Precarious work analyzed: the experience of hawkers in Rio de Janeiro metropolitan area's trains/Trabalho precario em pauta: a experiencia dos ambulantes nos trens da RAARJ.

AutorJordao, Ana Paula Ferreira
CargoTexto en portugues

Introducao

Este artigo aborda aspectos do "mundo do trabalho" (1) e sua precarizacao estrutural, bem como do desemprego como expressao da "questao social" e, especificamente, da experiencia de trabalho dos ambulantes nos trens da Regiao Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Trata-se de uma reflexao teorica articulada a uma pesquisa empirica. Para tanto, discorremos sobre como a condicao de precariedade se tornou uma dimensao propria ao processo de mercantilizacao do trabalho no capitalismo contemporaneo, constituindo-se em regra e nao em excecao.

Este artigo e baseado na discussao central da dissertacao de mestrado intitulada Uma vida de andancas: trabalho, precarizacao e os ambulantes dos trens da Regiao Metropolitana do Rio de Janeiro, de Ana Paula Jordao, orientada pela professora Inez Stampa, tambem autora deste artigo. No decorrer da pesquisa, observamos a dinamica de trabalho dos ambulantes que vendem produtos no espaco ferroviario da RMRJ. Entrevistamos dois trabalhadores ambulantes em cada um dos cinco principais ramais (Deodoro, Santa Cruz, Japeri, Belford Roxo e Saracuruna), totalizando dez entrevistas semiestruturadas.

Nesse sentido, buscamos articular esses processos ao conceito de "questao social", a partir do entendimento de que nao existe "nova questao social", mas sim novas expressoes da "questao social", ou seja, ela se reatualiza no processo de radicalizacao das desigualdades sociais. A sociabilidade capitalista e a mesma, o processo de trabalho continua sendo coletivo, ao passo que a apropriacao da riqueza permanece privada, porem cada vez mais concentrada, fazendo com que a base da piramide social se torne cada vez mais larga, enquanto que em seu apice se observa mais claramente a concentracao de riquezas. Ou seja, a taxa de crescimento da renda entre os mais ricos aumentou significativamente, de modo que a desigualdade social tambem se tornou mais profunda.

Por fim, apontamos aspectos considerados relevantes quanto ao processo de precarizacao do trabalho, experimentados, sobretudo, pelos sujeitos que possuem uma suposta autonomia no exercicio do seu trabalho.

Assim, tomamos como exemplo o caso dos vendedores ambulantes que trabalham nos trens da RMRJ, objeto de pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pos-Graduacao em Servico Social da PUC-Rio. Convem ressaltar que estamos dando continuidade a pesquisa mencionada, iniciada oficialmente no ano de 2012, aprofundando o estudo e visando investigar a experiencia de trabalho dos ambulantes que desenvolvem suas atividades no espaco ferroviario da RMRJ para alem dos trilhos da ferrovia. Ou seja, a experiencia oriunda das relacoes estabelecidas e possiveis enfrentamentos referentes ao trabalho desses sujeitos, ocorridos tambem fora do espaco ferroviario.

Trabalho e precarizacao estrutural

Para desenvolvermos nossa proposta, levamos em conta a questao estrutural da precarizacao do trabalho presente no sistema capitalista. A despeito dos altos patamares tecnologicos alcancados, o ambito da producao permanece, de modo dominante, estruturado e se movimentando em prol da acumulacao do capital e do lucro. A logica produtivista continua aprofundando a apropriacao privada da riqueza socialmente produzida e dos recursos naturais, consolidando o mercado como o eixo da sociedade e reafirmando a sociabilidade capitalista. Com isso, queremos destacar que a producao, no ambito da sociabilidade capitalista, nao e somente producao de mais-valia e de mercadorias. E, tambem, producao e reproducao de relacoes sociais (NETTO; BRAZ, 2006, p. 136). Relacoes sociais estas marcadas pela exploracao, em que determinados sujeitos (classe burguesa) compram a mercadoria forca de trabalho para que esta gere a tao desejada maisvalia. Os sujeitos que vendem suas forcas de trabalho (os trabalhadores) sao obrigados a faze-lo uma vez que nao possuem outro meio para sobreviver. Assim, a producao capitalista so e viavel se reproduzir as relacoes sociais que poem frente a frente capitalistas e trabalhadores (NETTO; BRAZ, 2006).

Convem resgatar que a reestruturacao do capital, ocorrida com a crise dos anos 1970, possui uma dupla dimensao: no que se refere a producao, consolidou-se a reestruturacao produtiva (2) e, no que tange a esfera politica, a afirmacao do neoliberalismo. Este processo tem aprofundado a pobreza no mundo, a flexibilizacao e precarizacao do mercado de trabalho, a quebra de mercados nacionais e o enriquecimento do mercado financeiro, a custa da contracao do sistema produtivo (COSTA; HORA; ROLDAN, 2010). Cabe destacar que o movimento "mais flexivel" do capital acentua o efemero, o fugaz e o contingente da vida moderna, diferentemente dos valores solidos implantados durante a vigencia do padrao fordista, dificultando, com isso, a acao coletiva dos trabalhadores.

Compreendemos que a flexibilizacao do trabalho e do trabalhador sao conduzidas por um novo padrao de racionalidade. Um padrao flexivel de organizacao da producao, que ja nao e mais tao novo assim, e que altera as condicoes sociais e tecnicas de organizacao do trabalho, do processo de reproducao ampliada do capital, difundido em escala global. O "mundo do trabalho" e categoricamente influenciado pelas relacoes das forcas produtivas e de producao em curso no dominio do capitalismo como um modo de producao propriamente global (IANNI, 1994).

Como fundamenta Tavares (2004), e de acordo com a direcao que estamos adotando neste estudo, o trabalho informal nao e um fenomeno novo no "mundo do trabalho", principalmente no Brasil, onde flexibilidade e precariedade caracterizam o "fordismo a brasileira" (3) (SANTOS, 2012). Entretanto, os ajustes estruturais impostos a economia pelo regime de acumulacao flexivel sao portadores de transformacoes. Diante disso, o trabalho informal se coloca como uma tendencia que deve ser considerada: pelo modo que atualmente lhe e conferido pelos grandes organismos financeiros internacionais; pela sua inquestionavel tendencia a expansao; e pela forma como vem se relacionando com o capital.

Nesse sentido, Oliveira (2003) afirma que a tendencia a formalizacao das relacoes salariais estagnou nos anos 1980 e ampliou-se o que ainda e impropriamente denominado de trabalho informal, que seria uma excecao permanente da mercadoria. Expandiu-se, e continua a aumentar, a ocupacao e nao o emprego, sendo cada vez mais comum encontrar pessoas nas ruas trabalhando com a distribuicao de panfletos para grandes empreendimentos imobiliarios, por exemplo, ou como ambulantes, vendendo os mais diversos tipos de produtos. De tal modo, podemos ressaltar que a precarizacao vem se tornando a regra e nao a excecao, ou, nos termos de Oliveira (2003), uma excecao permanente.

Machado da Silva (2003) afirma que, paralelamente ao vasto reconhecimento de uma intensa tendencia a terceirizacao da atividade economica, igualmente se tem lancado concordancia em relacao a tendencia mundial ao desenvolvimento do desemprego e a precarizacao do emprego assalariado. Diante desse contexto, ha uma clara ampliacao de atividades alternativas precarias, que compoem o chamado trabalho informal, como o comercio ambulante.

A classe trabalhadora vem apresentando niveis de informalidade altissimos, estando desprovida de direitos e sem carteira de trabalho assinada, resistindo em uma sociedade onde predomina o desemprego, a precari zacao, o rebaixamento salarial e a perda cada vez maior de direitos. Nesse contexto, e notavel a fragmentacao da classe trabalhadora a partir da fragilizacao de seus vinculos empregaticios, alem do enfraquecimento dos mecanismos sindicais, componentes centrais do periodo fordista (SANTOS, 2012).

Nos anos 1990, o Brasil passou a incorporar uma gama de problemas sociais constitutivos do "mundo do trabalho" no panorama do capitalismo mundial, conferidos pela nova investida do capital na producao. O desemprego estrutural e a precariedade do emprego e salario aparecem como nova marca do "mundo do trabalho", vinculando-se a propria logica do novo desenvolvimento capitalista sob a era da mundializacao do capital. Tanto as determinacoes estruturais quanto as conjunturais, relacionadas aos ciclos de crescimento da economia brasileira e a politica neoliberal, produziram o desempenho anodino do mercado de trabalho no Brasil. A partir do advento do Plano Real, com o novo ciclo de crescimento da economia brasileira, vem a tona, de modo mais aberto, a "percepcao de um novo (e precario) 'mundo do trabalho'" (ALVES, 2000, p. 248).

A precarizacao do trabalho progride pelo mundo, mesmo com nomenclaturas diferenciadas. Em determinados dialetos, "trabalho temporario" e denominado de "precarizacao", ainda que, na maior parte dos casos, sua definicao seja tendencialmente deturpada como "emprego flexivel". Nesse sentido, as barreiras enfrentadas pelo trabalho podem ser sintetizadas em duas expressoes: "flexibilidade" e "desregulamentacao". Duas das estrategias mais contempladas pelas personificacoes do capital e, apesar de sintetizarem as agressivas ambicoes "antitrabalho" e a politica do neoliberalismo, almejam ser amplamente recomendaveis. Isto acontece uma vez que a "flexibilidade" quanto as praticas de trabalho, a ser facilitada e forcada atraves da "desregulamentacao" em suas alternadas formas, corresponde a desumanizadora precarizacao da forca de trabalho (MESZAROS, 2006).

E claro que a flexibilizacao nao e a saida para ampliar os indices de ocupacao. Muito pelo contrario, e uma imposicao a forca de trabalho para que sejam aceitos salarios reais mais baixos...

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