Os prazos para reclamar dos diversos tipos de vícios

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas301-308

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A compreensão dos prazos de reclamação aplicáveis aos vícios e defeitos – danos circa rem e danos extra rem – autonomia dos pedidos

A pluralidade de prazos, a diversidade de natureza (decadenciais e prescricionais), as diversas situações e leis aplicáveis (apenas civil ou de consumo), enfim, uma série de fatores contribui para a dificuldade de compreensão dos prazos aplicáveis à reclamação de vícios e defeitos na construção civil, e seus consectários.

A doutrina jurídica reconhece a dificuldade na aplicação dos prazos, como se verifica pelo comentário de Cláudia Lima Marques:

A norma do art. 26 não é de todo translúcida. No “caput” menciona a decadência do direito de reclamar, evitando falar da decadência do direito subjetivo, ou de prescrição da ação que protege tal direito de receber um produto adequado. Em seu § 2º a norma do art. 26 dispõe que obstam a decadência: “I – a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor (...) até a resposta negativa (...)”. Ora, se a decadência fosse efetivamente do direito de reclamar, este já teria sido usado, exercitado como direito; logo, não poderia morrer, decair, caducar, como se queira. Parecenos que a regra do art. 26 refere-se à decadência do direito de “reclamar” judicialmente, isto é, decadência do direito à satisfação contratual perfeita, obstada por um vício de inadequação do produto ou serviço573.

Um critério interessante adotado na doutrina de Cavalieri Filho, e que auxilia na compreensão dos prazos aplicáveis a vícios e defeitos, é a distinção entre danos circa rem e danos extra rem574.

Cavalieri Filho cita acórdão da 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Cível nº 14.420/2007), do qual extrai lição do Desembargador Carlos Eduardo Fonseca Passos, que faz a distinção entre dano circa rem e dano extra rem575 , que auxilia a compreensão dos prazos aplicáveis à matéria.

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A expressão latina circa rem significa próximo, ao redor, ligado diretamente à coisa, que dela não pode desgarrar-se.

A expressão latina extra rem indica vínculo indireto, distante, remoto; tem sentido de fora de, além de, à exceção de. O dano extra rem é aquele que está ligado ao vício do produto ou do serviço indiretamente, por causa associada, decorrente, porém relativamente independente, que por si só produz o resultado576.

Enquanto o dano circa rem possui natureza contratual, o dano extra rem tem natureza extracontratual.

Cavalieri Filho tem como certo que o CDC refere-se expressamente ao dano extra rem em seu art. 18, § 1º, item II, ao dispor: “Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha, a restituição imediata da quantia paga, monetariamente corrigida, sem prejuízo de eventuais perdas e danos”, o mesmo ocorrendo no final do inciso IV, do art. 19, do CDC577.

Com efeito, no caso das relações de consumo, o CDC especifica dois modelos de responsabilidade: (I) por vícios do produto ou serviço e (II) por danos aos consumidores. A responsabilidade por vícios (de qualidade ou quantidade) ex-surge quando o produto ou serviço apresenta vício que o torna impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou lhe diminui o valor (CDC, artigos 18 e 20), e a responsabilidade por fato do produto ou serviço, ao seu turno, desponta quando, do vício existente, decorre ao consumidor um dano que vai além da própria imprestabilidade do produto ou serviço (CDC, artigos 12 e 14). Os prazos para reclamar de vícios são decadenciais, enquanto o prazo para reclamar por fatos do produto (acidentes de consumo) é prescricional. O dano moral e material insere-se no âmbito dos fatos do produto, e o prazo para o ingresso da ação é prescricional, regrado pelo art. 27 do CDC, e não o de decadência.

Acompanhamos o entendimento de que os prazos devem ser autônomos, isto é, deve-se separar o prazo para reclamar de vícios (decadencial) do prazo para o exercício do direito de ação (prescricional), pois reclamar por vício e pretender ressarcimento por prejuízos são coisas bem distintas. No primeiro caso, objetiva-se sanar uma falha que não extrapola a esfera do bem viciado (circa rem). No segundo caso, busca-se a composição de prejuízos que exorbitam o produto ou serviço (extra rem).

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A pretensão de ressarcimento de danos extra rem é autônoma em relação à pretensão de reparação ou troca do produto – circa rem , e nesse sentido já julgou o STJ. Duas decisões servem de paradigma às posteriores: a primeira decisão teve por relator o Min. Ari Pargendler, que assim se manifestou:

(...) a decadência acima reconhecida somente atinge parte da pretensão dos autores, ou seja, aquela estritamente vinculada ao vício apresentado no bem (condenação em promover consertos, em entregar novo termo de garantia, de abater o valor do veículo – fls. 09), nada influindo na reparação pelos danos materiais e morais pretendidas na petição inicial578.

E em outro julgamento, que teve...

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