commetido para ocultar a deshonra própria.
Art. 302- Si o médico ou parteira, praticando o aborto legal, ou aborto necessário,
para salvar a gestante da morte inevitável, accasionar-lhe a morte por imperícia ou
p.131-167
GÊNERO|Niterói|v.19|n.1|132 |2. sem.2018
negligencia:
Pena: - de prisão cellular por dous meses, e privação do exercício da profissão por
igual tempo ao da condemnação. (BRASIL, 1890).
O código de 1890 agora já punia a gestante envolvida com a prática de aborto
(o que no código anterior, de 1830, não acontecia) (VAZQUEZ, 2005, p. 98,
103), entretanto diminuía a pena se o crime fosse cometido para ocultar a desonra
própria, revelando assim, como a moral e a honra feminina eram subjugadas pela
sociedade, na qual o aborto era considerado “menos ofensivo” quando cometido
para preservar os valores familiares e a honra da moça gestante.
A recusa de um filho ou da maternidade, por parte das mulheres/mães, não
é aceita com bons olhos atualmente, assim como não era no começo do século
XX, contexto em que foi escrita a tese médica que será analisada. Meu objetivo
é fazer um estudo de caso por meio desta tese, para debater sobre as práticas
de aborto através do discurso do médico Baptista (1930), numa perspectiva
histórica e em uma abordagem de análise de gênero. Justifico essa escolha pela
própria dinâmica das práticas abortivas, terreno pantanoso em que reina silêncio
e segredo. Encontrar vestígios históricos sobre abortos não é tarefa fácil. Via de
regra, alguns processos-crime ou inquéritos são possíveis de se encontrar, mas a
maioria das possibilidades de pesquisa estão no campo da medicina, área que por
ofício “trabalha com o aborto”.
Um estudo de caso, segundo Gil (2002), seria o estudo de um ou poucos
objetos de pesquisa, permitindo que o conhecimento sobre tal objeto seja
profundo e detalhado. Para Ventura (2007, p. 385-386), os estudos de caso
têm uma grande utilidade em pesquisas exploratórias:
Por sua flexibilidade, é recomendável nas fases iniciais de uma investigação sobre
temas complexos, para a construção de hipóteses ou reformulação do problema.
Também se aplica com pertinência nas situações em que o objeto de estudo já
é suficientemente conhecido a ponto de ser enquadrado em determinado tipo
ideal. São úteis também na exploração de novos processos ou comportamentos,
novas descobertas, porque têm a importante função de gerar hipóteses e construir
teorias. Ou ainda, pelo fato de explorar casos atípicos ou extremos para melhor
compreender os processos típicos.
Os dois autores citados acima concordam que um dos maiores problemas do
método seria a generalização dos resultados. (GIL, 2002; VENTURA, 2007).
Pode ocorrer que a unidade escolhida para investigação seja bastante atípica em
relação às muitas da sua espécie. Naturalmente, os resultados da pesquisa tornar-
p.132-167

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT