Prefácio

AutorMariana Alves Lara
PáginasIX-X
PREFÁCIO
A presente obra é resultado da tese de doutorado defendida pelo autor, Lucas Costa
de Oliveira, junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
de Minas Gerais, com estágio de pesquisa na University of Birmingham, Inglaterra. Por
meio de um trabalho sério, criterioso e denso, são desenvolvidos diversos argumentos
que fundamentam a tese de que gametas humanos podem ser comercializados sob um
mercado regulado de acordo com parâmetros de justiça.
Um dos inúmeros méritos do trabalho é lançar luz sobre questões aparentemente
assentadas no Direito Privado, balançando as estruturas conservadoras e moralizantes
que sacralizam o corpo humano e concebem-no como inviolável e insuscetível de re-
lações econômicas. O Direito brasileiro está repleto de disposições paternalistas que,
sob a escusa de tentar proteger a pessoa dela mesma, minam a autonomia privada e
limitam de maneira inaceitável o livre desenvolvimento da personalidade, corolário do
reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor no qual se baseia o Estado.2
Muitos argumentos contrários à liberdade de uso e (auto)manipulação da esfera
corpórea, o que inclui a comodicação de partes destacadas do corpo humano, giram
em torno da imposição de padrões morais de comportamento, que impedem que a
pessoa possa se autodeterminar. Ocorre que em um Estado democrático de direito é
preciso garantir um espaço para o exercício da criatividade humana, entendida como “a
capacidade de agir ou pensar de maneira inovadora em relação aos modos de atividade
preestabelecidos”.3
Neste contexto, a partir de um encadeamento lógico de ideias, permeado por vá-
rios exemplos, Lucas Costa de Oliveira leva o autor a uma conclusão (incômoda para
alguns), de que não há argumentos éticos ou jurídicos sucientemente convincentes para
justicar a proibição de tratar óvulos e espermatozoides como mercadorias passíveis de
comercialização. Eventuais problemas normalmente apontados não decorreriam dire-
tamente da comodicação de gametas, mas de circunstâncias periféricas que podem ser
eliminadas por meio de uma regulamentação com base em valores éticos socialmente
partilhados. Assim, o presente trabalho demonstra ser imperiosa a alteração da lógica
muito presente no sistema jurídico brasileiro de tudo proibir para, então, fundamentar
as permissões; para um sistema em que sejam a priori permitidas as decisões sobres
questões pessoais, sendo eventuais proibições justicadas e fundamentadas. Deve-se
2. PINTO, Paulo Mota. O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade. Boletim da Faculdade de Direito
[da] Universidade de Coimbra: Portugal-Brasil Ano 2000, Coimbra, 1999, p. 149-246.
3. GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas.
Tradução de Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1993, p. 44.
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