Precarious work in the textile industry: on tattered lives ... / Precarizacao do trabalho na industria textil: sobre vidas esfarrapadas ...

AutorTrindade, Hiago
CargoTexto en portugues

Introducao

O artigo que ora apresentamos ao publico e fruto de nossas incursoes investigativas, realizadas no ambito do Mestrado Academico em Servico Social, cursado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Tem como objetivo compreender a situacao de precarizacao do trabalho vivenciada pelos sujeitos (1) inseridos na industria textil Casa de Costura (2), situada na regiao metropolitana de Natal, estado do Rio Grande do Norte (RN).

De antemao e antes de avancarmos, cumpre-nos destacar que a escolha pela Casa de Costura, enquanto locus investigativo deste estudo, nao ocorreu de modo aleatorio. Ao contrario, reportamo-nos a esta empresa por ter se colocado, no cenario brasileiro e latino-americano, como uma das principais industrias do ramo textil, investindo fortemente em pesquisa, criacao, desenvolvimento e no processo de distribuicao das mercadorias. E, ainda, responsavel por empregar (precariamente!) milhares de trabalhadores.

Alem disso, ressaltamos o fato de que o seu surgimento data do final dos anos 1950. Este tempo relativamente longo de existencia nos permite contextualiza-la no processo brasileiro e potiguar de industrializacao. Na verdade, a Casa de Costura galgou um processo continuo de avancos cujo ponto de partida pode ser mapeado ainda no comeco da decada supramencionada, com a estruturacao das chamadas "fabriquetas", ou seja, das unidades produtivas de pequeno porte, em geral, embaladas pela producao domestica e baseadas na informalidade do trabalho. Nesse momento historico, vale lembrar, o alcance das pecas produzidas nao conseguia ir alem de alguns estados nordestinos, realidade bastante diferente da que se sucede nos dias atuais, quando a producao ganha todo o territorio nacional.

Data, entao, do final dos anos 1950 a inauguracao da primeira fabrica de porte mais estruturado, na Cidade do Natal (RN). Pouco tempo depois, registramos o surgimento de fabricas em outros estados, ao passo em que se consuma a modernizacao da fabrica ja existente.

No entanto, a rapidez com que a Casa de Costura vai se modernizando nao se deve a obra do destino. Sem esquecer algumas formas assumidas e tomadas de decisoes que caracterizam muito particularmente o grupo que a administra, como e o caso da gestao familiar, nao podemos perder de vista que, nesse momento historico, o Nordeste encontrava-se sob os direcionamentos da Superintendencia de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) para a implementacao de uma politica de industrializacao direcionada, sobremaneira, aos ramos tradicionais da regiao, a exemplo do setor textil. Nesse sentido, a consolidacao da Casa de Costura foi tambem possibilitada pelo conjunto de mecanismos e incentivos financeiros oferecidos pelo Estado aos empresarios e a grupos economicos estabelecidos nessa area geografica. Alias, faz-se mister ressaltar: isto foi fortemente decisivo para a posicao de destaque ocupada pela industria no setor textil nos anos 1970 e, tambem, para a permanencia de suas empresas no Rio Grande do Norte em 1980.

Esse processo de modernizacao vai avancando nas decadas subsequentes. Em verdade, a partir do lastro historico que marca a genese dos anos 1990, observamos grandes impulsos da industria, que passa a se reconfigurar sistematicamente, nos mais diversos aspectos, para conseguir acompanhar as tendencias e os dinamismos mais amplos do mercado mundial. Mas todo esse processo desenvolve-se de maneira particular, posto congregar, ainda, o moderno e o arcaico, o novo e o velho, no que tange aos principios de organizacao e de gestao do trabalho. Por isso mesmo, estamos interessados em compreender melhor as estrategias de exploracao da forca de trabalho, que foram sendo postas em pratica ao longo das ultimas decadas de producao textil, mediadas por tecnologias e modalidades de gestao do trabalho que acompanharam o ritmo das transformacoes no universo da producao industrial, na particularidade do Brasil.

Para dar conta deste proposito, promovemos esforcos teoricometodologicos e praticos a fim de perceber como o transito entre formas de gestao da forca de trabalho (fordismo/taylorismo a toyotismo) se apresentou, na particularidade brasileira, a partir das compositas condicoes e relacoes de trabalho estabelecidas no ambito industrial-textil norte-riograndense.

O fordismo, enquanto forma de organizacao da producao, pautase na racionalizacao da producao, fortemente marcada pelo recurso a metodos cientificos com vistas a otimizar a fabricacao dos produtos e ampliar os indices de produtividade. Alem disso, este sistema e estruturado pelo parcelamento/fragmentacao das atividades acompanhadas da desespecializacao dos operarios. Na fabrica de Ford, os trabalhadores eram organizados lado a lado numa esteira e deveriam cumprir tarefas especificas nas quais tivessem maior dominio e destreza. A producao era homogeneizada e verticalizada (ANTUNES, 2013; GOUNET, 1999).

Em contrapartida, verificar as potencialidades de producao dos trabalhadores para obter maiores rendimentos consistia no principio fundante da administracao cientifica de Taylor. Segundo Pinto (2010), apos sua experiencia em uma fabrica, Taylor percebeu que os operarios produziam menos do que era humanamente possivel como mecanismo para manter seus postos de trabalho. Assim, passou a formular algumas estrategias pautadas na extrema racionalizacao do uso do tempo. O cronometro era um objeto muito presente nesse cotidiano, auxiliando o capital a otimizalo e reduzi-lo sempre para garantir maiores contingentes de producao.

Para entender a realidade especifica da Casa de Costura, poderiamos falar de um hibridismo ou de um processo de hibridizacao na medida em que duas especies diferentes de modelo de gestao da forca de trabalho encontram-se unidas, de maneira particular, no ambito da industria textil potiguar. Encontramos, nessa realidade, elementos do fordismo adaptados ao processo de acumulacao de capitais, configurando o fordismo a brasileira e, paralelamente, verificamos mudancas operadas com a insercao dos metodos inspirados na chamada acumulacao flexivel. Todavia, a opcao pelo termo "compositas" da-se pela impossibilidade de, nos marcos de um cruzamento hibrido, ser praticavel a (re)producao das especies--o que nao nos parece ser o caso da forma pela qual se implementa a gestao da forca de trabalho, cujos passos e a estruturacao logistica vai sendo realizada de maneira constante e dialetica a partir das determinacoes que se espraiam com a producao e a reproducao do modo de producao capitalista.

Isso posto, cabe ressaltar que estamos nos referindo a uma forma peculiar pela qual, no Brasil, no lastro temporal que compreende o periodo de 1990-2010, diferentes principios e formas de organizacao do trabalho se encontram articuladas, em uma realidade especifica, determinando formas de exploracao do trabalho e modos de existir da classe trabalhadora. As condicoes e as relacoes compositas de trabalho se estruturam, portanto, formando um complexo constituido pela incorporacao de principios organizacionais diversos, mas estrategicamente conectados e alinhados em prol da potencializacao do processo produtivo de mercadorias (TRINDADE, 2015).

Ora, como sabemos, o surgimento e a implementacao do toyotismo nao rompe, definitivamente, com seu sistema precedente. A rigor, podemos observar que a nova conjuntura de organizacao socioeconomica do trabalho tem se materializado numa verdadeira conjuncao entre o novo e o velho. Ou seja, num mesmo instante em que existe uma ruptura, observamos algumas continuidades a perdurar entre o fordismo/taylorismo e o chamado "sistema flexivel", nos termos de Harvey (1992). Ha ainda algo a acrescentar: nao podemos esquecer que o toyotismo nao se alastra pelo globo mantendo as mesmas caracteristicas de sua experiencia pioneira no Japao, por volta de 1950, como nos lembra Alves (2005). Em verdade, as peculiaridades de cada formacao socio-historica a marcarem o desenvolvimento das nacoes sao responsaveis por conduzir a incorporacao do toyotismo de maneira mais ou menos proxima do modelo original.

Dito de outro modo: elementos do designado modelo fordista/ taylorista sao conservados, em alguma medida. Ademais, a transicao, na economia mundializada, nao ocorre de modo homogeneo nem imediato em todas as partes do globo. Assim, ainda hoje, em determinados setores da producao, ha convivencia de elementos do padrao fordista/taylorista e do padrao toyotista e, em paises de economia periferica como o Brasil, tal composicao se desenvolve em um contexto de ampliacao da informalidade.

Em nossa pesquisa, esta assertiva ficou evidente. Entre os fatos que nos chamaram atencao, esta a persistencia do cronometro remanescente da era taylorista/fordista. No ambito da Casa de Costura, ele continua sendo usado para medir a destreza e a rapidez de cada uma das costureiras, permitindo, ao mesmo instante, identificar qual o menor tempo possivel para a fabricacao de um determinado componente do produto para que a media de produtividade possa ser alcancada mais rapidamente. Paralelamente, e introduzido o sistema de gestao por metas, com a organizacao dos trabalhadores em celulas, disseminado pelo modelo toyotista.

Outra peculiaridade que persiste do modelo a que fizemos alusao e a propria estrutura fisica da fabrica, que conta com uma extensao de aproximadamente 55.000 [m.sup.2], conseguindo aglutinar milhares de trabalhadores. Como sabemos, a grande fabrica foi uma caracteristica marcante do periodo fordista. Nesse sentido, embora destaquemos a continuidade do espaco, precisamos demarcar, tambem, as mudancas que se expressam na organizacao do trabalho e da classe trabalhadora.

Anteriormente, eram o contato, a proximidade e as vivencias coletivas das dificuldades que contribuiam para conformar a identidade de classe, potencializando os trabalhadores enquanto grupo capaz de reivindicar e obter conquistas. Na atualidade, com as modificacoes operadas nas formas de gestao do trabalho pelo capital, essa...

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